Conheça como funciona o pouso autônomo de aviões

Monomotores da aviação geral incorporam um sistema capaz de pousar o avião de forma autônoma em caso de incapacitação do piloto

Por Paulo Marcelo Soares* Publicado em 21/08/2023, às 14h00

Piper conta com o sistema HALO nos seus monoturboélices M600 SLS - Piper

Antigamente, um sistema de autoland era quase que exclusivo das aeronaves comerciais de grande porte. Com a evolução da tecnologia, muitas aeronaves da aviação de negócios passaram a ter esse sistema instalado, proporcionando uma versatilidade antes impensável aos seus usuários.

Recentemente os Piper M-600, Cirrus Vision Jet, Daher TBM-960 e o Honda Jet Elite II possuem o sistema Autonomi da Garmin. Esse sistema permite que, em caso de incapacitação do piloto, estas aeronaves prossigam o voo até o aeródromo conveniente mais próximo, onde possa ser feito um pouso seguro.

A operação ocorre de maneira inteiramente automática, sem intervenção humana alguma. O sistema não só controla a trajetória da aeronave, mas também realiza mudanças de configuração (abaixamento de flaps e trem de pouso), frenagem após o pouso até a parada total e posterior corte do motor.

Por enquanto, não é um sistema para ser usado em situações normais, apenas em emergências, mas a tecnologia tem evoluído e há boas chances de, no futuro, esse sistema (ou alguma versão mais sofisticada) possa vir a ser certificado para uso em situações em que não sejam de emergência. Será uma revolução que, além de aumentar a versatilidade, poderá vir a proporcionar substanciais ganhos de segurança de voo. 

A incapacitação do único piloto em uma aeronave de pequeno porte não é algo tão raro. Muitos acidentes da aviação geral, aparentemente inexplicáveis, ocorreram por esse motivo.

Em alguns raros casos, um passageiro conseguiu pousar, graças à ajuda de controladores de tráfego aéreo, boa dose de calma e muita sorte. Um recente episódio envolveu uma aeronave Cessna Caravan, na Flórida, nos Estados Unidos, onde um passageiro sem experiência em aviação conseguiu pousar em segurança a aeronave.

Além de contar com as excelentes características de pilotagem da linha Cessna, ele teve ajudas decisivas tanto do pessoal da torre de controle como de um instrutor que o orientou pelo rádio.

O sistema

A Daher instalou o sistema homesafe nos TBM-940 e 960, que pode ser acionado ao toque de um botão - Foto: Jean-Marie Urlacher

 

Há anos, o fabricante de aviônicos Garmin vem desenvolvendo soluções para aumentar a segurança de voo da aviação geral. Uma delas foi a criação do sistema Garmin Autonomi, que integra um conjunto de tecnologias:

HondaJet Elite II é um dos primeiros jatos de negócios a contar com sistema de pouso autônomo

A Piper obteve a certificação FAA em 2020 e a da Easa em 2021 para seu monomotor M-600 SLS com o sistema Garmin HALO, que equipa a suíte de aviônicos G-3000. Além das funções do Autonomi, esta nova suíte engloba autothrottle, sistemas de monitoramento de posição (com aumento da consciência situacional durante o táxi e prevenção de runway incursion) e, o mais surpreendente de todos, o Garmin Autoland, que é capaz de executar um pouso automático, no caso de incapacitação do piloto, e pode ser ativado pelos passageiros, ou automaticamente. Na sequência foram certificados os Daher TBM-940 e TBM-960, o Cirrus Vision Jet e o Honda Jet Elite II.

Como funciona

O coração do sistema é a suíte de aviônicos Garmin G3000. Ele monitora constantemente a atividade do piloto no cockpit, e é automaticamente ativado caso detecte um período extenso sem interação por parte do piloto, uma entrada em atitude anormal ou uma pressão de cabine anormal (indício de uma despressurização). Há ainda a possibilidade de ser manualmente ativado pelos passageiros ao toque de um botão.

Uma vez ativado, o sistema atua nos controles de voo, por meio dos servos do piloto automático. Ele seleciona, em um raio de 200 milhas náuticas, o melhor aeroporto para o pouso de emergência, baseado, entre outros, nos seguintes critérios: disponibilidade de uma aproximação por instrumentos baseada em satélite (GNSS), comprimento de pista, distância/tempo de voo, combustível necessário, relevo e meteorologia. Caso não haja um aeródromo adequado, ele continua a voar em proa e altitude constantes (podendo subir para evitar terrenos/obstáculos), enquanto procura uma solução viável.

O sistema usa um database mundial de terreno para calcular uma rota segura, mesmo em regiões montanhosas, e interpola essa rota com informação meteorológica obtida por meio de datalink de satélite, de modo a evitar áreas com mau tempo. Uma vez decidido o melhor aeroporto, ele escolhe a melhor pista, baseado em seu comprimento (mínimo de 1.200 metros no caso do Piper M600), componente de vento e rota mais rápida.

