Exclusivo: Pilotamos o novo Airbus A321neo em um voo regular

Nosso piloto embarcou em um voo regular com o novo A321neo recém adquirido pela Azul Linhas Aéreas

Por Paulo Marcelo Soares* Publicado em 05/03/2021, às 13h00 - Atualizado às 13h35

Estou curioso para saber como o novo narrowbody da Airbus se comporta em voo. Faremos um “bate e volta” entre Campinas, em São Paulo, e Recife, em Pernambuco. Uma operação típica para uma aeronave com o perfil do A321neo.

Nesta viagem teremos uma boa noção das novidades do avião em relação a seus irmãos mais velhos e as mudanças em matéria de pilotagem na comparação com o A320neo. Voaremos o PR-YJA, operado pela Azul e batizado com o sugestivo nome “Super Azul”.

Ainda na sala de tripulantes, analiso a documentação do voo AD6973 do aeroporto de Viracopos para o de Guararapes. Nesta primeira etapa, estaremos relativamente leves, com 174 passageiros – por coincidência, o correspondente à capacidade máxima de um A320. Nos porões levaremos 2.300 kg entre bagagens e carga. Nosso destino está localizado a 2.203 km de distância e o alternado mais distante, Salvador, a 648 km dali. O METAR de ambos indica condições de voo visual (VFR), com previsão de tempo bom no horário de nossa chegada de acordo com a previsão meteorológica de aeródromo (TAF).

Estimamos gastar 6.780 kg de combustível até o destino. O abastecimento recomendado é de 10.900 kg, já considerando todas as reservas regulamentares. Temos peso de decolagem de 76,4 toneladas, 17,1 toneladas abaixo do peso máximo de decolagem (MTOW). 

Decolaremos da pista 15, que possui 3.150 metros de comprimento, situada 2.100 pés acima do nível do mar. A componente de vento de proa é de 3 nós, com temperatura de 30°C e ajuste de altímetro (QNH) de 1018 hectopascais (hPa).

Nessas condições usaremos configuração CONF 1+F (slats a 18° e flaps a 10°) e potência reduzida (FLEX-TO). Se fosse o caso, poderíamos decolar no peso máximo de decolagem (MTOW) de 93,5 toneladas mesmo com a temperatura em 31°C e sem vento de proa para nos ajudar. Após o briefing com a tripulação, seguimos para o portão de embarque C-09 onde o A321neo nos aguarda.

Inspeção e embarque 

Durante a inspeção externa do A321neo da Azul em Campinas, chamam a atenção os novos motores CFM LEAP-1A32, vom diâmetro de 2,60 metros. A distância entre a parte inferior da nacelle do motor e o piso teve uma redução de quase 13 centímetros em relação ao motor CFM56 e de 31 centímetros na comparação com o IAE, exigindo atenção redobrada quanto ao bank angle no pouso. As duas grandes portas de carga facilitam o carregamento. A aeronave pode transportar até 10 containers LD3-45 ou 12.140 kg nos 51,7 metros cúbicos de seus porões.

Novos motores CFM LEAP-1A32 têm diâmetro de 2,60 metros

 

Reparo nas mudanças do layout das saídas de emergência. Os sharklets, a fuselagem mais longa e a pintura preta ao redor das janelas do cockpit formam um conjunto final bem harmonioso.

Ingresso na cabine e sinto o agradável cheiro de aeronave nova. Noto as alterações de iluminação de interior, seguindo o estilo dos A330neo, com variação em cor e intensidade de acordo com a fase do voo. A configuração adotada pela Azul é de 214 lugares, sendo 42 deles no “Espaço Azul”, com maior distância entre os assentos.

Já na cabine de comando, é necessário um olhar extremamente atento para diferenciá-la do cockpit de um A320. No overhead panel, há um botão a mais para a chamada de comissários. Na central de controle eletrônico da aeronave (Electronic Centralized Aircraft Monitor ou ECAM), apenas as páginas do sistema de combustível e das portas nos dizem que aquele modelo é um A321. Há também um placar com as velocidades máximas para operação dos flaps, que são mais altas. Finalmente, na página DATA do sistema de gerenciamento de voo (FMGS), podemos ver a informação tanto do modelo como do motor.

Todo o ritual de preparação da cabine, scan flows e checklists são rigorosamente os mesmos do A320 ou A319. Isso é positivo, já que, em várias empresas ao redor do mundo, é comum uma tripulação voar dois ou até três modelos diferentes em um mesmo dia. Somos autorizados para Recife no nível de voo de 37 mil pés (FL370).

