Um raio-x surpreendente sobre o Airbus A380

Considerado o maior avião de passageiros do mundo, o A380 teve uma produção limitada, mas segue surpreendente ainda hoje

Por Luiz Pradines de Menezes Junior* Publicado em 23/08/2024, às 15h05

O A380 é uma aeronave enorme e pesada, com um peso máximo estrutural de decolagem (MTOW) de 575 toneladas - Airbus

Projetado na década de 1990, o Airbus A380 é o maior e mais pesado avião de passageiros atualmente em operação. Seu primeiro voo ocorreu em 27 de abril de 2005, em Toulouse, na França. Certificado em 12 de dezembro de 2006, programa teve a primeira aeronave entregue à Singapore Airlines, em 15 de outubro de 2007.

O A380 foi projetado para um modelo de mercado baseado no conceito “hub and spoke”, em que os aeroportos hub no futuro teriam capacidade limitada devido ao esperado aumento do tráfego aéreo. Uma aeronave ultragrande como o A380 permitiria ao seu operador transportar um maior número de passageiros com o mesmo número de slots disponíveis. Esse recurso tornou o A380 ideal para o modelo de negócios empregado pela Emirates Airline, com sede em Dubai, que adquiriu um total de 123 aeronaves.

No total, quinze empresas adquiriram um total de 251 aeronaves, com a companhia aérea portuguesa Hi Fly operando brevemente uma aeronave ex-Singapure Airlines em voos charter.

Em fevereiro de 2019, a Airbus anunciou que a produção do A380 terminaria em 2021. A última aeronave produzida, MSN 272, saiu de Toulouse, na França, em março de 2021. Foi entregue à Emirates Airline em Hamburgo, na Alemanha, no dia 16 de dezembro do mesmo ano. O A380 MSN 266, terceiro da ANA (All Nippon Airways), permaneceu na França devido às dificuldades sofridas pela indústria do transporte aéreo causadas pela epidemia de covid-19. Esta aeronave foi a última aeronave de produção a partir de Toulouse, em 15 de outubro de 2021.

Visão geral

Com asas projetadas visando possíveis versões alongadas, a área total é de quase 850 metros quadrados e conta com razão de aspecto (razão entre a envergadura e a corda média aerodinâmica) de 7,5

De fato, o A380 é uma aeronave enorme. Os primeiros foram certificados com peso máximo estrutural de decolagem (MTOW, ou Maximum Take Off Weight) de 569 toneladas (versão denominada ULR, ou Ultra Long Range).

Devido às restrições impostas pelos aeroportos, a sua envergadura (distância entre as pontas das asas) foi limitada a 79,8 metros. As asas do A380 foram projetadas para possíveis versões alongadas e para uma versão cargueira, exigindo uma área total de quase 850 metros quadrados. Assim, o A380 tem asas com razão de aspecto (razão entre a envergadura e a corda média aerodinâmica) de apenas 7,5.

As asas do A380 apresentam dispositivos aerodinâmicos como os empregados pelo A300-600R e pelos primeiros A320, os chamados “Wing Tip Fences”.

Como parte das melhorias promovidas após a entrada em serviço da aeronave, a Airbus certificou o aumento do MTOW para 575 toneladas e três toneladas adicionais no Peso Máximo Zero Combustível (MZFW), elevando-o para 369 toneladas.Isso permitiu melhorar a carga útil em rotas operadas com limitações sazonais, como aquelas que conectam Dubai à costa oeste dos Estados Unidos.

Para otimizar as operações em distâncias mais curtas, a Airbus também certificou uma variante chamada Medium Range (MR). Esta variante tem peso máximo estrutural de decolagem certificado reduzido para 510 toneladas e um aumento adicional no MZFW para 373 toneladas. Com este MTOW mais baixo, os operadores podem economizar em taxas calculadas de acordo com este parâmetro, como as aeroportuárias.

A variante MR também se diferencia da ULR pela ausência do compartimento de descanso da tripulação, desnecessário para voos mais curtos. Esse compartimento, nos primeiros A380, estava localizado na parte traseira da classe econômica, mas foi realocado para o compartimento de carga dianteiro. Isso permitiu um aumento de quase 30 lugares na classe econômica.

