Fomos a primeira revista do mundo a voar no Falcon 8X, o novo trijato da Dassault com interior completo
Por Felipe Milani e Rodrigo Duarte Publicado em 06/10/2019, às 00h00 - Atualizado em 05/07/2024, às 12h00
Com a globalização, os negócios passam a exigir das empresas e seus executivos viagens cada vez mais longas e rápidas, para cumprir extenuantes agendas de trabalho. O objetivo é aumentar receitas e, eventualmente, expandir as áreas de atuação em regiões antes inalcançáveis.
De olho nesse mercado, a Dassault Falcon Jet apresenta pela primeira vez no Brasil* seu mais novo jato, o Falcon 8X, com autonomia e conforto adicionais em relação a seus antecessores. AERO Magazine tem a honra de ser a primeira equipe de imprensa do mundo a embarcar no avião com interior finalizado para um voo de demonstração.
Chegamos bem cedo ao Aeroporto de Congonhas, na capital paulista. Sol e céu azul. Somos recebidos pelo vice-presidente de Vendas da Dassault Falcon Jet para a América Latina, Rodrigo Pesoa. Da sala VIP do hangar da Premier, vemos o imponente jato, que, no dia anterior, recebeu o tradicional batismo com água e está brilhando.
A primeira impressão ao olhar a aeronave externamente é que nada mudou em relação ao 7X. O design é muito semelhante. As janelas do cockpit lembram o trijato da fabricante francês. Na verdade, são iguais. A única maneira de saber que estamos diante da nova aeronave, além de ler o nome estampado no estabilizador vertical, é contando o número de janelas. São 16 no total, duas a mais do que o irmão mais velho 7X. O modelo ficou 1,27 metro maior, seu comprimento total é de 24,46 metros.
Trazendo uma nova asa, o Falcon 8X leva vantagem nas superfícies de controles móveis, incluindo três painéis de slats, dois flaps e três airbrakes. Juntos, eles prometem fornecer mais controle e eficiência, como pretendemos confirmar em instantes. Também há uma discreta diferença nos winglets que, para os mais atentos, indica o modelo da aeronave.
O peso máximo de decolagem do Falcon 8X é de 33.113 kg (ou seja, decola 1.362 kg mais pesado do que o 7X). Ao entrarmos na aeronave, podemos notar todo o requinte e o conforto proporcionado em sua cabine com 48 m3 de volume, bem distribuídos em três zonas com 2,34 metros de largura e 1,88 metro de altura. O aumento do comprimento proporcionou mais conforto na cabine e mais espaço entre as poltronas.
A aeronave trazida ao Brasil não possui área de descanso para a tripulação, o que seria desejável em um jato desse porte, pelo menos para operadores dispostos a aproveitar seu alcance. Para voos muito longos, a regulamentação de tripulação exige mais pilotos, tendo em vista o aumento da segurança de voo com pilotos descansados. Ninguém pode entender como normal um voo de 13 horas ininterruptas somente com dois pilotos a bordo.
No local onde poderia ser incluída a área de descanso há uma espaçosa galley com fornos micro-ondas e elétrico, cafeteira e uma grande novidade no mundo da aviação de negócios: a instalação de uma geladeira. Também na galley há os controles touchscreen dos sistemas de iluminação, aquecimento de água, temperatura da cabine e entretenimento a bordo. Esse sistema, aliás, é o mesmo que equipa outras aeronaves Falcon fornecido pela norte-americana Rockwell Collins. Ele funciona bem e se revela muito fácil e intuitivo de se operar.
Em cada poltrona há também o controle individual de iluminação dos assentos, bem como controles para o sistema de entretenimento. As cortinas das janelas são manuais. Em uma aeronave desse porte, com muitas janelas para se abrir e fechar, talvez seja interessante avaliar a instalação de cortinas elétricas controladas remotamente pelo passageiro. Segundo o fabricante, tal opção está disponível para os interessados em adquirir a aeronave como opcional. Também é opcional a instalação de ajuste elétrico das poltronas.
São mais de 30 opções de configuração interna e centenas de outros itens para serem personalizados ao gosto do cliente. Estamos confortavelmente embarcados nove passageiros e três tripulantes para início de nosso voo com aproximadamente duas horas de duração.
Tudo pronto e iniciamos nosso voo. O baixo nível de ruído na cabine impressiona. Mesmo durante a decolagem, é possível conversar sem ter de alterar o volume de nossas vozes com qualquer passageiro sentado na cabine principal.
Derivado do caça Rafale e do Falcon 7X, o sistema digital de controle de voo assegura ao Falcon 8X uma pilotagem suave e precisa por meio dos comandos de voo fly-by-wire e dois sidestick. O controle direcional da roda de nariz é feito pelos próprios pedais da aeronave.
Tão dócil e preciso é o controle de voo com os sidesticks que subimos até cruzar 10.000 pés voando o avião “na mão”, seguindo o vetor da trajetória de voo. Só depois engajamos o piloto automático a fim de reduzir a carga de trabalho. Assim como ocorre em outras aeronaves com sistema sidestick somado ao fly-by-wire, o Falcon 8X conta com o envelope de proteção contra estóis, overspeed e comando brusco. Para fornecer energia, o novo trijato conta com quatro geradores – um para cada motor, mais o do APU, que não pode ser acionado em voo –, duas baterias principais e uma RAT (ram air turbine), que é acionada em caso de total falha elétrica.