Cockpit é basicamente o mesmo dos modelos anteriores da família A320

Nosso procedimento de saída (SID) será a BOCAS2A transição UTGER. Depois, seguiremos pelas aerovias UZ23, UZ16 e UZ14 até a posição ZIPAR, onde ingressaremos na STAR ZIPAR1A. É uma rota que passará por Bragança Paulista (SP), Belo Horizonte (MG) e Feira de Santana (BA). Deixaremos Salvador (BA), Aracaju (SE) e Maceió (AL) à nossa direita e Garanhuns (PE) à nossa esquerda antes de iniciar a aproximação para Recife.

Após a conferência de todos os dados inseridos no FMGS, faço o briefing de decolagem, destacando o fato de estarmos em um A321. Nosso peso de decolagem está abaixo do máximo de pouso e, em caso de falha após a decolagem, vamos cumprir o perfil da Engine Out SID, para executar uma espera no setor oeste do aeródromo e posterior retorno. Finalizado o embarque, solicitamos o pushback e o acionamento se dá rigorosamente no horário previsto.

Táxi e decolagem

Como é o primeiro voo do dia e os motores estão à temperatura ambiente, a partida é bem rápida. Em menos de três minutos, ambos os motores estão acionados e a aeronave, pronta para taxiar. É necessária apenas uma pequena aplicação de potência para iniciar a rolagem e, em uma taxiway plana, não há tendência exagerada de aceleração.

Durante o táxi, quem está acostumado com o A319/320 deve prestar atenção ao fato de que o trem principal está 19,56 metros atrás da posição do piloto – um recuo de 4,36 metros em relação a um A320 e 5,86 metros na comparação com o A319. É uma aeronave que exige um taxiamento mais cauteloso, especialmente em curvas de 90 graus em taxiways estreitas e pátios congestionados. Após um curto movimento de rolagem até o ponto de espera da pista 15, somos autorizados a alinhar e decolar.

Com quase 38.000 pés e velocidade de Mach 0.789

Nosso peso de decolagem nesta etapa inicial é cinco toneladas maior do que o de um A320neo com o mesmo payload, mas, como os motores possuem 32.100 libras de empuxo (contra 26.600 libras do A320), a sobra de potência garante uma vigorosa aceleração até a V1 de 149 nós. A rotação se dá a 151 nós e a V2 é de 152 nós. Após recolhermos flaps e slats a 202 nós, aceleramos para o limite de 250 nós abaixo do FL100. A subida inicial fica entre 3.000 e 3.200 pés por minuto. Com nosso peso seria possível subir direto ao FL380, apenas mil pés abaixo do teto máximo da aeronave.

Nivelamos no FL370 em 22 minutos, tendo consumido 2.100 kg de combustível. Voando a Mach .77, o consumo fica em torno de 2.200-2.300 kg por hora. Caso haja necessidade de ir mais rápido, a Mach .79 o consumo sobe para 2.500-2.600 kg por hora. Na velocidade máxima de cruzeiro (Mach .81), o consumo ficaria entre 2.700-2.800 kg por hora.

Cruzeiro e aproximação

O silêncio do cockpit se destaca. Os novos motores já são menos barulhentos do que os da geração anterior e, por estarem posicionados mais distantes do cockpit, geram um nível de ruído inferior ao de um A320. O amplo espaço interno, os sidesticks, a mesinha e a ergonomia do cockpit tornam o ambiente de trabalho dos pilotos agradável e reduzem a fadiga, mesmo em etapas muito longas.

Durante o voo de cruzeiro, inspeciono as páginas dos sistemas na tela inferior do ECAM e percebo que o consumo está levemente abaixo do estimado pelo plano de voo.

Juntamente com proas diretas gentilmente cedidas pelo controle de tráfego aéreo (ATC), vamos chegar ao destino com uma generosa reserva de combustível. Recife continua com excelentes condições meteorológicas, vento de proa de seis nós, nuvens esparsas a 2.000 pés, 30°C de temperatura e QNH de 1.014 hPa.

No peso máximo de pouso (MLW) de 79.200 kg, nossa velocidade de aproximação (Vapp) seria 143 nós. Usando máxima frenagem e sem reversos, a aeronave pararia em 1.205 metros. Em uma pista molhada, seriam necessários 1.555 metros. Entretanto, estamos pousando com 70,6 toneladas, bem abaixo do MLW. Nossa Vapp é de 135 nós e precisaríamos, em teoria, de 1.140 metros do cruzamento da cabeceira a 50 pés de altura até a parada total da aeronave. Obviamente, não há necessidade de uma frenagem tão brusca. Seleciono o autobrake em LOW e, mesmo assim, precisaremos de apenas 2.070 metros de 3.000 metros disponíveis.