A escada principal é um dos grandes destaques do projeto do A380, sendo considerada por muitos operadores parte do marketing para agradar os passageiros

 

A disposição interior varia muito, mas os A380 têm uma configuração típica de 525 assentos. O “deck” inferior é ocupado pela classe econômica. O andar superior costuma ser ocupado por assentos premium. Na configuração escolhida pela Emirates, a dianteira é a primeira classe (14 assentos), enquanto a classe executiva fica na traseira (76 assentos).

A Emirates Airline se tornou o maior operador global do A380 e optou por configurações internas bastante confortáveis, com destaque para a primeira classe

A primeira classe das aeronaves operadas pela Emirates conta com chuveiro, único com esse recurso em aeronaves comerciais do mundo. A classe executiva possui bar na parte traseira da aeronave e ainda conta com sofás.

Algumas aeronaves MR da Emirates têm configuração de duas classes. O espaço anteriormente ocupado pela primeira classe é alocado para assentos adicionais na classe econômica, elevando o total na classe econômica para 557. Essa aeronave tem capacidade máxima de passageiros de 615 assentos.

As enormes dimensões e peso do A380 se refletem na sua imensa capacidade de combustível. Projetados para voos com alcance superior a 7.000 milhas náuticas (12.900 km), os tanques de combustível acomodam um volume total de 324.339 litros (259.471 quilos, assumindo uma densidade de combustível de 0,8 quilo por litro).

O A380 é uma das poucas aeronaves comerciais do mundo equipada com tanques de combustível no estabilizador horizontal. Esse tanque tem capacidade de combustível de 23.698 litros (18.958 quilos), superior ao total transportado por alguns jatos regionais, e é fundamental para o sistema que controla ativamente o Centro de Gravidade (CG) da aeronave.

Esse sistema visa manter o CG de decolagem em 39,5% da corda média aerodinâmica (MAC, ou Mean Aerodynamic Chord, que é a corda que representa a média das cordas de uma asa), otimizando a eficiência aerodinâmica em cruzeiro.

O tanque de combustível no estabilizador horizontal do A380 acomoda até 18.958 quilos de combustível, sendo usado em voo também para ajustar o centro de gravidade do avião

 

Ao final da subida, o sistema transfere combustível para levar o CG a 41%, com o objetivo de reduzir o consumo de combustível (um CG traseiro reduz a necessidade de o estabilizador gerar sustentação negativa, o que diminui o arrasto induzido). Por essa razão, esse tanque no estabilizador horizontal também é chamado de “trim tank”. 

O A380 foi inicialmente oferecido com duas opções de motores: Rolls-Royce Trent 970 (A380-841) e Engine Alliance GP7270 (A380-861). O motor Rolls-Royce gera aproximadamente 75.152 libras de empuxo na decolagem, enquanto o motor Engine Alliance (um consórcio entre General Electric e Pratt & Whitney) desenvolve um pouco menos, cerca de 74.735 libras.

A Rolls-Royce é o principal fornecedor do motor do A380, com a série Trent 970; enquanto a Engine Alliance GP7270 venceu o contrato para a maior parte da frota da Emirates Airline

 

A maioria dos operadores dos A380 optou pelo motor britânico, enquanto o motor do consórcio norte-americano foi instalado em aeronaves da Air France, Etihad, Korean Air, Qatar Airways e 90 das operadas pela Emirates Airline, que teve um total de 130 aeronaves.

Em um contrato assinado em 2013, a Emirates optou por adquirir cinquenta dos chamados A380-842, equipados com uma versão atualizada do motor da Rolls-Royce, o Trent 972. A encomenda foi posteriormente reduzida para 33 aeronaves.

Decolagem

Os quatro motores do A380, somados à enorme área da asa, conferem-lhe um desempenho de decolagem muito bom. Um peso de decolagem igual às 575 toneladas estruturais pode ser mantido até uma temperatura de 42°C na pista mais longa de Dubai (aeronaves equipadas com motores GP7270).

Se o desempenho de decolagem for limitado, porém, a tripulação sempre tem a possibilidade de utilizar o ar sangrado da APU (Auxiliary Power Unit) para alimentar o ar-condicionado da aeronave, evitando que o ar seja desviado dos motores e melhorando o desempenho. Isso acrescenta cerca de 14 toneladas ao peso de decolagem da aeronave.  

