Em 25 de julho de 2000, um acidente com o Concorde expôs falhas estruturais e marcou o início do fim do transporte comercial de passageiros em voo supersônico
Por Edmundo Ubiratan Publicado em 25/07/2025, às 17h13
No dia 25 de julho de 2000, um Concorde operado pela Air France caiu em Gonesse, nos arredores de Paris, matando 113 pessoas e marcando de forma simbólica o início do fim das operações comerciais do único avião de passageiros supersônico.
O voo 4590, que seguia para Nova York, teve apenas 1 minuto e 28 segundos de duração. Segundo relatório final da agência de segurança da França (BEA, na sigla em francês), o acidente foi causado por uma sucessão de eventos iniciada por um fragmento metálico na pista, resultando em explosão de pneu, rompimento de tanque de combustível, incêndio e perda de controle da aeronave. O acidente ainda expôs falhas estruturais do projeto do Concorde.
A tragédia envolveu o Concorde matrícula F-BTSC, que decolava da pista 26R do Aeroporto Charles de Gaulle às 16h42 no horário local. Durante a corrida de decolagem, o pneu do trem principal esquerdo passou sobre uma lâmina metálica de titânio de 43 centímetros, que havia se desprendido de um DC-10 da Continental Airlines minutos antes. O impacto resultou na explosão do pneu número 2, lançando fragmentos a cerca de 500 km/h contra a parte inferior da asa esquerda.
Parte dos destroços atingiu o tanque de combustível número 5 – entre as nervuras 18‑21 – que estava completamente cheio, com aproximadamente 94% da capacidade máxima. O impacto gerou uma sobrepressão interna estimada em até 200 bar, provocando a ruptura do tanque e o vazamento de combustível em alta pressão. A combustão foi imediata, possivelmente iniciada por faíscas elétricas ou pelo calor dos motores.
Quatro segundos após o impacto inicial, os sistemas do Concorde registraram falha no motor nº 2. Logo em seguida, o controle de tráfego aéreo alertou a tripulação sobre o fogo visível sob a asa esquerda. O Concorde continuou sua decolagem com potência reduzida por falhas no motor nº 2 e não conseguiu atingir altitude ou velocidade adequadas. Aos 61 segundos de voo, o motor nº 1 também sofreu perda de potência. Com centro de gravidade deslocado para trás pela ruptura do tanque, o avião perdeu capacidade de manter a sustentação, entrou em atitude anormal e colidiu com um hotel em Gonesse às 16h43, matando todos os 109 ocupantes e 4 pessoas em solo.
O BEA concluiu que a causa primária do acidente foi a presença do objeto metálico na pista, associado a vulnerabilidades estruturais do Concorde. A investigação revelou que o tipo de pneu utilizado era propenso a desintegração sob impacto, e que os tanques de combustível não possuíam proteção adequada contra estilhaços.
Além disso, a aeronave estava 810 quilos acima do peso máximo permitido para decolagem – na ocasião limitado em 185. 070 quilos – e com o centro de gravidade em uma posição mais traseira que o ideal, o que agravou a instabilidade após a perda de potência de dois motores.
A análise também identificou falha no sistema de recolhimento do trem de pouso, o que manteve o conjunto estendido durante toda a curta trajetória do voo. Isso aumentou significativamente o arrasto e contribuiu para a perda de desempenho aerodinâmico.
Antes do acidente, o Concorde já havia registrado cerca de 70 incidentes de estouro de pneus entre 1979 e 2000. Em ao menos sete casos houve danos estruturais, incluindo vazamentos de combustível e perda de componentes da asa. Apesar do histórico, nenhuma modificação havia sido implementada nos tanques ou pneus da frota. A ocorrência em Paris evidenciou a insuficiência das medidas preventivas e a falta de resposta técnica frente aos incidentes anteriores.
A investigação apontou ainda que a peça de titânio responsável pelo acidente foi instalada irregularmente no reverso do DC-10 da Continental Airlines. A liga metálica não era aprovada pelo fabricante e foi fornecida por um terceiro não certificado. O componente havia sido substituído por técnicos contratados sem documentação adequada e em desacordo com os padrões de manutenção.
Após a divulgação do relatório, a Continental Airlines e um mecânico foram processados na França. Em 2010, o tribunal considerou a companhia e o técnico culpados por negligência e homicídio culposo. A decisão foi parcialmente revertida em 2012, quando a corte de apelação retirou a responsabilidade penal, mas manteve a obrigação de indenização civil.
Como resposta imediata ao acidente, as operações do Concorde foram suspensas por mais de um ano. Durante esse período, foram realizadas modificações nos tanques de combustível, que passaram a contar com revestimento de Kevlar, além da instalação de pneus mais resistentes e reforços na parte inferior das asas.
A frota de Concorde voltou ao serviço em novembro de 2001, mas a combinação de fatores técnicos, custo operacional elevado e queda na demanda após os atentados de 11 de setembro acelerou sua retirada definitiva em outubro de 2003.
O acidente do voo 4590 permanece como o único com vítimas fatais envolvendo o Concorde em mais de 27 anos de operação. Embora o jato tenha mantido índices de segurança superiores à média global, o evento de 2000 revelou limitações de projeto incompatíveis com os padrões contemporâneos de segurança operacional. O caso também provocou revisão nos protocolos de inspeção de pista e impulsionou o desenvolvimento de sensores de detritos em aeroportos internacionais.
Com velocidade de cruzeiro de Mach 2.04 e alcance de 6.300 quilômetros, o Concorde simbolizou a era dourada da aviação comercial. Seu fim definitivo marcou não apenas a interrupção do transporte supersônico de passageiros, mas também o encerramento de uma proposta tecnológica que priorizava velocidade em detrimento da eficiência ou capacidade de transporte. O Concorde embora rápido, carregava apenas 100 passageiros, mas com consumo total similar ao Boeing 747.
Do ponto de vista técnico, o relatório do BEA e seus doze anexos forneceram uma base detalhada sobre os mecanismos físicos envolvidos no rompimento do tanque, a ignição subsequente e as falhas de contenção. O órgão concluiu que a estrutura do tanque cedeu por impacto indireto, via surto de pressão interna, e não por penetração direta do fragmento. Testes conduzidos pelo centro de pesquisas aeroespaciais ONERA confirmaram a hipótese de colapso estrutural por choque hidrodinâmico.
O acidente do Concorde 4590 se tornou um caso de referência sobre vulnerabilidades operacionais e reforçou a importância de protocolos rigorosos de manutenção, padronização de componentes e monitoramento contínuo da integridade das pistas aeroportuárias. A descontinuação do programa, três anos após o acidente, consolidou um marco técnico e simbólico na aviação civil internacional.