Voamos o novo Dassault Falcon 2000S

Novo Falcon 2000S reinaugura categoria de entrada à família de jatos executivos da Dassault Aviation

Por André Gazzola Publicado em 06/10/2019, às 00h00 - Atualizado em 28/11/2023, às 18h00

Tive o primeiro contato com o Dassault Falcon 2000S na Labace 2013. É uma aeronave muito parecida com as outras da série 2000, a não ser por alguns detalhes. O principal deles é conjunto de dois slats que compõe o bordo de ataque de cada asa. O primeiro ocupa uma área que começa na raiz e vai até quase a metade da asa enquanto o segundo fica entre esse ponto intermediário e a extremidade.

A pintura, “mais moderna”, também chama a atenção. A porta do bagageiro permanece larga e de fácil acesso para cargas pesadas, o que não é comum em aviões do mesmo porte. Além disso, é possível acessar o bagageiro também pela cabine de passageiros durante o voo, até a altitude operacional máxima do jato, 14.320 m (47.000 pés).

Com o 2000S, que custa US$ 25 milhões (preço FOB), os operadores conseguem operar em pistas curtas e, ao mesmo tempo, realizar viagens longas, com boa autonomia, o que não ocorre com os demais jatos capazes de operar em pistas menores nem com os principais concorrentes deste novo modelo.

O avião recém-lançado da Dassault [em 2013] é capaz de decolar de Congonhas, em São Paulo, para o Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e de lá prosseguir, sem abastecer, para a ilha do Sal, em Cabo Verde, ou San Juan, em Porto Rico, mantendo 980 km/h (Mach .80).

Isso é possível graças justamente ao novo sistema de slats utilizado na aeronave, que permite ao jato pousar em pistas de até 705 m de comprimento, com auxílio opcional do ­autobrake, e decolar com 1.318 m de terreno. A velocidade máxima dessa aeronave chega a 1.050 km/h (Mach .86).

AVIÃO TANQUE

A capacidade de operar em pistas curtas permite ao 2000S realizar missões como “avião tanque”, ou seja, sair para o voo com abastecimento máximo de combustível, sem precisar de mais querosene durante os pousos no percurso. Esse tipo de operação pode ser realizado quando não houver abastecimento nos aeroportos envolvidos ou quando o preço do combustível e as taxas forem mais competitivos no aeroporto de saída, compensando, assim, decolar mais pesado.

Quando entrei na aeronave, para a minha surpresa, deparei-me com um interior mais futurístico, com design desenvolvido pela BMW. Para a cabine de 1,88 m de altura e 2,34 m de largura, a empresa alemã criou três tipos de interiores para o Falcon 2000S, o Alpine, mais carregado para o branco, o Sedona, para o bege, e o Havana, para o marrom. A presença no cockpit do EASy II, da Honeywell, com a visão sintética, completa o design diferenciado da aeronave.

No passado, a Dassault oferecia dois modelos da linha Falcon 2000, o DX e o LX, entre os quais havia como diferença básica a autonomia. A do LX era maior, porém, os preços das aeronaves eram muito próximos, com decréscimo de US$ 2,2 milhões para o DX, o que acabava “canibalizando” o negócio, já que o aumento de range era muito significativo para uma diferença de preço relativamente tão pequena.

Novo Falcon é capaz de decolar de Congonhas para o Santos Dumont e prosseguir, sem abastecer, para a ilha do Sal, mantendo Mach .80

 

S versus LXS

Com a entrada do 2000S e do 2000LXS, a Dassault conseguiu colocar no mercado duas aeronaves com preços diferentes mesmo podendo operar de forma similar dependendo do tipo de missão a ser realizada, como, por exemplo, em casos de viagens recorrentes entre São Paulo e Nova York, ou São Paulo e Europa. Nessa situação, as duas aeronaves atendem ao operador da mesma maneira, já que será necessária a realização de um pouso para abastecimento.

Porém, se o operador realiza voos de longa distância, o LXS mostra-se mais eficiente, como aconteceria em um voo de São Paulo para São Francisco, com apenas um pouso, algo impossível para o 2000S, que precisaria fazer duas escalas. Outro ponto a ser analisado nessa comparação entre as duas novas versões da família 2000 é que muitos passageiros não gostam de ficar mais de sete horas dentro de um avião. Para eles, o 2000S oferece uma condição similar à do LXS.

