O piloto pode prevenir acidentes com respostas mais automáticas ao treinar mentalmente situações de emergência no cockpit
Por Ernesto Klotzel Publicado em 06/12/2023, às 15h00
Você saberia dizer agora, de imediato, o que faria se um motor engasgasse na decolagem? Temperatura do motor, pressão de óleo, fluxo do combustível, pressão do combustível, bomba ligada? Uma situação crítica. Você precisa interpretar o que o avião está dizendo, ao mesmo tempo que precisa manter a proa e a razão de subida.
No minuto anterior, o motor girava como um relógio. Agora, parece querer explodir. Qual a melhor ação? Escolho onde pousar em emergência? Continuo voando? A que velocidade? Situações de emergência exigem respostas rápidas e certeiras de um piloto.
Uma ação assertiva pode determinar a ocorrência ou não de um acidente. Por isso é preciso saber de cabeça o que fazer em momentos como esse. A memorização de procedimentos de emergência exige prática e dedicação, mas, em um evento real, a carga de trabalho dobra e nem sempre a consciência situacional acompanha o desdobramento dos fatos.
Por isso a memorização de procedimentos se revela tão importante quanto a prática do voo em si. Treinando e fazendo simulações é possível realizar qualquer procedimento mesmo com os olhos vendados. O treinamento adequado torna a ação em emergência tão natural quanto a de um voo sereno, funcionando quase como um reflexo.
Um dos mais eficientes é praticar mentalmente (e regularmente) a simulação de uma pane de motor, por exemplo. Assim, quando estiver em voo de rota (em situação adequada), escolha mentalmente o melhor lugar para um pouso forçado enquanto realiza os procedimentos.
Se tiver condições, proceda com o checklist. Nas aeronaves modernas, com painéis digitais, não raro, procedimentos e checklists são exibidos na tela, o que permite treinar no cockpit o voo mental voltado para panes e emergências. Além disso, na cabine é possível memorizar a localização de chaves e instrumentos críticos para a análise de falha. Lembre-se de que esse é apenas um dos possíveis cenários para o qual se deve estar preparado.
Na prática, os pilotos de linha aérea, que voam sofisticados jatos comerciais, fazem isso em seções de simulador. Como muitos dos procedimentos de emergência são raros e treiná-los em aeronaves leves, além de ser caro, significa criar situações anormais, a melhor opção é um treinamento mental das emergências mais comuns, aplicáveis à sua aeronave.
Na aviação comercial, o treinamento de emergências envolve um adestramento comportamental, ao permitir ao piloto formar um fluxo de ações em cada etapa do voo, da pré-decolagem ao corte dos motores. O scanflow, que é justamente a verificação dos sistemas da aeronave no cockpit, faz parte desse treinamento mental, que permite automaticamente atender a uma determinada situação.
Funciona mais ou menos com digitar em um computador novo. Inicialmente, você passa algum tempo procurando as teclas, mas, após algumas semanas, já digita tudo sem olhar para o teclado, utilizando até atalhos.
Uma atitude positiva é ler os relatórios de incidentes e acidentes ocorridos com o modelo do seu avião. Isso proporcionará condições de identificar os eventos mais comuns e os erros mais frequentes, podendo treinar justamente essas falhas. Se possível, também estude quais são os problemas mecânicos mais comuns no motor utilizado no seu avião e quais problemas mais comuns no modelo da sua aeronave.
Uma conversa com seu mecânico de confiança pode apontar problemas comuns na região que você costuma voar, determinados por condições daquela operação específica. Ter ciência dos problemas mais usuais permite ao piloto prever eventuais falhas diante de determinadas situações.
Um piloto bem treinado que tiver desenvolvido um bom grau de memorização dos procedimentos saberá a sequência completa, a localização de instrumentos e controles, sabendo inclusive qual será a reação do avião naquele momento.
A despeito da importância de se desenvolver excelentes memórias de procedimento, existem certas ações que não devem ser executadas automaticamente, antes de ao menos uma última verificação visual.
É vital saber quando agir de forma instantânea e automática, e quando analisar a situação mais de uma vez. Em uma pane crítica de motor, tirando o avião fora do eixo na aproximação, a reação natural seria compensar com leme.
Contudo, lembre-se, dependendo do caso, você pode estolar e cair se fizer o óbvio. Além disso, cortar ou colocar em passo bandeira um motor que opera perfeitamente já matou mais de um piloto. A ação foi automática, mas sem a devida análise da situação.
Um detalhe importante, que já custou a vida de muitos, é saber a posição exata de um disjuntor. Aviões mais antigos costumam ter o painel de disjuntores (CB) em posições pouco ergonômicas. Saber localizá-los rapidamente, reconhecendo cada um deles em função da situação, é fundamental. Um CB saltado pode dar a resposta clara para a pane, auxiliando na tomada de decisão correta naquele momento.
Você já prestou atenção quantas vezes olhou para um CB durante o voo? Ou se recorda da posição de cada um no painel? Além de aprender onde ficam os disjuntores, descubra a finalidade de cada um. Quanto mais elevada sua amperagem, mais importante é entender sua função.
Acredite, disjuntores estão envolvidos em uma série de situações de emergência, como a própria causa, ou como indicador ou opção para sanar rapidamente a anomalia verificada.
Outro detalhe importante. Em voos noturnos, você confere a bateria da lanterna? Ou mesmo, você voa com mais de uma lanterna? Uma lanterna sem carga ou com lâmpada queimada será um problema adicional em uma situação de emergência, ainda que os celulares a bordo possam ser usados em último caso.
Se você não refaz há algum tempo a revisão dos procedimentos de emergência do seu avião, que tal simular agora mentalmente as três emergências mais importantes que podem ocorrer em seu voo?
Não precisa nem deixar a sua cadeira. Se você não tiver absoluta certeza do que está lembrando, pode ser a hora de voltar a estudar procedimentos que nem sempre nos dedicamos de forma adequada.