Potência de sobra, uma cabine confortável e boa relação custo-benefício mostram que o clássico Turbo Commander 690 segue em ótima forma
Por Hernani Dippólito Publicado em 20/12/2023, às 13h14
A história da aviação é formada por clássicos, aeronaves cujos projetos, de tão bem-sucedidos, deram origem a uma família de derivados ou mesmo outros modelos. O bimotor Aero Commander certamente é um desses clássicos, podendo ser considerado também um pioneiro da aviação executiva.
E não faltam predicados para apresentar as qualidades da linha de bimotores conhecidos popularmente por Aero Commander. Para começar, basta dizer que o Shrike Commander foi o único bimotor a pistão homologado pela FAA a transportar o presidente dos Estados Unidos.
Outro exemplo característico é uma foto famosa, fácil de ser encontrada nas secretarias de aeroclubes, de um Aero Commander 500 decolando sem o cubo da hélice do lado esquerdo — e sem suas respectivas país — para provar sua capacidade de decolar e voar monomotor.
A empresa Aero Engineering Co. foi fundada em 1944 para a construção do Aero Commander. O projeto original era de um bimotor, com propulsores de 260 hp de potência cada, denominado L-3805, com capacidade para 6 a 7 ocupantes. Ele voou pela primeira vez em 1948. Esta aeronave foi a base para o primeiro modelo de produção, o Aero Commander 520. Sua produção teve início em 1951 e terminou em 1954, quando uma série de modificações deu origem a inúmeras variáveis dos modelos a pistão.
Em 1960 a empresa passou a chamar-se Aero Commander Division, parte integrante da Rockwell-Standard. O voo do primeiro Turbo Commander ocorreu em 1964, equipado com uma turbina Garrett de 605 shp. Em 1967, a tradicional fabricante North American fundiu-se à Rockwell Commander, formando a conhecida North American Rockwell. Esta nova empresa prosseguiu com o desenvolvimento dos modelos turboélices e a série 500 do avião passou a se chamar Shrike Commander. O Shrike foi produzido até 1980, o mesmo ano em que a empresa sofreu sua derradeira modificação.
A Rockwell vendeu a divisão do Commander para a Gulfstream. A nova fábrica adotou outro nome para os modelos turboélices, que passaram a ser chamados de Jetprop Commander, um claro desenvolvimento do Turbo Commander 690, o modelo aqui ensaiado pela AERO. Ao todo foram construídos 1.121 Turbo Commander, incluindo 138 da série 680: 72 Commander 681; 541 Commander 690; 136 Jetprop 840; 42 Jetprop 900; 84 Jetprop 980; 107 Jetprop 1000; e 01 Commander 1200. Sua produção terminou em 1985.
São 05h00 quando encontro-me com o fotógrafo Ricardo Beccari no aeroporto de Jundiaí (SP). No pátio do hangar me deparo com o PT-LDA. O pátio está escuro, mas há uma fonte externa de energia conectada ao avião, e as luzes de navegação do Delta Alfa estão acionadas.
Observo pela porta da cabine que o painel está “aceso”. Confesso que aquela cena pareceu-me uma imagem de filme e apesar da pouca luz percebo que o avião está impecavelmente limpo.
O comandante Paulo Henrique de Araújo voa o LDA há nove anos e não há pessoa melhor para demonstrar a máquina. Ele me explica que o avião é utilizado para o uso particular do proprietário Álvaro Sobral, um apaixonado por Turbo Commander, que acredita na aviação não apenas como um meio de transporte, mas como um estilo de vida. Eles já́ voaram com este Commander até Oshkosh, para o Caribe e outros destinos nos Estados Unidos.
Em seguida sou apresentado ao comandante Fábio Vieira, que será́ o piloto do avião paquera, um maravilhoso Saratoga II HP de prefixo PT-WDT. Juntos começamos um briefing do voo que estamos prestes a realizar e sobre a operação do Turbo Commander.