O Falcon 2000S possui um alcance de 6.200 km a 980 km/h (3.350 nm a Mach .80). Com comprimento de 20,2 m, altura de 7,1 m e envergadura da asa de 21,4 m, o jato consegue hangaragem coberta em qualquer um dos principais aeroportos brasileiros. Com peso máximo de rampa de 18.605 kg (41.000 lb) e máximo de pouso de 17.840 kg (39.300 lb), a aeronave mostra-se versátil, pois a diferença entre o peso máximo de decolagem e o máximo de pouso é de apenas 770 kg (1.700 lb).

O pacote padrão do Falcon 2000S é completo. A aeronave conta com sistema de telefone a bordo, sistema de entretenimento de cabine em HD, tela de 19 polegadas, amplificador de áudio e alto-falantes, dual Blu-ray, inversor com oito tomadas de 115 watts e galley equipada com forno elétrico, micro-ondas e cafeteira Nespresso. O cockpit com EASy II oferece os aviônicos básicos para voo IFR nos padrões de aeronaves com matrícula brasileira.

Os motores são os Pratt & Whitney PW308C, equipados com a nova câmara de combustão Talon II, que possibilita a redução de 20% de Nox e têm uma margem de 40% sobre o regulamentado pela CAEOP/6, com a propulsão de 31,18 kN (7.000 lbf) ao nível do mar.

Conjunto de slats permite ao 2000S decolar de pistas de 1.318 metros

A Dassault foi pioneira no mercado de jatos executivos ao colocar o sistema de comandos de voo fly-by-wire no 7X. Talvez pudesse estender o recurso para demais modelos da marca, como opcional para o próprio 2000S, considerando que a Embraer já utiliza essa tecnologia nos novos Legacy 450 e 500. Outro recurso desejável em uma aeronave tão sofisticada seria um sistema Bus Tie automático, similar ao de algumas aeronaves, como o Cessna Citation X. Após a partida dos dois motores, a Bus Tie se abre automaticamente e, em caso de monomotor, fecha-se também automaticamente.

Cockpit com Easy II, da Honeywell, oferece os aviônicos básicos para voo IFR nos padrões de aeronaves com matrícula brasileira

VISÃO SINTÉTICA

Voaremos o Falcon 2000S demonstrador, matricula N702FJ, saindo de São Paulo para Navegantes, em Santa Catarina, e retornando, com saída marcada para as 07h30 da manhã, a partir de Congonhas.

Chego por volta das 06h45 a fim de fazer um briefing antes da saída com o comandante Dave Belastock. Recebo uma completa explicação sobre o funcionamento do EASy II e suas diferenças em relação ao EASy.

Para quem já opera o EASy e o HUD (Head Up Display), a adaptação para o EASy II é mais simples, uma vez que a simbologia e a sensibilidade do HUD estão embutidas no EASy II com opcional da visão sintética (SVS – Sinthetic Vision System), que recebe informação do EGPWS (Enhanced Ground Proximity Warning System). Esse equipamento proporciona ao piloto mais sensibilidade com variações quase nulas, tornando a pilotagem mais precisa. O piloto tem, ainda, a opção de voar sem a visão sintética, deixando-o similar ao EASy.

Aviônica aprimorada Com o EASy II, da Honeywell, o piloto conta com vários sistemas que o auxiliam na execução de voos mais seguros e confortáveis para os passageiros.

Relacionamos a seguir alguns sistemas disponíveis para o Falcon 2000S:

TEMP COMPESATION: sistema usado na chegada a aeroportos onde a temperatura do ar externo está muito fria, ou seja, em cold situation, como uma operação na Rússia, por exemplo. Esse sistema calcula e compensa automaticamente a altitude

RAAS (Runway Awarreness Adivisore System): fornece informações em áudio, para facilitar a operação no solo, sobre pista, distância cabeceira e assim por diante

ATN (Aeronautical Telecommunications Network): permite que as informações de rota e dos sistemas da aeronave sejam recebidas pelo controle, que pode atuar, por exemplo, se a rota no computador do avião estiver errada ou se constar pouco combustível

SBAS (Satellite-based Augmentation System): é um sistema que apresenta mais precisão e integridade de informações do que o GNSS

FANS (Future Air Navegation System): permite ao piloto se comunicar diretamente com o controle para pedir autorizações, como de tráfego e posição, via datalink

RADAR: continua o mesmo das demais aeronaves da série 2000, com excelente confiabilidade, além de apresentar a opção de LSS (Lightining Sensor System), que detecta as áreas que estão apresentando raios

CPDLC (Controler Pilot Data Link ­Communication): comunicação via datalink com o controle de trafego aéreo. O piloto deve realizar treinamento. A aeronave possui também CPDLC-ATN via VHF e CPDLC-FANS -1A via SATCOM

ADS-B (Automatic dependent surveillance-broadcast): é a capacidade da aeronave em receber e enviar informação de tráfego e meteorologia por GPS e rádio para uma antena no solo e para outra aeronave. Seria um transponder TCAS melhorado sem o uso de radar de solo

ADS-C (Automatic Dependent Survilance-Contract): é o mesmo do ADS-B, porém, não precisa de antena ideal para voos no Atlântico norte e áreas oceânicas

HUD (Head Up Display): visor na altura da cabeça

EVS (Enhanced Vision System): visão via infravermelho.