O código transponder é automaticamente mudado para 7700, para alertar o ATC de que há uma aeronave em emergência. O sistema, então, transmite mensagens padrão na última frequência ATC sintonizada e em 121.5 mega-hertz, anunciando o callsign, a natureza da emergência, as intenções de voo e quais aeródromo e pista foram escolhidos, bem como a distância e a direção estimados para o pouso.

A inteligência artificial procurará evitar espaços aéreos proibidos ou grandes aeroportos localizados dentro de espaço aéreo Classe B. Caso a aeronave esteja em um desses espaços aéreos, procurará pousar em um aeródromo próximo, mas não em um hub congestionado. Como um exemplo, procurará pousar no Fort Lauderdale Executive Airport (KFXE) em vez de tentar um pouso no aeroporto de Miami (KMIA), mesmo que este último esteja mais próximo do que aquele.

Esse não é uma “hard rule” e o sistema sempre vai “ponderar” qual aeródromo é o mais apropriado em função da situação. Caso esteja muito próxima do aeródromo, a aeronave automaticamente voará para um fixo do procedimento e descerá de um circuito de espera, de modo a executar uma aproximação estabilizada. No momento apropriado, os flaps serão baixados e o trem de pouso, estendido (embora os comandos no cockpit não sejam movidos). Durante a aproximação e o pouso, a velocidade vai sendo ajustada pelo autothrottle de acordo com a configuração e a fase do procedimento.

Passageiros

Ao ser acionado o sistema exige mensagens avisando para não tocar nos comandos de voo - Foto: Jean-Marie Urlacher

 

Enquanto o Garmin Autoland pilota a aeronave, na cabine, as telas do painel de instrumentos começam a mostrar aos passageiros informações simplificadas de atitude, velocidade, altitude e posição em relação ao aeroporto escolhido para o pouso.

Há também mensagens avisando para não tocar nos comandos de voo. As informações também são disponibilizadas por voz, através de fones de ouvido e alto-falantes. O sistema foi pensado de maneira que as informações transmitam calma aos passageiros.

Há também uma tela com o ícone de um microfone, que, ao ser tocado, permite ao passageiro se comunicar diretamente com o ATC. O sistema vai avisando de qualquer mudança na configuração da aeronave e dá orientações aos passageiros para que se sentem, afivelem os cintos e guardem todas as bagagens e equipamentos eletrônicos que estejam soltos na cabine. Todas essas instruções são gravadas em uma voz feminina, calma e em linguagem bem clara, acessível para qualquer tipo de passageiro.

A cerca de 12 milhas náuticas do aeródromo escolhido, o sistema vai transmitir mensagens na frequência da torre de controle, do AFIS ou ainda na UNICOM. O sistema é capaz de voar a aproximação final, realizar o flare e até fazer o “decrab” em uma aproximação com vento de través (dentro de certos limites).

Após o pouso, ele aplica automaticamente os freios e mantém a aeronave no eixo da pista até sua parada completa. Com a aeronave parada, o sistema corta o motor e informa aos passageiros quando é seguro desembarcar. Nas telas são mostradas instruções até mesmo de como abrir a porta da aeronave. O sistema ainda transmite continuamente na frequência do aeródromo a informação de que há uma aeronave interditando a pista.

Limitações

Obviamente, esse sistema possui limitações, não substitui um piloto humano e jamais deve ser usado como parte de um voo normal. Ele só deve ser usado em situações de emergência, quando não exista um piloto capaz de pousar a aeronave com segurança.

Não há como seguir instruções de um controlador de tráfego aéreo humano, apenas notificá-lo das ações que estão sendo executadas e intenções. Caso o piloto incapacitado recobre plenamente a consciência e as suas capacidades, o sistema pode ser facilmente desativado. 

Cabe ressaltar que um sistema complexo como esse, só funciona em uma aeronave que esteja em perfeitas condições de manutenção, com todos os componentes do sistema funcionando. Todos os comandos de voo e manetes de potência precisam estar livres e capazes de atuar em seu curso total. Torna-se, portanto, fundamental que o piloto de uma aeronave equipada com este dispositivo, faça um briefing com seus passageiros antes do voo, explicando as características do sistema e, principalmente, como agir e como ativá-lo caso necessário.

A Garmin tem planos para instalar o Autonomi e o Autoland em alguns modelos de aeronaves como um retrofit. Imagino que o leitor esteja se perguntando será que este sistema é o começo do fim dos pilotos humanos. Não creio, mas, certamente, vai trazer finais felizes para algumas histórias que teriam tudo para acabar em tragédia.

Toda iniciativa destinada a trazer mais segurança para a aviação é muito bem-vinda e o sistema Garmin Autoland foi considerado tão importante que arrebatou o Collier Trophy de 2020, um prêmio que é dado àqueles que mais contribuiram para segurança, eficiência e performance da aviação nos EUA.

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