Todos a postos e, às 05h35, despertamos a Garrett de 717,5 shp. É a primeira vez que vou operar esse tipo de turbina, portanto o Paulo realiza a partida dos motores e vou apenas monitorando. A turbina é autossuficiente. Durante a partida, basta acionar um único switch para a posição GND — Start Run, após ligar a bateria, efetuar o devido check-list, e monitorar a temperatura. Não é necessário abrir combustível, acionar a ignição, ou qualquer outro comando. O ciclo leva aproximadamente 40 segundos. Após a partida o starter fica disponível como gerador.
Um detalhe muito importante é verificar se a “hélice está na trava”. Esta é uma posição em que a hélice fica na posição chamada Start Lock é fundamental para a partida ocorrer dentro dos limites de temperatura. Não é permitido dar partida com a hélice embandeirada.
O sistema elétrico do Commander é muito prático e funcional. Um fato interessante é que os starters suportam correntes de até 48 volts. Com temperaturas acima de 32oC, o sistema disponibiliza as duas baterias de 24 volts cada, para a partida das turbinas.
Iniciamos o táxi para a cabeceira 18 e ainda está escuro no aeroporto de Jundiaí. Talvez a manobra mais particular do Turbo Commander seja o taxiamento. Há um sistema de steering na roda do nariz, atuado hidraulicamente por meio de uma leve pressão nos freios para o lado desejado da curva. Os freios são extremamente ativos, por isso demoro a me ajustar à sensibilidade do comando.
No ponto de espera, sigo as instruções do comandante Paulo para o Before Take-Off Check-list. Um dos itens checados é o NTS (Negative Torque System), um sistema de extrema importância para a decolagem e para o voo. Um sensor atua hidraulicamente a válvula de embandeiramento da hélice ao perceber uma considerável queda de torque no motor. Portanto, se durante a decolagem um dos motores parar por algum motivo, o NTS leva o passo da hélice para a posição de menor arrasto. Isso dá maior tempo para o piloto preocupar-se única e exclusivamente com a pilotagem, e tem até 40 segundos antes de embandeirar a hélice por meio da manete.
Vamos decolar com 1.500 libras de combustível e três pessoas a bordo. O comandante Paulo me explica que ao todo são 20 tanques de borracha interligados, nas asas, para o querosene. Todos eles abastecem mais dois tanques localizados na nacele central que, depois, alimentam os motores. Por se tratar de uma aeronave de asa alta, caso haja uma perda no sistema das Boost Pumps, o consumo e a autonomia não são afetados. Além disso, a turbina Garrett pode operar com gasolina de aviação se necessário.
Na primeira decolagem peço para que o Paulo assuma o comando, pois ainda não estou confortável com o uso dos pedais. Ele me instrui a seguir o limite de temperatura como parâmetro, até me familiarizar com a operação. Assim, ele leva a potência do Delta Alfa até a temperatura de 850oC. O limite de temperatura da turbina para decolagem é 923oC e, durante a partida, 1.149oC.
As rotações por minuto da hélice são constantes durante todo o voo, na faixa de 1.590 rpm. O governador trabalha junto com o FCU, portanto, faz-se apenas ajuste de potência quando há mudança no ângulo das pás, a fim de manter o mesmo número de rotações.
O Saratoga já́ decolou e começo a pilotar o Turbo Commander 690. Em instantes já́ estamos voando na ala do PT-WDT. A sobra de potência e a agilidade dos comandos do bimotor facilitam o voo junto ao Saratoga.
Durante toda a sessão de fotos, mantenho a potência entre 150 e 200 shp, com velocidade média de 120 nós, e o Commander nem se- quer “reclama” da baixa velocidade.
Realizamos o voo entre as cidades de Atibaia e Bragança Paulista, no interior de São Paulo. A manhã está bonita e acompanhamos o nascer do sol logo acima de uma fina camada de estratos.
Às 06h50, após completar 01h10min de voo, finalizamos o ensaio fotográfico. Agora vamos conhecer melhor o desempenho da máquina. Aplico a potência a 650 shp e a velocidade indicada do Turbo Commander simplesmente dispara para 240 nós.
Demoro a me acostumar com a velocidade após ter voado mais de uma hora com potência reduzida. Na gíria aeronáutica, posso dizer que o Delta Alfa parece estar “ensaboado”!