O desempenho em altas temperaturas da versão ULR com motores GP7270 também é garantido por uma versão especial desses motores, indicada pela designação GP7270E. Enquanto as aeronaves da versão MR mantêm o empuxo nominal de decolagem até uma temperatura de 30°C ao nível do mar (ISA+15°C, ISA significa International Standard Atmosphere), os motores da versão ULR podem manter o empuxo constante até 36 °C. Diz-se, então, que esses motores são “flat-rated" até ISA+21°C. Os motores RR 972E, por outro lado, são “flat-rated” até ISA+15°C. 

Os aeroportos homologados para a operação de aeronaves classificadas pela Organização de Aviação Civil Internacional (ICAO, na sigla em inglês) como Código F (envergadura superior a 65 metros e inferior a 80 metros), como o A380, possuem pistas com largura de 60 metros. No caso de pistas com 45 metros de largura, os requisitos autorizam que uma superfície estabilizada e firme além dos limites da pista (denominada runway shoulder) seja considerada para fins de compatibilidade com aeronaves do Código F. 

O A380 pode operar em pistas onde a largura da pista mais os “shoulders” seja inferior a 60 metros, mas isso requer um procedimento especial de aplicação de empuxo nos motores. Nessas pistas mais estreitas, os motores exteriores ficam fora da superfície pavimentada, e existe a possibilidade de eles ingerirem detritos do solo e serem danificados (os chamados FOD, ou Foreign Object Damage), ou mesmo que os gases de escape espalhem esses detritos sobre a própria pista.

Para mitigar esses riscos, foi criado um procedimento especial para aplicação de impulso. Inicialmente, todos os motores têm o empuxo ajustado em 25%. Então, apenas os motores internos são levados ao impulso de decolagem. Quando a aeronave atinge 40 nós da velocidade indicada, os motores externos também são levados ao regime de decolagem. 

As enormes asas do A380 conferem à aeronave uma velocidade de rotação (VR, ou Rotation Speed) relativamente baixa, em torno de 168 nós, mesmo com peso estrutural máximo de decolagem e a habitual configuração ideal CONF 1+F.  

A redução do empuxo na decolagem é realizada usando o conceito de temperatura assumida, uma técnica que a Airbus chama de "Flex". Não há “takeoff derate”. A temperatura "Flex" é calculada por meio de um software chamado LPC-NG (Less Paper Cockpit - New Generation), que roda em um EFB (Electronic Flight Bag), e é inserida pelos pilotos no sistema de gerenciamento de voo (FMS, ou Flight Management System).

A Airbus introduziu um sistema que permite verificar inconsistências nos parâmetros usados ​​pelos pilotos para calcular o desempenho de decolagem. Por exemplo, o sistema compara o peso de decolagem, calculado pelo LPC-NG, com a soma do Peso Zero Combustível e do Combustível a Bordo. Se houver uma discrepância significativa entre esses pesos, o sistema indica que existe um erro. O sistema também é capaz de detectar uma possível diferença entre a configuração ideal de flaps/slats de decolagem calculada pelo LPC-NG e aquela selecionada pelos pilotos. Isso reduz drasticamente a possibilidade de erros no cálculo do desempenho de decolagem. 

O A380 foi certificado com uma redução máxima de empuxo de decolagem de 40% em relação ao nível de empuxo nominal. Isso se traduz em altos valores de temperatura “Flex” quando a aeronave opera com pesos de decolagem baixos. As temperaturas “Flex” são limitadas pelo valor correspondente à temperatura na atmosfera padrão mais 60°C (ISA+ 60°C, ou seja, 75°C ao nível do mar). Praticamente não há limitação de desempenho pela velocidade mínima de controle no solo.

Subida

A retração dos flaps, na configuração CONF 1+F, ocorre automaticamente para a configuração CONF 1 (somente slats e “droop flaps” nos bordos de ataque da asa estendidos) quando a aeronave atinge 212 KIAS. A subida para 10 mil pés é limitada pelo FMS a 250 KIAS, e essa velocidade pode ser mantida mesmo em configuração limpa com pesos de decolagem próximos ao MTOW.

Ao acelerar para a velocidade de subida econômica nesta altitude, o FMS utiliza o método denominado “energy sharing”, em que 70% da energia disponível é utilizada para aceleração e a energia restante é utilizada para ganho de altitude. Operando no Peso Estrutural Máximo de Decolagem, o A380 requer quase 200 milhas náuticas (360 quilômetros) para atingir uma altitude de voo de 33.000 pés a ISA+10°C, levando aproximadamente 30 minutos. 

