Mais um 31 de agosto sem culpados pela tragédia argentina da Lapa
Por Martín Romero Publicado em 31/08/2022, às 20h26
Hoje (31), marca um novo aniversário da tragédia das Linhas Aéreas Privadas Argentinas (Lapa). O acidente ocorreu no aeroporto Jorge Newbery (AEP), na cidade de Buenos Aires, poucos minutos antes das 21h locais.
O Boeing 737-200 de matrícula LV-WRZ se preparava para cumprir uma rota regular e, na época, o trecho mais voado da Argentina, Buenos Aires (AEP) - Córdoba (COR). O número de voo foi atribuído como LAPA3142.
Se ficarmos do lado de fora do cabine de voo como espectadores ou fãs da aviação, veríamos um voo normal, prestes a decolar da cabeceira da pista (RWY) 13, maravilhados com a “hora do rush”, que era a faixa horária entre 19h30 e 21h. A aeronave começou a taxiar em direção ao ponto de espera normalmente, atrás de outros voos que também partiram no mesmo horário.
Mas dentro da cabine, a situação não estava nada normal. De acordo com os relatos da decodificação das “caixas pretas”, mais especificamente do CVR (Cabin Voice Recorder), pode-se observar um ambiente de cabine pouco ortodoxo e profissional, checklists incompletos e a presença de pessoal não autorizado na cabine. os regulamentos de "cockpit estéril".
20:54 - A aceleração para a decolagem da aeronave começa a partir da cabeceira da RWY13, quando a energia é aplicada aos motores. Um aviso começa a soar na cabine, que é detectado pelo copiloto, mas dispensado pelo piloto sob a frase "não, não, não, segue” e logo depois completou com “não sei o que é, mas é antigo e está tudo bem”. O referido alarme era o indicador de que a aeronave não estava configurada para decolagem, os flaps não haviam sido ativados.
Após este momento, todos sabemos o que aconteceu, a aeronave não conseguiu decolar, pois os 2.200 metros da pista do Aeroparque não seriam suficientes para decolar sem flaps. Sem flaps, ele decola em maior velocidade e percorre uma distância ainda maior no solo, mas pode ser decolado da mesma forma.
A aeronave atingiu a velocidade V2, que, ao ser atingida, deveria ocorrer a decolagem em caso de emergência, pois não haveria mais pista suficiente para frear. Ela não decolou, saiu da pista e ultrapassou os limites do aeroporto, atravessando a avenida Costanera Rafael Obligado, que estava congestionada, e acabou colidindo com um pequeno aterro.
Imediatamente, a aeronave começou a pegar fogo. Vários passageiros conseguiram escapar, alguns com ferimentos leves, outros com ferimentos graves, muitos deles devido a queimaduras. Infelizmente, alguns veículos que cruzavam o cruzamento da Avenida Rafael Obligado com a Avenida Sarmiento foram destruídos. Hoje, ele não existe e o local do acidente fica dentro do sítio aeroportuário.
O Boeing 737-200 transportava 95 passageiros e 5 tripulantes, dos quais 37 sobreviveram, e 65 pessoas morreram, incluindo dois transeuntes que não estavam a bordo.
De 31 de agosto de 1999 até hoje, depois de concluída a investigação correspondente pelo Conselho de Investigação de Acidentes de Aviação Civil (Jiaac), foi realizado o julgamento público para declarar culpados e sentenciados, fato que ainda não aconteceu.
Após árduas investigações, denúncias de ex-funcionários, entre eles Enrique Piñeyro, cineasta e piloto, apresentação de provas e até a dissociação da Força Aérea Argentina da regulamentação da aviação civil, vieram à tona as inúmeras falhas da empresa e as omissões de protocolos de segurança que colocam em risco diariamente a vida de passageiros, tripulantes e civis.
A empresa tinha uma cultura de fazer "vista grossa", ou seja, alarmes, alertas, observações das tripulações sobre o estado da aeronave eram ignorados. Essa atitude torna-se cultural e faz com que as tripulações não dêem a devida importância a eventos anormais nas cabines de comando, como é o caso do alarme de flaps que soou durante a aceleração para decolagem do voo 3142 e o comandante respondeu “Não, eu sei o que é, mas é velho, está tudo bem."
No filme 'Whiskey Romeo Zulu', do ex-piloto da empresa Enrique Piñeyro, cuja trama narra todas as anomalias da empresa e da Aeronáutica, observa-se uma situação durante a decolagem de um voo entre Puerto Iguazú (IGU), na fronteira com o Brasil, e Buenos Aires, quando os comandos da aeronave começaram a vibrar repentinamente, ao chegar na capital argentina não deram importância à observação do piloto e a aeronave continuou operando.
Depois de alguns meses, quando Piñeyro já estava fora da empresa, chegou pelo correio uma caixa de um funcionário da manutenção da Lapa, que continha uma parte do estabilizador vertical da aeronave totalmente danificado. Essa parte foi o que gerou as vibrações naquela decolagem de IGU, fato que por acaso não terminou em tragédia.
Até hoje, como dissemos antes, eles não foram considerados culpados. O caso tem 32 réus, entre eles Gustavo Andrés Deutsch, presidente da Lapa, que em entrevista à televisão acusou os pilotos, eximindo-se de toda culpa, o ex-chefe da Força Aérea Brigadeiro General (aposentado) Rubén Montenegro; o ex-chefe da Divisão Nacional de Aeronavegabilidade, Brigadeiro (aposentado) Juan Baigorria; o ex-chefe da Divisão de Qualificações, Comodoro (aposentado) Damián Peterson; o ex-chefe do Instituto Nacional de Medicina Aeronáutica e Espacial, Comodoro (aposentado) Diego Lentino; e o ex-chefe do Comando de Regiões Aéreas, Brigadeiro Major Enrique Dutra, e também embargou 60 milhões de pesos sobre bens pertencentes a Deutsch e outros 11 diretores da Lapa.
Devido aos intermináveis processos judiciais, os únicos dois condenados do acidente foram absolvidos, pois os prazos legais haviam expirado (prescreveram), deixando o caso impune e sem condenações.
Gustavo Deutsch faleceu em 14 de setembro de 2014, pilotando um Beechcraft Super King Air 300 de matrícula LV-WLT. O relatório do acidente indica que ele cometeu erros nas manobras da aeronave citada e que não deveria ter pilotado aquela aeronave sem um copiloto treinado.