Durante a descida, desacoplo o autopilot. A pilotagem “na mão” é extremamente agradável. Percebo os comandos mais harmoniosos do que os da versão A321ceo. Mesmo com a turbulência térmica típica de um dia quente, não tenho dificuldade em manter a aeronave no ângulo de trajetória de planeio do sistema de pouso por instrumentos (ILS). O pitch de aproximação é mais baixo do que nos A320, o que aumenta a margem para evitar um tailstrike, que ocorre caso a atitude de pouso seja superior a 11,5 graus com os amortecedores estendidos.

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Cruzo a cabeceira e reduzo a potência para Idle enquanto comando o flare para uma atitude de cerca de quatro graus. O toque é surpreendentemente suave e o autobrake em LOW comanda uma frenagem confortável, sem esquentar muito os freios, que contam com brake fans. Nesta primeira etapa, consumimos 6.520 kg para um tempo de voo de duas horas e 45 minutos.

Capacidade e performance

Na volta de Recife para Campinas, o voo AD6974 prevê casa cheia, com 214 passageiros e bastante carga nos porões. No cockpit, a preparação para o regresso é rápida. Todo o processo leva cerca de 20 minutos. O abastecimento demora de 17 minutos (quando apenas os tanques das asas são abastecidos) a 39 minutos (se preenchermos todos os tanques, incluindo os três ACTs, até suas capacidades máximas). Já na cabine de passageiros o tempo necessário vai depender do uso ou não da porta traseira para desembarque e embarque, variando entre 38 e 51 minutos em condições típicas.

Nesta etapa, nosso peso sem combustível (ZFW) será de 73.600 kg, apenas duas toneladas abaixo do máximo. O querosene previsto para a etapa será de 7.450 kg com abastecimento de 11.600 kg. Nosso peso de decolagem é de 85.200 kg, ainda assim, 8,3 toneladas abaixo do MTOW. Decolaremos agora com CONF 2 (slats em 22° e flaps em 14°) e nossas velocidades de decolagem (V-Speeds, em nós) serão: V1 = 148, Vr = 148 e V2 = 151, novamente com potência reduzida.

Enquanto o embarque não termina, consulto as tabelas de performance. Os números são impressionantes. Em um aeródromo ao nível do mar, seria possível carregar o A312neo com apenas 600 kg a menos do que sua capacidade máxima de carga e decolar com os tanques cheios para uma etapa de 4.800 km(mais as reservas IFR), necessitando de apenas 2.500 metros de pista. Tudo isso a uma temperatura de 30°C. É uma aeronave capaz de ligar qualquer par de capitais brasileiras, ou Campinas-Guarulhos-Galeão a qualquer cidade da América do Sul, levando praticamente seu payload máximo. Ou, ainda, transportar 170 passageiros entre Miami e qualquer capital da América Latina.

O retorno

Somos autorizados a voar até Campinas no FL360. Decolagem da pista 18 na SID ESMAL1B transição SIAPA. Depois voaremos na proa do waypoint KIDAN, onde ingressaremos nas aerovias UZ59 e UZ30 até ENTIT para executarmos a STAR UMRIX2A. Nessa rota passaremos próximos a Garanhuns e às cidades baianas de Feira de Santana e Vitória da Conquista. Sobre Minas Gerais, deixaremos Belo Horizonte à esquerda e Poços de Caldas à direita.

Finalizando o embarque, iniciaremos o pushback e acionamento. Desta vez, os motores necessitam de até um minuto de dry-motoring antes de injetar combustível durante o ciclo de partida. Acionaremos o motor um antes de iniciar o táxi monomotor. Além de ganhar tempo e não travar o pátio, esse procedimento economiza combustível quando há uma longa sequência de aeronaves para a decolagem, pois acionaremos o motor dois apenas quando estivermos prestes a decolar. A julgar pela longa fila de aeronaves à nossa frente, isso vai levar um bom tempo.

Enfim, passados alguns minutos, somos autorizados a alinhar e decolar. A 400 pés, efetuamos a redução de potência para a posição CLB e, a mil pés, dou início à aceleração, recolhendo os flaps para CONF 1+F a 167 nós. Neste peso, a velocidade mínima para a retração dos slats é 215 nós e a green dot, 235 nós. A velocidade máxima de operação dos flaps subiu para 243 nós, oito nós a mais do que na versão A321ceo. Isso melhorou a capacidade de manobra da aeronave após uma decolagem com pesos elevados. Levamos 27 minutos e gastamos 2.290 kg para atingir o FL360, nosso nível inicial de cruzeiro.