ADM (Automatic Decent Mode): em caso de uma despressurizarão, a aeronave efetua a descida de emergência automaticamente

SVS (Sinthetic Vision System): visão sintética, que permite ao piloto ter a visão real dos relevos e não apenas o horizonte artificial.

O EASy possui um checklist eletrônico – que, no caso de um problema em voo, disponibiliza para o piloto automaticamente as informações necessárias para solução da pane, ou seja, o tripulante não precisa procurar no manual ou checklist convencional a resposta para o problema.

Porém, em caso de perda da unidade modular de aviônicos MAU 1A, o piloto fica sem o checklist eletrônico, o que não acontece com o EASy II. O novo Epic da Honeywell disponibiliza para o piloto dois checklists eletrônicos, um que recebe informações do MAU 1A e outro do MAU 2A, evitando com essa redundância uma possível perda do recurso.

Na tela do MDU, o piloto é capaz de verificar o range que a visão sintética está fornecendo no PDU. Com a visão sintética, mesmo dentro de nuvens, em uma aproximação final, é possível enxergar no PDU tanto a pista quanto as center lines e a numeração – desde que a pista esteja na base de dados do EGPWS.

O novo EVS está disponível com o sistema em três posições, High, Low e Off, diferente do modelo anterior, que conta apenas com as opções On e Off. O 2000S é capaz de operar dentro das novas normas RNP4 no Atlântico Norte, voando de Londres para Nova York, por exemplo.

CHUVA LEVE

Saímos com abastecimento de 3.450 kg (7.600 lb), suficiente para chegar a Navegantes, alternando Florianópolis e, se necessário, retornar a São Paulo, sem precisar de escala. Estamos com peso de 14.155 kg (34.180 lb) e temos V1 de 101, Vr de 109 e V2 de 113.

Recebemos autorização para táxi e posterior decolagem da pista 17 direita. O novo Falcon 2000S possui uma novidade importante para o caso de operação monomotor na decolagem. O avião pode voar com empuxo máximo por 10 minutos, e não apenas por 5 minutos, como acontecia no modelo anterior.

Iniciamos a corrida da decolagem. A aceleração é muito rápida e logo já estamos voando, subindo para 1.830 m (6.000 pés), que é a nossa restrição. Temos razão de subida de 1.220 m (4.000 pés) por minuto.

A 6.000 pés estamos voando por instrumento, porém, com a visão sintética, consigo visualizar pelo PDU a represa de Guarapiranga e todo o relevo abaixo. Recebemos liberação para subir a 3.660 m (12.000 pés). Prosseguimos o voo com a aeronave estável. Somos liberados a subir ao nível de cruzeiro e, ao atingi-lo, começo a executar curvas e manobras. Com slats e flaps estendidos, reduzo a potência dos motores, mas, antes de atingir a condição de estol, a aeronave retrai os slats internos automaticamente para permitir o fluxo de ar nos ailerons e devolver ao piloto o controle dos comandos.

O Falcon 2000S não possui proteções como o stick shake ou o stick push, o que permite que, durante um estol, o piloto sinta apenas um buffet. Voamos em cruzeiro, com a velocidade 980 km/h (Mach .80) no nível 8.535 m (28.000 pés). Seria possível chegar a 18.890 m (39.000 pés) e acelerar para 1.050 km/h (Mach .86), que é o limite da aeronave. O voo é rápido e logo estamos no ponto ideal de descida.

O  Falcon 2000S não possui proteções como o stick shake ou o stick push, o que permite que, durante um estol, o piloto sinta apenas um buffet

O sistema de pressurização se mantém estável conforme descemos, não sentimos as diferenças de altitude. Somos autorizados a descer para 1.525 m (5.000 pés) direto à posição NAZA para a final do procedimento RNAV da pista 25 em Navegantes, que apresenta chuva leve e oferece teto de 300 m (1.000 pés). E é neste contexto, durante a aproximação, que as informações fornecidas pela aeronave se revelam úteis. A sensação é a de que estamos em um pouso visual, e não instrumento. Para a minha surpresa, quando verifico nossa Vref de pouso, vejo no painel 200 km/h (109 nós), e a aeronave se mantém segura e firme para o pouso. Após o toque, quase não há necessidade de aplicar freios e reverso, pois o jato desacelera gradativamente. Além disso, dispomos do sistema RAAS, que é um aviso em áudio de remanescente de pista. Trata-se de um avião amigável e dócil.