A redução do empuxo é mantida até uma altitude chamada “Washout Altitude”. A partir daí, o empuxo se recupera gradualmente, até que o empuxo máximo de subida seja alcançado. Isso foi projetado de forma a preservar uma razão de subida razoável próxima à altitude inicial de cruzeiro.

Ao contrário do regime de decolagem, que não possui “derates”, existem três “derates” para o regime de subida. Essas “derates” são reduções percentuais fixas de empuxo, aplicadas sobre o empuxo máximo de subida, visando à redução da temperatura dos gases de escape (EGT) para prolongar a vida útil do motor.

O A380-842 tem uma opção de “derate” diferente. A redução não é mais fixa, mas, sim, o resultado de uma combinação de peso de decolagem, altitude e temperatura desejada no nível de cruzeiro. Uma vez inseridos esses parâmetros no FMS, o computador determina qual nível de redução de empuxo é ideal para manter uma taxa de subida equivalente àquela que seria obtida em uma decolagem com MTOW.

Assim, da mesma forma que o “Flex” na decolagem, o FMS envia à central de controle digital do motor (FADEC, ou Full Authority Digital Engine Control) um valor de temperatura superior à temperatura ambiente, fazendo com que o empuxo de subida seja diminuído. Esse modo é denominado “autoderate” e também está presente no FMS da família A350. 

O empuxo gerado pelos motores pode ser facilmente monitorado pelos pilotos por meio de um sistema denominado ACUTE (Airbus Cockpit Universal Thrust Emulator). Neste sistema, o empuxo é indicado no ECAM (Electronic Centralized Aircraft Monitoring) SD (System Display) como uma porcentagem da diferença entre o empuxo máximo no regime do motor selecionado e o empuxo líquido com o motor desligado, com o fan girando com a ação do vento relativo (windmilling).

Assim, o empuxo de subida seria indicado no ECAM como 100% somente se fosse feito com o ar-condicionado e o sistema antigelo desligados. Numa subida normal, com ar-condicionado em modo NORM (Normal), o empuxo normalmente varia entre 97% e 99% do valor máximo disponível. 

Curiosamente, o FMS do A380 limita a velocidade de subida a Mach 0,84, para melhorar a taxa de subida da aeronave ao operar em valores mais elevados de CI (Cost Index). Portanto, se a velocidade de cruzeiro estiver acima de Mach 0,84, o A380 sobe nessa velocidade e acelera para Mach de cruzeiro ao atingir a altitude inicial de cruzeiro (TOC, ou Top of Climb).

Em baixas altitudes, o FMS mantém uma margem mínima de 10 nós entre a velocidade indicada e a VMO (Velocidade Aérea Máxima Operacional) de 340 KIAS. Portanto, a velocidade máxima indicada durante a subida gerenciada pelo FMS é de 330 KIAS. 
Cruzeiro, descida e “driftdown”.

As asas do A380 utilizam os dispositivos aerodinâmicos designado como Wing Tip Fences, similares aos empregados pelo A300-600R e pelos primeiros A320, os chamados. A Airbus chegou ofercer uma variante com parecida com o sharklet, dos A320neo [abaixo], mas o mercado não demonstrou interesse

Durante o cruzeiro, as velocidades operacionais típicas do A380 ficam em torno de Mach 0,84. Nessa velocidade, há sempre uma margem de mais de 2.000 pés entre a altitude máxima (limitada por uma taxa de subida mínima de 300 pés por minuto) e a altitude ideal para maximizar o alcance. Isso significa que o A380 praticamente não tem limitação de subida durante “step climbs” em cruzeiro.

Há também uma margem de mais de 2.000 pés entre a altitude máxima limitada pelo “buffet” (início do estol) e a altitude máxima limitada pela capacidade de subida. Ou seja, o A380 possui excelente manobrabilidade, mesmo operando no limite da capacidade de subida para um determinado peso. 

A altitude operacional máxima certificada é de 43.100 pés. A operação nesta altitude é rara, pois o peso ideal da aeronave em Mach 0,84 é de apenas 330.000 quilos, o que ocorre apenas com cargas úteis muito baixas. Além disso, o voo na altitude máxima certificada com uma velocidade de Mach 0,84 está limitado a pesos inferiores a 370.000 quilos.

