O lendário U-2 Dragon Lady completa 70 anos e segue ativo, desafiando a aposentadoria e mantendo seu papel estratégico
Por Marcel Cardoso e Edmundo Ubiratan Publicado em 22/08/2025, às 09h30
Setenta anos depois do primeiro voo, o lendário Lockheed U-2 “Dragon Lady” continua desafiando o tempo. Símbolo da Guerra Fria e protagonista da Crise dos Mísseis de Cuba, o avião espião ainda voa pela Força Aérea dos Estados Unidos (USAF, na sigla em inglês) e segue no centro do debate sobre sua aposentadoria definitiva.
Construído em completo segredo pela divisão Skunk Works, da Lockheed, o U-2A voou pela primeira vez em agosto de 1955, entrando em serviço no ano seguinte, quando passou a fornecer aos presidentes dos Estados Unidos e a outros formuladores de decisões informações cruciais sobre a capacidade militar soviética.
O U-2R, que realizou seu primeiro voo em 1967, era 40% maior e mais capaz que o modelo U-2A original. Com os avanços tecnológicos, uma versão de reconhecimento tático, o TR-1A, voou pela primeira vez em agosto de 1981, embora estruturalmente idêntico ao U-2R, oferecia novas capacidades. A última entrega ocorreu em outubro de 1989, e em 1992 todos os TR-1 e U-2 foram redesignados como U-2R, padronizando a operação.
Em 1º de maio de 1960, um avião espião Lockheed U-2 dos Estados Unidos foi abatido sobre Sverdlovsk, nos Montes Urais, durante uma missão de reconhecimento. O piloto Francis Gary Powers sobreviveu à ejeção, mas foi capturado pelas autoridades soviéticas. O episódio gerou uma crise diplomática e cúpula prevista entre os dois países em Paris foi cancelada e as relações entre as potências se deterioraram.
Embora Powers tenha sido condenado a dez anos de prisão, acabou libertado em 1962 em troca de Rudolf Abel, espião soviético preso nos Estados Unidos. Ambos foram libertados na Glienicker Brücke, a ponte que liga Potsdam (na então Alemanha Oriental) a Berlim Ocidental. O local ficou conhecido como a “ponte dos espiões”, pois serviu diversas vezes como ponto de troca de espiões durante a Guerra Fria.
Em outubro de 1962, o U-2 fotografou a instalação de mísseis nucleares ofensivos em Cuba, fato que desencadeou a Crise dos Mísseis. Em tempos mais recentes, o U-2 forneceu inteligência em operações na Coreia, nos Bálcãs, no Afeganistão e no Iraque. Quando solicitado, também cumpre missões de reconhecimento em tempo de paz, apoiando esforços de socorro em enchentes, terremotos, incêndios florestais, além de operações de busca e salvamento.
Segundo dados oficiais da USAF, desde 1994, aproximadamente US$ 1,7 bilhão foi investido na modernização da estrutura e dos sensores do U-2. Entre as mudanças, a introdução do motor General Electric F118-101, mais leve e econômico, levou à redesignação da frota para a versão U-2S. Esse mesmo propulsor equipa o bombardeiro B-2 Spirit e eliminou a necessidade de reabastecimento em voo em missões de longa duração
O U-2 começou sua carreira empregando poderosas câmeras de filme de grande formato, que exigiam processamento após o retorno das missões. Ao longo das últimas décadas, uma série de tecnologias foi adicionada, incluindo conjuntos de sensores como câmera infravermelha eletro-óptica, câmera de barra óptica, radar de abertura sintética, sistemas de inteligência de sinais e comunicação centrada em rede. Além disso, as aeronaves podem transmitir dados em tempo real, aumentando a eficiência operacional.
A atualização do sistema elétrico do Bloco 10 do U-2S substituiu a fiação antiga por tecnologia de fibra óptica, reduzindo a assinatura de ruído eletrônico e preparando a aeronave para futuras melhorias. Paralelamente, o Programa de Confiabilidade e Manutenibilidade reformulou completamente o cockpit, que passou a contar com aviônica digital e displays multifuncionais em substituição aos mostradores analógicos.
Apesar da modernização, o U-2 tornou-se altamente vulnerável a sistemas modernos de defesa aérea. Sendo atualmente empregado principalmente em cenários de baixo risco, como patrulhas de fronteira e missões de vigilância em espaço aéreo internacional.
Os U-2 têm como base principal a 9th Reconnaissance Wing, na Beale Air Force Base, Califórnia, mas são destacados rotativamente para operações em diversas regiões do mundo. Os pilotos recebem treinamento em Beale, utilizando cinco aeronaves biplace designadas TU-2S, antes de serem enviados a missões operacionais.
Atualmente, a Força Aérea dos Estados Unidos (USAF, na sigla em inglês) mantém em operação 24 unidades do U-2S – a versão de maior capacidade e novos sensores – e três treinadores TU-2S, totalizando 27 aeronaves. Em abril de 2024, um exemplar (80-1085) foi aposentado após 38 anos de serviço.
