Os detalhes do dia em que a FAB acionou seus caças para perseguir objetos voadores não identificados
Por Rodrigo Moura Visoni Publicado em 14/04/2022, às 16h27
Passavam das 18 horas do dia 19 de maio de 1986 quando o segundo-sargento Sérgio Mota da Silva (1957), operador na Torre de Controle do Aeroporto de São José dos Campos, no interior paulista, comunicou que observara um luzeiro sobre o setor noroeste do aeródromo: “Tem alguma coisa aqui no setor noroeste de São José. Um farolzinho, pô, mas... eu tô olhando bem, o bicho tá parado: nem sobe nem desce, não vai pra esquerda nem pra direita, tá paradinho lá. Não, tô olhando, não é estrela não. É um farol. Não dá... não dá pra distinguir nada, é só um foquinho de luz. Esquisitinho. Tá alto. Agora sumiu na bruma”.
O reporte era apenas o início de estranhos acontecimentos daquela que seria, nas palavras de alguns dos envolvidos, “uma noite de espanto”. O foco luminoso voltou a aparecer menos de dois minutos depois, na mesma posição, mas com um brilho mais intenso. Subitamente, o operador recebeu um telefonema do Centro de Controle de Aproximação de São Paulo (APP-SP) e o interlocutor, após indagar se havia algum tráfego no setor e as condições atmosféricas locais, perguntou sem rodeios: “Você não viu nenhum disco voador não, né?”.
O caso ganharia um dos capítulos mais peculiares da história da aviação brasileira.
Às 21h, um avião Xingu, prefixo PT-MBZ, a 6.000 pés (1.828 metros) de altura, vindo de Brasília, começou a descer para pouso na cidade de São José dos Campos. O operador avisou aos ocupantes do avião da detecção de vários objetos no radar e que estavam próximos, mas não correspondiam a aeronaves conhecidas e solicitou a colaboração no sentido de observar o fenômeno. A bordo do avião estava o presidente da Embraer, Ozires Silva (1931), como comandante, e o copiloto Alcir Pereira da Silva.
Ozires Silva decidiu abandonar o pouso e permanecer vigilante sobre São José dos Campos. Às 21h08, ele e o copiloto conseguiram observar um ponto luminoso que logo desapareceu. Outro ponto, bem visível, similar a uma estrela grande vermelha, surgiu e Ozires Silva decidiu ir atrás do óvni. Durante a perseguição, um novo objeto apareceu e sumiu. Momentos depois, uma luz maior e mais intensa foi vista entre Mogi das Cruzes e São Paulo. No entanto, nenhuma dessas visualizações foi confirmada pelos operadores de radar em São Paulo ou Brasília, este último com capacidade de monitorar boa parte do território nacional.
Sérgio Mota da Silva informou, então, o aparecimento de um objeto aéreo amarelado no setor sudeste do aeródromo. O objeto estava parado e, observado através do binóculo, apresentava contornos bem definidos, sem luzes de navegação, como em um avião ou helicóptero. Quase ao mesmo tempo, Ozires Silva reportou o avistamento sobre Taubaté, próximo de São José dos Campos, mas perdendo-o de vista em seguida. Ao notar novamente o objeto tentou se aproximar, mas este escapou para a Serra do Mar.
Agora com o aparecimento, nos radares de Brasília, assim como de Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo, e da base aérea de Anápolis, as comunicações se intensificaram e, às 21h23, o oficial de sobreaviso do Centro de Operações de Defesa Aérea foi cientificado das ocorrências.
Às 21h39, o major-aviador Ney Antunes Cerqueira solicitou ao oficial de operações no Rio de Janeiro o acionamento do alerta na base aérea de Santa Cruz.
Às 22h10, o controle Brasília foi informado, por um dos operadores do Centro de Controle de Aproximação de Anápolis da detecção, no radar, de um “eco” deslocando-se a baixa velocidade. Isso fez o major Cerqueira decidir pelo acionamento do alerta também na base aérea de Anápolis, às 22h11. A tripulação de um KC-130 ficou a postos para reabastecer os caças em voo, se necessário.
Com a escalada dos casos cinco caças foram enviados ao encalço dos óvnis, sendo dois F-5E de Santa Cruz e três Mirage III de Anápolis.
O primeiro caça, um F-5E (FAB 4848), decolou às 22h34, pilotado pelo primeiro-tenente aviador Kleber Caldas Marinho. Nas comunicações por rádio, a aeronave era referida pelo codinome Jambock 17. O caça decolou com o radar desligado e as luzes de navegação apagadas, sendo orientado a manter-se assim. Voando com velocidade constante de Mach 0,7 (aproximadamente 864,36 km/h), ele foi guiado por um controlador de voo até São José dos Campos, onde havia ecorradares não explicados. Em menos de dez minutos, Marinho fez contato visual com um objeto cintilante e, na maior parte do tempo, branco, mas que por vezes mudava de cor para vermelho e verde. O militar acendeu as luzes de navegação do avião e aumentou a velocidade para Mach 0,95 (aproximadamente 1.170 km/h).