Além das mudanças de cabine e motor, o cockpit do Falcon 8X vem equipado com a novidade da plataforma Honeywell Primus Epic, o EASy III, construído em torno de um novo sistema de gerenciamento de voo, o mesmo usado no Boeing 787. O EASy III traz melhorias como um avançado radar meteorológico em 3D, um sistema integrado CPDLC (Controller Pilot Data Link Communication) e duplo HUD (Head-up Display) com a mais nova tecnologia FalconEye, um sistema de visão combinada (CVS) que agrega visão sintética e melhorada através de cinco sensores. Já o autothrottle agora permanece em funcionamento mesmo com um motor inoperante. Completando o novo conjunto de aviônicos EASy III estão dois eletronic flight bags de nova geração com performance da aeronave, cartas Jeppesen, peso e balanceamento, manuais e documentos como Maste r MEL e procedimentos de manutenção.
O sistema de balanceamento automático de combustível é outro destaque que colabora com a redução da carga de trabalho dos pilotos. Os Falcon 7X e 8X dividem a mesma habilitação, sendo necessário apenas dois dias de treinamento para as diferenças.
Após o nivelamento e início do voo de cruzeiro, o nível de ruído diminui mais ainda, pois os motores são colocados no regime de voo adequado ao momento, sendo menos exigidos que durante a subida. A aeronave possui um voo muito liso e confortável. Suas grandes asas absorvem grande parte das ligeiras instabilidades que atravessamos por variação de vento e dificilmente percebermos qualquer desconforto por turbulência.
O deslocamento dentro da cabine também é feito de forma fácil pela grande largura e boa altura no diâmetro interno do charuto. Amplo e confortável, o toalete traseiro já utiliza sistema a vácuo de série (novidade na linha Falcon). Nesta aeronave é possível a instalação até de um chuveiro a bordo para aqueles que não tem tempo a perder e já desejam chegar prontos para seus compromissos no destino. No toalete dianteiro, é opcional a instalação do sistema de vácuo.
Como em todas as aeronaves desse porte, o bagageiro é pressurizado e por esse motivo torna-se possível acessá-lo pela parte interna da aeronave durante o voo. Com um isolamento da cabine principal da terceira zona, o proprietário da aeronave e seus convidados desfrutam de privacidade e conforto enquanto descansam durante as longas jornadas.
O clima e o ambiente a bordo são confortavelmente ajustados para uma sensação de altitude de cabine de 4.000 pés mesmo em níveis de voo elevados. Outro ponto positivo é o controle de umidade a bordo. Juntos, os controles de ambiente permitem que tanto tripulação quanto passageiros não sofram com ar seco e altitudes elevadas.
No aspecto performance, o novo Falcon 8X alcança 6.450 milhas náuticas (11.945 km) com oito passageiros a bordo e voando a Mach 0,80 (850 km/h). Pelas contas do fabricante, fazendo um cálculo rápido e grosseiro, dividindo a capacidade máxima de combustível pela autonomia divulgada, com a capacidade 15.830 kg de querosene, a aeronave queima 2,45 kg por milha voada, o que a deixa mais econômica do que o seu concorrente G550, que queima 2,78 kg por milha voada.
Isso demonstra que a aeronave é 12% mais econômica na média em consumo de combustível e também emite menos gases poluentes na atmosfera. Segundo o fabricante, a economia total no custo operacional direto da aeronave é de 35% em comparação ao concorrente.
Com esse alcance, a aeronave tem capacidade para voos diretos e sem escalas entre São Paulo e Moscou, Auckland e São Paulo, Tóquio e Miami ou Londres para praticamente qualquer cidade do hemisfério norte, por exemplo. Na prática, isso significa qualquer ponto do globo terrestre com no máximo uma parada.
Os três motores ajudam muito nesse cálculo, pois em rotas oceânicas e inabitadas, significa um trajeto mais reto por maior possibilidade de afastamento de pedaços de terra. Os requisitos ETOPS (Extended Twin Engine Operations) não se aplicam a essa aeronave.
Outra vantagem de se ter três motores é que, em caso de pane na decolagem, apenas 33% da potência é perdida e isso diminui os requisitos mínimos para emergências, pois permite-se uma melhor performance nos segmentos de decolagem mais críticos.
Não se pode deixar de mencionar também a performance da aeronave em pistas curtas, como London City, Aspen, Saint Moritz e Cannes. No Brasil, com a tendência das aeronaves saindo dos grandes centros e sendo hangaradas nos aeroportos periféricos do interior, que são dotados de pistas menores, o 8X oferece uma grande gama de opções para operação.
O custo de aquisição dessa aeronave é de aproximadamente US$ 60 milhões. No momento, temos a notícia de alguns operadores Falcon que possuem modelos 2000, 900 e 7X já substituindo suas aeronaves usadas pela nova. Foram 30 aeronaves negociadas desde seu lançamento há dois anos. A Dassault estima produzir 33 aeronaves por ano do modelo.
Pousamos em Congonhas sem contratempos, aproveitando a extensão da pista. A sensação é a de que realmente voamos em uma aeronave que veio para marcar uma sólida posição no mercado.
Fabricante: Dassault Aviation
Ocupantes: 2 pilotos + 8 passageiros
Motores: 3x Pratt & Whitney Canada PW307D, de 29,9 kN cada
Dimensões (ExCxA): 26,29 m – 24,46 m – 7,94 m
Velocidade (Mmo): Mach 0.90
Pesos (decolagem e pouso): 33.113 kg – 28.304 kg
Alcance: 6.450 nm
Teto max. operacional: 51.000
* Publicado originalmente na AERO Magazine 268 · Set/2016