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ANAC não é lugar para amadores

Conselheiro da agência, vice-presidente da APPA desabafa diante da indicação do genro de um senador da base do governo para a diretoria de Operações de Aeronaves


A nomeação de um diretor da Agência Nacional de Aviação Civil é uma prerrogativa da Presidência da República, que deve submeter o nome ao Senado, que, por sua vez, pode ou não referendá-lo. Essa é a regra do jogo democrático. É a lei.

Essa mesma lei, contudo, também determina que qualquer indicação cumpra alguns requisitos. Dentre eles, um dos mais óbvios: o de que o nomeado conheça do assunto sobre o qual vai se debruçar ao longo de cinco anos de mandato. E é aí que reside o cancro da indicação alegadamente feita pelo senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) e absurdamente acolhida pela presidente Dilma Rousseff. O líder do PMDB no Senado indicou para diretoria de Operações de Aeronaves da Anac seu genro, o advogado Ricardo Fenelon das Neves, de 28 anos. E, pelo que consta, sua experiência com aviação se restringe a um estágio de menos de dois anos e um trabalho de conclusão de graduação, ambos com viés jurídico.

Um diretor da ANAC deve conhecer os temas sobre os quais vai trabalhar, caso contrário, repetirá erros do passado, deixando a agência entregue ao acaso e a aviação, ao amadorismo, colocando em risco todo o sistema, além de provocar a discórdia e desvios no coração do principal órgão da aviação brasileira.

Como em qualquer organização, a ANAC depende da harmonia entre diretores e suas equipes técnicas, e é a respeitabilidade que garante que um diretor possa exercer o maior dos papéis que precisa cumprir: dar bons exemplos, guiando com firmeza e clareza os rumos da agência. São incontáveis os desastres (na ANAC e em vários outros órgãos públicos) causados por amadores à frente de instituições relevantes.

Sabe-se que a grande maioria dos servidores da agência é composta por pessoas de bem, que trabalham dignamente para prestar serviços aos cidadãos. Sabemos que nem sempre esses serviços são prestados como os usuários gostariam que fossem. Temos certeza de que parte desses problemas decorre de regras que precisam ser melhoradas e de recursos que precisam ser disponibilizados, e não são. Porém, para qualquer especialista que convive com a ANAC, as melhorias na prestação de serviços da agência, nos últimos anos, são nítidas. Isso não quer dizer que não tenhamos ainda muito para progredir, mas essa constatação é evidente, para qualquer pessoa que conheça a agência. A nomeação de apaniguados políticos sem qualificações desmoraliza as equipes técnicas, além de ser uma afronta aos regulados e a todo o setor.

Instituições como a APPA nem sempre tem a mesma opinião que a ANAC. É comum divergirmos, às vezes até de maneira diametralmente oposta. Porém, nunca perdemos de vista duas coisas: o respeito mútuo e a decisão de fazer a nossa aviação ser melhor hoje do que foi ontem. Melhor amanhã do que é hoje. E sabemos que a recíproca é verdadeira.

Porque queremos uma ANAC e a aviação brasileira cada vez mais fortes e melhores é que decidimos nos expor, há algumas semanas atrás, com a CAB (Comissão de Aerodesporto Brasileira), e manifestar nosso total repúdio a qualquer nomeação para cargos de diretores que não cumpram o requisito básico que entendemos ser o mais importante: tratar-se de pessoa do ramo, que conheça a aviação, que possa agregar algo, que possa, acima de tudo, interagir com técnicos da agência, estes, sim, obrigatoriamente qualificados para as suas funções. E as indicações políticas feitas pelo senador, acatadas pela Presidência, são o oposto disso.

Ao decidirmos nos expor, temos plena consciência das consequências a que estamos sujeitos, inclusive de retaliação de amadores que vierem a ser confirmados, de políticos que com raiva queiram se vingar da nossa atitude e até de outros interessados, de dentro e fora da agência, que talvez apoiem a confirmação de qualquer um para um dos principais postos da ANAC, sabe-se lá em nome do quê. Não nos importamos com nada disso e corremos o risco, de forma calculada.

Trabalharemos para que, no Senado, todo e qualquer nome desqualificado seja vetado e que daqui para frente não seja lugar comum, para políticos, indicar parentes ou amigos ignorantes na matéria aeronáutica para ocupar postos de direção na ANAC. Nossa aviação não merece isso, muito menos os usuários de todo o sistema aéreo brasileiro.

O decoro deve partir de algum lugar. O lógico seria que os exemplos viessem de cima para baixo. Mas como não foi o caso, nós, cidadãos, temos de fazer a nossa parte. Os mal-intencionados já fizeram a parte deles e, no que depender de nós, escutarão em alto e bom tom: a diretoria da ANAC não é lugar para amadores. A ANAC não é um balcão de trocas de favores subterrâneos.

Por Humberto Branco
Publicado em 01/08/2015, às 00h00