Voando a Mach .79, estamos gastando 2.660 kg por hora. No retorno, encontramos algumas formações típicas de verão. Nosso radar Multiscan (que varre a trajetória da aeronave até seis mil pés abaixo de nossa altitude) nos indica o melhor desvio, mas, ainda assim, não é possível escapar de um pouco de turbulência. Estamos apenas 200 pés abaixo da altitude máxima em função do peso e, nessa situação, nossa margem entre as velocidades mínima e máxima é pequena – apenas 16 nós. Se a turbulência aumentar, teremos de descer.

Felizmente, não é o caso. O autothrust consegue manter nossa velocidade com pequenas variações. Mais uma vez, o consumo está um pouco abaixo do que o previsto na navegação, e mais algumas proas diretas fazem com que cheguemos ao nosso destino com capacidade de executar 30 minutos de espera antes de ter de prosseguir para um alternado. O serviço automático de informação (ATIS) de Viracopos nos reporta procedimento em uso, ILS-W pista 15, com seis nós de vento de proa, visibilidade superior a 10 quilômetros, céu nublado a 2.000 pés, 29°C de temperatura e QNH de 1.015 hPa.

Somos informados de que teremos de aguardar para o pouso por conta do tráfego aéreo intenso. O consumo fica entre 2.300-2400 kg por hora durante uma espera em configuração limpa no MLW a baixas altitudes. Após dois circuitos completos, iniciamos uma vetoração radar para interceptar a final do ILS. Nos A321ceo, o uso de speedbrakes na aproximação inicial tem de ser bem planejado, pois sua abertura causa aumento na velocidade mínima (VLS), que pode até ultrapassar a máxima para abaixamento dos flaps. Nesse caso, o aviador fica numa desconfortável situação em que ele não consegue nem descer o suficiente, nem desacelerar, nem baixar os flaps. Com a maior velocidade máxima de flaps do A321neo, essa situação ficou mais difícil de ocorrer. Uma opção recomendada é aproveitar a alta velocidade máxima para a extensão dos slats e selecionar CONF 1 (slats em 18° e flaps em 0°). Com isso, a VLS cai substancialmente e fica possível usar os speedbrakes em toda a sua extensão.

O pouso

Na nossa aproximação, selecionamos CONF 2 e o avião consegue desacelerar no glideslope, mantendo o limite de 180 nós já em configuração de pouso até o fixo de aproximação final (FAF), o que ajuda na operação em aeroportos congestionados. No nosso peso de pouso, a velocidade de aproximação será de 142 nós em CONF FULL (slats em 27° e flaps em 34°). De maneira geral, as velocidades de aproximação foram reduzidas em relação ao A321ceo. Uma das preocupações na operação do A321 é o risco de um tailstrike, especialmente após um bounced landing, mas, se a aeronave vier em uma aproximação estabilizada e as técnicas corretas de pilotagem forem aplicadas, o toque no solo será feito com uma atitude em torno de quatro a cinco graus, o que garantirá uma ampla margem de segurança. Arremetidas a alturas inferiores a 100 pés requerem uma pilotagem refinada no segmento inicial. Cabe lembrar que o A321 pode fazer aproximações CAT IIIb com um alcance visual da pista (RVR) mínimo de 75 metros ou CAT IIIa em condição monomotor.

Mesmo próximos do peso máximo de pouso, a frenagem é suave, o que nos permite livrar a pista na interseção B de Viracopos. Mais uma vez os brake fans cumprem seu papel de manter os freios a uma temperatura adequada. Considerando as duas esperas, consumimos apenas 250 kg acima do estimado e ainda pousamos dentro do horário previsto. O táxi até a nossa posição de parada (C-07) é longo em razão do grande tráfego neste horário e, após três minutos operando em idle thrust, cortamos o motor dois e taxiamos monomotor, poupando combustível e freios.

Ao fim do voo, a impressão é a melhor possível. O A321neo é uma aeronave extremamente versátil, agradável de pilotar, com custos operacionais baixos e uma ótima performance. Opera com a mesma desenvoltura em voos curtos com alto payload, ou em voos longos com um ótimo nível de conforto. É um avião que deve criar uma nova categoria de voos longos e, no momento, não tem um concorrente que se equipare nos quesitos capacidade, alcance e custo operacional.

* Paulo Marcelo Soares é comandante de Airbus A320

Ensaio publicado originalmente na edição 309 de AERO Magazine.
Este texto é uma versão condensada do original.

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