Os níveis de voo mais comuns no início da descida são FL390 e FL400. O FMS informa a altitude máxima de operação recomendada (REC MAX ALT), que é pré-calculada com base em condições conservadoras para preservar a segurança de voo. 

O MMO (Maximum Operating Mach) certificado é Mach 0,89. O FMS da aeronave limita a velocidade máxima de operação com altos valores de cost index em Mach 0,86, e a velocidade máxima também pode ser limitada para que o empuxo do motor não exceda uma porcentagem máxima do empuxo de subida.

Cockpit do A380 segue o mesmo padrão dos demais membros da família Airbus, permitindo uma fácil migração entre pilotos

O FMS também permite que a tripulação selecione a velocidade de Cruzeiro de Longo Alcance (LRC, ou Long Range Cruise), um regime de voo em que 99% do alcance específico máximo (MSR, ou Maximum Specific Range) é alcançado. 

O ponto de descida ideal é indicado no FMS. Para descer de 40.000 pés para 1.500 pés com peso inicial de 395.000 quilos, o A380 percorre 160 milhas náuticas (cerca de 300 quilômetros) em 27 minutos de voo. A velocidade mínima de descida, comandada pelo FMS, é de 270 KIAS, e a máxima é de 325 KIAS (margem de 15 KIAS sobre o VMO). 

Se ocorrer uma falha de motor em cruzeiro, a tripulação ajusta os motores restantes para o empuxo máximo contínuo (Maximum Continuous Thrust) e inicia a descida, manobra denominada “driftdown”. Se a estratégia de descida for aquela que permita livrar obstáculos com a maior separação vertical possível, então a aeronave é comandada a desacelerar até a chamada velocidade “Green Dot”, efetuando a descida com essa velocidade.

A “Green Dot” é indicada no PFD (Primary Flight Display) e corresponde aproximadamente àquela velocidade que maximiza a razão entre a sustentação e o arrasto da aeronave. Desta forma, o gradiente de descida é minimizado.

O A380, em qualquer caso, tem um desempenho excepcionalmente bom com um motor inoperante em qualquer regime de velocidade. Por exemplo, é possível manter o voo a 30.000 pés com peso de 500.000 quilos a Mach 0,81, isentando a aeronave de qualquer limitação operacional, mesmo nas rotas exigentes que cruzam o setor norte dos Himalaias. 

Em uma aeronave equipada com quatro motores, os requisitos permitem que, após avaliação da tripulação, o voo continue mesmo com um motor inoperante. Embora possa não ser possível voar até o destino originalmente planejado, isso proporciona alternativas adicionais para a tripulação minimizar o impacto operacional do pouso não programado. 

Pouso, arremetida e espera

O desempenho de pouso também é excelente. A velocidade de aproximação (VAPP) é baixa para uma aeronave de seu tamanho. Por exemplo, no Peso Estrutural Máximo de Pouso, a VAPP é de aproximadamente 142 KIAS. A definição de VAPP é baseada em uma margem mínima de 5 nós do VLS (Lowest Selectable Speed), que é a menor velocidade que o sistema de controle de voo (autopilot e autothrust) permite que seja selecionada pelo piloto.

A VLS é basicamente definida como a velocidade de estol, demonstrada em testes de voo de certificação, corrigida para um fator de carga correspondente ao voo nivelado (VS1g), multiplicado por um fator de 1,23. A margem mínima de cinco nós entre VAPP e VLS pode ser corrigida ainda mais se houver vento contrário. Por exemplo, se o headwind for de 18 nós, a Airbus recomenda que a margem seja equivalente a um terço desse valor. Nesse caso, a margem seria elevada de 5 para 6 nós. 

O cálculo do desempenho de pouso é feito por meio de um módulo no LPC-NG denominado LDPA (Landing Distance Performance Application). O programa calcula a distância e a velocidade de pouso, bem como os gradientes de arremetida, para qualquer condição da pista (seca, molhada ou contaminada por neve, por exemplo). O LDPA também permite que a tripulação calcule a distância de pouso com diversas condições de falha em voo, como as indicadas pelo ECAM, incluindo o pouso de emergência acima do peso máximo estrutural de pouso (overweight landing).