Contudo, a menor distância que conseguiu ficar do objeto foi de 18,5 quilômetros e por breves momentos. Aos 30 minutos de perseguição, avançando sobre o Oceano Atlântico, Marinho comunicou à Defesa Aérea as percepções que tinha do alvo: “Eu estou informando que, aparentemente, não deve ser uma aeronave. Ou um avião, devido à performance dele no que diz respeito à velocidade, e também pelo local que ele está voando”.
Logo depois, o alvo distanciou-se rapidamente e ficou fora do alcance do radar de bordo do F-5, limitado a 37 km, e escapou em direção à África. Durante a tentativa de interceptação, o único instrumento de bordo do caça que deu alguma alteração foi o indicador de situação horizontal (HSI), normalizado após o piloto abandonar a perseguição e voltar para base de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. O pouso em Santa Cruz se deu às 23h37. No total, o voo durou 63 minutos, das 22h34 às 23h37.
O segundo caça, um Mirage III (FAB 4913) e codinome Jaguar 116, decolou de Anápolis às 22h48, pilotado pelo capitão-aviador Armindo Sousa Viriato de Freitas.
Após as devidas transferências de controle, a aeronave foi vetorada para um ponto detectado pelo radar de solo. O piloto, após voar sete minutos a velocidade subsônica, foi informado da detecção de um plote 24 km à frente. O radar do avião também acusou o alvo. Viriato de Freitas apagou as luzes de navegação e tentou a aproximação, conseguindo ficar, aos 18 minutos de voo, a apenas uma milha náutica (1,85 km) do alvo, mas o ponto inexplicavelmente desapareceu da tela do radar do avião. Orientado, Freitas realizou uma varredura de 360° na região, e um novo plote apareceu no radar a 23,15 km de distância. Acelerando para Mach 0.9 (1.110 km/h), o aviador conseguiu reduzir a distância para 18,5 km, mas logo a separação voltou a aumentar, mas logo diminuiu para9,26 km), quando o objeto acelerou bruscamente e se distanciou para 38,89 km, ficando, dessa forma, fora do alcance do radar do interceptador.
O capitão ainda repetiu o feito de ficar a apenas 1 milha náutica de outro avistamento, após acelerar e atingir a velocidade supersônica de Mach 1,05 (1.300 km/h), mas o objeto também acelerou e rapidamente desapareceu. Apesar da proximidade obtida, o piloto nada viu a olho nu.
Perto do fim do voo, frustrado, Freitas perguntou ao controlador se os outros caçadores estavam tendo os mesmos contatos, nas mesmas circunstâncias, o que foi confirmado pelo interlocutor: “Afirmativo. As mesmas condições: tem um contato, chega próximo do contato e o mesmo (sic) aumenta a distância”.
Freitas pousou em Anápolis às 23h46. O voo durou ao todo 58 minutos, das 22h48 às 23h46. Em terra, ele relatou haver verificado, pelo radar de bordo, que alguns dos alvos se movimentaram em ziguezague – manobra impossível para qualquer aeronave conhecida à época. De fato, tal informação encontra respaldo numa das falas dele gravadas com o controlador de voo: “Eu tinha ele... tinha o contato quase no centro do escope e rapidamente passou para a direita”.
As velocidades de fuga dos objetos foram estimadas em Mach 15, ou seja, 18.522 km/h – algo irrealizável ainda nos dias de hoje.
O terceiro caça, um F-5E com prefixo FAB 4849 e codinome Jambock 07 (JB 07), decolou da BASC às 22h50, pilotado pelo capitão-aviador Márcio Brisolla Jordão. Nas comunicações por rádio, o controlador de voo identificou-se como Lince 45 e enviou Jordão para investigar uma série de plotes registrados no radar. Com menos de dez minutos surgiram numerosos tráfegos imóveis à cauda da aeronave, à qual foi comandada uma curva de 180º pela direita, não sendo obtido, porém, nenhum contato visual ou do radar de bordo.
As buscas foram feitas inicialmente no Rio de Janeiro e depois em São José dos Campos, sem que nada de anormal fosse observado pelo piloto, apesar da noite clara, sem nuvens e com uma lua cheia. As detecções eram intermitentes e simplesmente desapareciam com a aproximação do caça ao local indicado. Após meia hora de voo, o capitão notou uma luz vermelha ao longe, a menor altitude e próxima a São José dos Campos. O controlador confirmou detecção. Jordão tentou chegar perto, mas o plote sumiu do radar de solo e a luz apagou momentos depois.