Todavia, existem dúvidas sobre a continuidade das operações com o U-2, com setores da USAF defendendo sua manutenção no serviço ativo, enquanto outros desejam sua aposentadoria.
Atualmente, os U-2 têm como base principal a 9th Reconnaissance Wing, na Beale Air Force Base, Califórnia, mas são destacados rotativamente para operações em diversas regiões do mundo. Os pilotos também recebem treinamento em Beale, utilizando cinco aeronaves biplace designadas TU-2S.
Entre 1955 e 1989, foram produzidos 104 exemplares do U-2. Ao longo dos anos, 44 foram perdidos em acidentes ou abatidos em combate, incluindo os casos envolvendo a União Soviética, China e Cuba.
Atualmente, catorze aeronaves estão em exposição em museus nos Estados Unidos, Reino Unido, Noruega, Cuba, China e Rússia. Os três últimos se tratam de "troféu de guerra", com destroços capturados após terem sido abatidos pela defesa aérea.
Após a vitória do comunista na Guerra Civil Chinesa, em 1949, foi proclamada a República Popular da China (RPC), enquanto o governo nacionalista retirou-se para Taiwan. No contexto da política de contenção ao comunismo durante a Guerra Fria, Taiwan tornou-se aliado estratégico dos Estados Unidos. Para apoiar a vigilância sobre o continente, Washington forneceu oficialmente dezenove aeronaves U-2 à Força Aérea da República da China (ROCAF), destinadas a missões de reconhecimento sobre o território controlado pela RPC.
O programa foi gerido pela CIA em parceria com pilotos taiwaneses, treinados nos Estados Unidos e operando a partir de bases em Taiwan. Ao longo de catorze anos de operações do Esquadrão Black Cat, cinco U-2 foram abatidos pelas defesas aéreas chinesas com mísseis S-75 Dvina, resultando em três pilotos mortos e dois capturados. Além disso, outros seis U-2 caíram em missões de treinamento e um em patrulha naval. As perdas foram tão expressivas que a taxa de sobrevivência nas missões conduzidas por pilotos taiwaneses passou a ser considerada extremamente baixa.
Ainda assim, as aeronaves coletaram inteligência sobre instalações militares, movimentação de tropas e, sobretudo, o desenvolvimento nuclear da RPC
Além do uso militar, a NASA opera dois exemplares modificados, denominados ER-2, que atuam como laboratórios voadores. Baseadas no Armstrong Flight Research Center, na Califórnia, essas aeronaves realizam pesquisas sobre recursos terrestres e processos atmosféricos e oceânicos.
Em agosto de 2016, um ER-2 fez uma escala técnica em Recife, durante um voo de translado entre os Estados Unidos e a Namíbia. Na ocasião, a presença no Brasil gerou polêmica, com grupos acreditando tratar-se de espionagem deliberada.
A Força Aérea dos EUA anunciou a intenção de retirar o U-2 de serviço em 2026. No entanto, o Congresso discute medidas para limitar esse processo. A Seção 8151 do projeto orçamentário de defesa para o ano fiscal de 2026 estabelece que não mais de oito aeronaves podem ser aposentadas com os recursos previstos pela lei.
Essa restrição pode adiar a retirada completa do modelo. Analistas apontam que, enquanto o U-2 tem pouca utilidade em cenários de confronto direto com grandes potências, ainda pode cumprir papéis estratégicos em ambientes menos hostis.
Caso o plano de aposentadoria seja mantido, a frota poderá ser reduzida para pouco mais de uma dezena de aeronaves até o fim de 2026. A NASA, contudo, deve continuar operando os dois ER-2 em pesquisas científicas. O fim da carreira do U-2 é considerado inevitável, mas a data exata de sua retirada definitiva permanece indefinida.
Lockheed U-2S | |
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Tripulação | 1 |
Capacidade | 2.300 kg de carga útil |
Comprimento | 19,20 m |
Envergadura | 31 m |
Altura | 4,88 m |
Área da asa | 93 m² |
Peso vazio | 7.257 kg |
Peso máximo de decolagem | 18.144 kg |
Capacidade de combustível | 11.200 l |
Motorização | 1 × turbofan General Electric F118-101, 17.000 lbf de empuxo |
Desempenho | |
Velocidade de cruzeiro | Mach 0,715 (760 km/h) a 72.000 pés |
Velocidade de cruzeiro | 413 KIAS (765 km/h) a 65.000 pés |
Velocidade de estol | 65 nós (120 km/h) |
Alcance | 11.280 km |
Autonomia | 12 horas |
Teto de serviço | 80.000 pés |
Razão de subida | 9.000 pes/min |
Tempo para atingir altitude | 60.000 pés em 12 minutos e 30 segundos |