No trem de pouso central, fixado na fuselagem, os freios são instalados apenas nas quatro rodas do “bogie” dianteiro. O eixo traseiro, que é direcionável, não os possui. Note a diferença entre as duas rodas dianteiras e a traseira

 

Devido às suas velocidades moderadas de pouso e à necessidade de reduzir o peso vazio da aeronave (entre outros fatores), os A380 são equipados com reversores de empuxo apenas nos motores internos.

Para diminuir as temperaturas dos freios e otimizar a utilização da pista, a Airbus desenvolveu um sistema denominado “Brake to Vacate”, mais conhecido pela sigla BTV. O sistema pode modular os freios para permitir que a pista seja desocupada em um ponto selecionado pelo piloto. O BTV, portanto, difere de um sistema como o “autobrake” (que também equipa o A380) porque a frenagem é feita com desacelerações diferentes, enquanto o “autobrake” mantém uma desaceleração constante.

Além da BTV, a Airbus também desenvolveu o ROWS (Runway Overrun Warning System). Este sistema monitora continuamente o desempenho do pouso, alertando o piloto sobre o risco de ultrapassagem da pista. Caso estsa possibilidade se concretize, outro sistema, o ROPS (Runway Overrun Prevention System), aciona automaticamente a frenagem máxima possível com reversão total do empuxo. 

O fato de existirem apenas dois reversores, aliado ao uso constante do BTV, faz com que “full reverse” seja frequentemente utilizada nos pousos do A380. Embora o BTV mitigue a utilização dos freios, reduzindo as suas temperaturas de funcionamento, altas temperaturas são frequentemente alcançadas especialmente após pousos em aeroportos do Oriente Médio durante o Verão Boreal.

Embora ventiladores de refrigeração dos freios sejam opcionais para a aeronave, nenhum operador optou seu uso devido ao seu peso. É importante ressaltar que os freios estão instalados em apenas 16 das 20 rodas que compõem o trem de pouso principal do A380. Nas pernas localizadas na fuselagem, que possuem seis rodas cada, os freios são instalados apenas nas quatro rodas do “bogie” dianteiro. O eixo traseiro, que é direcionável, não os possui. Por esse motivo, o último par de rodas nos “main body gears” sempre apresentam uma aparência limpa, ao contrário das demais rodas do mesmo “bogie”. 

A prática de desligar dois motores durante o taxiamento até a posição de parada é adotada por muitos operadores para economizar combustível. No caso do A380, os dois motores externos costumam ser mantidos funcionando devido ao maior momento de controle direcionado proporcionado. Os motores internos podem ser desligados após um período de resfriamento após o pouso ou após o uso dos reversores de empuxo, visando à estabilização térmica dos propulsores. Isso pode levar até cinco minutos. 

Os quatro motores do A380 proporcionam um desempenho fenomenal em arremetidas (“go around”). Por exemplo, no Peso Estrutural Máximo de Pouso (395.000 quilos), a aeronave apresenta um gradiente de subida superior a 8%, mesmo com um motor inoperante. Por essa razão, o A380 é virtualmente imune a quaisquer restrições de peso de pouso devido a gradientes mínimos de subida requeridos.

Como o empuxo total de arremetida pode não ser necessário quando todos os motores estão funcionando, a Airbus desenvolveu um dispositivo de segurança chamado “Soft Go-Around” (SGA) para o A380.

Neste sistema, o computador de controle de voo primário (PRIM) é programado com uma lei de controle que define o nível de empuxo necessário para manter uma taxa de subida de aproximadamente 2.000 pés por minuto para qualquer peso, altitude, temperatura e velocidade. Como apontado anteriormente, esse sistema só funciona em arremetidas com todos os motores operando. O SGA, juntamente com outros sistemas como BTV, ROPS e ROWS, também são utilizados no Airbus A350. 

A velocidade de “holding” recomendada na configuração limpa é a velocidade “Green Dot” mais 25 KIAS. Com um peso de 395.000 quilos a 1.500 pés, isso equivale a aproximadamente 230 KIAS.

Caso o piloto opte pela configuração de flaps/slats CONF 1, então deverá ser utilizada a “velocidade S” indicada no PFD. De acordo com os requisitos operacionais, a reserva final de combustível deverá permitir à aeronave realizar uma espera a 1.500 pés por 30 minutos.

*Luiz Pradines de Menezes Junior é engenheiro Formado pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP) e com mestrado pelo ITA, sendo engenheiro de Desempenho de Aeronaves e de Operações de Voo desde 2001.

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