No sul de São José dos Campos, o aviador adentrou uma zona mais sujeita a detecções de plotes, e o radar de bordo passou a apresentar uma série de riscos no escope, conforme informou ao controlador: “Na tela do radar, aparecem uns riscos tarjados assim, meio em diagonal. Não é normal, assim”. O problema persistiu até o avião sair da zona mencionada.
Pouco depois, Jordão avistou uma luz vermelha na linha do horizonte, no sentido do mar. Comunicou à Defesa Aérea e o controlador confirmou o contato, instruindo-o a tentar a interceptação, o que foi feito sem sucesso. Por estar com o combustível baixo o avião retornou para Santa Cruz, pousando à 0h05 de 20 de maio. Ao todo, a aventura durou 75 minutos, das 22h50 à 0h05.
O quarto caça, um Mirage III com codinome Jaguar 98, decolou de Anápolis às 23h17, pilotado pelo capitão-aviador Rodolfo da Silva Souza.
Souza foi guiado por um controlador 1 até as posições estimadas do alvo e por diversas vezes chegou perto ou mesmo passou pelo plote indicado pelo radar de solo. Curiosamente, o contato duplo, do caça e do óvni, era observado apenas pelo APP-AN, jamais pelo COpM 1.
Após algumas tentativas frustradas de interceptação, sem nunca obter contato visual ou pelo radar de bordo, o aviador comentou com o controlador: “Eh... com certeza, se for um alvo real, ele não tá iluminado, ok? Tá... tá escuro, porque... eu tô praticamente visual com o solo.”
Ciente disso, Souza apagou as luzes de navegação do avião; mesmo assim, uma nova tentativa de interceptação não foi exitosa. O caçador recebeu instruções para o regresso. Após o pouso, ocorrido à 0h07, Rodolfo da Silva Souza perguntou aos mecânicos de pista se haviam visto ou ouvido qualquer coisa diferente de um Mirage III sobrevoando a base de Anápolis ou as imediações. A resposta foi negativa. Da decolagem à aterrissagem, o voo durou 50 minutos, das 23h17 de 19 de maio até a 0h07 de 20 de maio.
O óvni demonstrava manobrar de maneira inteligente, evitando o caça. Em certo momento, o controlador percebeu o padrão de fuga adotado e informou ao caçador: “Ok, garoto, o plote está sempre às suas 6 horas, ok? Quando você faz curva, ele tá sempre fazendo curva à sua frente, ele vem pra cima de você, passa na sua vertical em cima ou em baixo – nós não temos condições de detectar a altitude – e fica na sua cauda o tempo todo. Quando você faz curva, ele some da posição e aparece sempre na sua frente”.
O quinto e último caça, outro Mirage III decolou às 23h36, pilotado pelo capitão-aviador Júlio Cézar Rozenberg.
Por três vezes, Rozenberg foi deslocado para interceptar um alvo que estava evoluindo nas proximidades base de Anápolis. Chegou a ficar à distância de 1 milha náutica, sem nunca obter contato radar ou visual. O voo durou ao todo 54 minutos, das 23h36 de 19 de maio de 1986 à 0h30 do dia seguinte.
Após o retomo dos caças, houve reunião com os pilotos e os outros militares envolvidos no episódio para apuração dos fatos. As gravações das comunicações e os vídeos das telas dos radares foram exaustivamente analisados nos dias consecutivos. Ainda durante a análise das evidências, os fatos foram confirmados em uma coletiva de imprensa realizada no dia 23 de maio de 1986 com a presença do próprio ministro da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Octávio Julio Moreira Lima. Em razão dessa coletiva, que durou mais de duas horas, a noite de 19 de maio de 1986 ficou conhecida como a “Noite Oficial dos Óvnis” no Brasil.
Diversas explicações foram aventadas nos dias seguintes para o ocorrido. Um país poderia ter testado o sistema de radar brasileiro utilizando chamarizes, podendo ser aeronaves remotamente pilotadas ou aviões de guerra eletrônica.
Essas explicações, conquanto bem fundamentadas, acabaram descartadas, pois tais artefatos não poderiam se deslocar sem deixar rastro e sem provocar estrondo supersônico. Além disso, os objetos mantiveram-se no ar por muito mais que alguns minutos e nenhuma carga jamais foi recuperada.
Ainda hoje, ninguém soube explicar o que efetivamente ocorreu naquela noite.
* Texto publicado originalmente na edição 301 de AERO Magazine