RETORNO COMO PASSAGEIRO

As opções de configuração com poltronas traseiras possuem uma mesa móvel, que pode ser utilizada para reuniões e refeições

Na volta de Navegantes para São Paulo, faço questão de viajar na cabine para experimentar a sensação do passageiro, algo raro para um piloto. Quando a porta se fecha e há a partida nos motores, percebo na cabine um nível de ruído bastante baixo. A aeronave inicia o táxi e os pilotos preparam a decolagem. No momento da corrida, sinto a potência dos 31,18 kN (7.000 lbf) de cada motor. É como se estivesse “grudando no assento”. A aeronave decola com poucos metros de pista e continua com a aceleração. Volto à minha postura de passageiro e relaxo. Noto na poltrona os comandos elétricos e observo as cortinas, que também possuem opção de serem comandadas eletricamente.

Um dos recursos que me chama atenção é o airshow em 3D, com visão sintética, que proporciona ao passageiro a sensação de estar sentado no cockpit. Com ele, você tem lá atrás a “mesma” visão do piloto na frente, além de receber informações turísticas de algumas cidades que estão sendo sobrevoadas.

Esse novo sistema de airshow é bem mais completo e interessante do que o utilizado nas versões anteriores. Está disponível para esse modelo, como item opcional, TV por assinatura a bordo, que permite aos passageiros assistirem aos mesmos canais que eles têm em casa, em tempo real.

No nosso voo, está disponível, somente acima de 930 m (10.000 pés), um sistema de internet wireless. Faço um teste no meu tablet. A conexão é rápida e de boa qualidade. O controle máster de temperatura e entretenimento da cabine encontra-se na galley e em uma das poltronas a escolha do operador. Ele é totalmente digital e conta com sistema touch screen, oferecendo a opção de passar esse controle para seu iPad. A Dassault oferece, também, como item standard, uma linha com dois telefones, sendo que um fica no cockpit e outro na cabine de passageiros.

As opções de configuração com poltronas traseiras possuem uma mesa móvel, que pode ser utilizada para reuniões e refeições. Ela também se transforma em uma cama de casal depois de ser baixada e integrada às quatro poltronas traseiras e mais um top opcional.

O voo é tranquilo, sem turbulência. Durante a aproximação final para pouso, sinto que as mudanças de potência realizadas pelo autothrottle são suaves, o que traz mais conforto e segurança ao passageiro.

Para quem procura um super midsize com custo operacional baixo e que consiga operar na maior parte das pistas no Brasil, além de cumprir voos internacionais, o Falcon 2000S mostra-se um forte concorrente, sobretudo por sua versatilidade. Todas as unidades do Falcon 2000S que serão fabricadas até o final de 2014 já estão vendidas. Hoje o prazo de entrega, após assinatura do contrato, é de aproximadamente 18 meses. O primeiro brasileiro a operar o 2000S irá recebê-lo no ano que vem.

* Publicado originalmente na AERO Magazine 233 · Outubro/2013

Falcon 2000S

Fabricante: Dassault Aviation
Preço: US$ 25.000.000,00
Ocupantes: 2 pilotos +10 passageiros

Dimensões
Envergadura: 21,4 m
Comprimento: 20,2 m
Altura: 7,1 m
Área da asa: 49,0 m2

Pesos
Máximo de decolagem: 18.598 kg
Máximo de pouso: 17.827 kg
Carga útil máxima: 2.245 kg

Desempenho
Distância de decolagem (1): 1.318 m
Distância de pouso (2): 705 m
Velocidade de pouso de referência (3): 198 km/h (107 kias)
Alcance (4): 6.205 km
Altitude operacional máxima:  14.325 m
Velocidade operacional máxima (Vmo): 685/649 km/h (370/350 kias)
Mach operacional máximo (Mmo): Mach 0.862 / 0.85

Motorização
Quantidade: 2 motores Pratt & Whitney Canada PW308C versão aprimorada
Máximo empuxo: 22,24 kN / 7.000 lbf (nível do mar, ISA)
  1. Peso máximo de decolagem, nível do mar, condições padrão
  2. FAR 91, peso típico de pouso
  3. Vref, peso típico de pouso
  4. Mach 0.80, seis passageiros, dois tripulantes, reservas N

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