A pressurização é automática. Antes da decolagem é preciso ajustar o nível de voo desejado, a razão de subida da “cabine”, e então é só monitorar o sistema. No nível normalmente utilizado para os voos de cruzeiro, nos FL 230/240, o diferencial de pressão entre a cabine e o ar externo fica na casa dos 4.0 PSI. No Turbo Commander 690 este diferencial pode ser considerado um valor relativamente baixo, pois mantém a cabine pressurizada a aproximadamente 10.000 pés de altitude (3.048 metros).
A performance também é fantástica. Segundo o comandante Paulo Henrique, o 690 nivelado a 23.000 pés (com a hélice ajustada para 97% e potência na referência de 850oC) desenvolve uma VA de 270 nós com um consumo de 230 libras/hora de combustível por motor.
Um excelente custo-benefício para uma aeronave desta categoria. Na volta a Jundiaí aproveito para executar curvas de grande inclinação e algumas pernas de oito preguiçoso. Passo a entender a lógica das manobras realizadas por Bob Hoover, pois sobra energia no avião. Os comandos são extremamente ativos em todo o range de velocidade operacional.
Agora o foco da operação volta-se para os pousos e decolagens. Ingresso na perna do vento reduzindo para 140 nós. Seleciono flap na posição Approach e continuo com a redução; o trem de pouso está baixado e travado — o sistema tem garrafas de nitrogênio individuais para operação em emergência.
Na perna base da pista 18, flap na posição 1/2 (20 graus) e, na final, full flap (40 graus). Mantenho 100 nós em toda a aproximação final seguindo as instruções do Paulo. Utilizo o compensador de profundor e mantenho potência de 100 shp nas turbinas.
Fico atento, pois percebo que a menor assimetria entre as manetes de potência causa imediata tendência à guinada. O avião é muito estável e, durante o arredondamento, reduzo toda a manete. É impressionante, pois o LDA desacelera rapidamente ainda em voo. O resultado é um pouso não muito macio. O comandante Paulo recolhe o flap e iniciamos a arremetida ainda com o trem de nariz no ar. Com 100 nós o Turbo já está voando novamente.
O Paulo me aconselha então a fazer a aproximação de forma idêntica à anterior, mas durante o arredondamento não reduzir mais do que 50 shp. Desta vez o pouso sai bem melhor.
Na realização dos “turnos de pista”, após as decolagens, ao passar por 500 pés de altura tenho que reduzir drasticamente a potência, às vezes até 150 shp — para não ultrapassar os 160 nós — e para reduzir a razão de subida que chega a 3.500 pés por minuto. No quinto pouso, agora sem arremetida, utilizo o reverso e a taxa de desaceleração é brutal, em conjunto com o freio.
O Paulo diz que é possível operar com tranquilidade pousos e decolagens em pistas de 600 metros de comprimento, por exemplo, e que na operação monomotor o Commander 690 mantém uma razão de subida de 500 pés por minuto, mesmo no peso máximo de decolagem.
Taxiamos de volta para o hangar e já me sinto mais familiarizando com os comandos do pedal. O ar-condicionado principal funciona por meio de sangria de ar dos motores, mas durante as operações a baixas altitudes e durante o taxiamento, há um opcional de gás freon, que ajuda nos dias quentes.
O corte das turbinas é no mesmo switch da partida. Após o corte, ajusto a manete de potência para a posição Reverse Thrust, a fim de levar a hélice para a “trava”, deixando tudo pronto para o próximo voo. A turbina Garrett me surpreende pela sua simplicidade e funcionalidade, como o fato de ter um instrumento indicador de shp (potência direta no eixo da turbina).
Ao final do ensaio foram gastos 1.000 libras de combustível em quase 02h20min de voo. O Turbo Commander é um avião extraordinário. Não dá vontade de parar de voar. Ainda não são nem oito horas da manhã e o trabalho já está cumprido. Mas valeu a pena madrugar.
* Publicado originalmente na AERO Magazine 155 · Março/2007