AERO Magazine
Busca

Beechcraft, nascida para a aviação executiva

A trajetória de mais de 80 anos da companhia que acaba de ser adquirida pela Textron, aglomerado que já conta com as também norte-americanas Cessna e Bell



Beechcraft 35 Bonanza

Na última semana de dezembro de 2013, a indústria aeronáutica foi surpreendida pela confirmação dos boatos de que a Textron, que detém o controle da Cessna, vai comprar a Beechcraft. Trata-se da mais significativa negociação já realizada no mercado da aviação executiva, pois as duas empresas possuem modelos complementares. No setor dos aviões a pistão, os Cessna TTx, Skycatcher, Skyhawk, Turbo Skylane e Turbo Stationair não são concorrentes dos Beech Bonanza e Baron, e isso ocorre ainda menos no setor dos turbo-hélices, pois o monomotor utilitário Cessna Caravan é uma aeronave totalmente diferente dos bimotores executivos líderes de mercado Beech King Air. Com o negócio estimado em US$ 1,4 bilhão, a Textron passa agora a contar com uma família de aeronaves da aviação geral/executiva composta por 21 modelos básicos, sem dúvida a maior desse mercado em todos os tempos, assim como uma linha de aeronaves para missões especias, derivadas do Caravan e dos aviões Beechcraft, além do monomotor de treinamento militar T-6C Texan II e o avião de ataque leve AT-6 Light Attack. O que ainda não foi definido é o que deverá ocorrer com a divisão da Beechcraft, que se dedica à comercialização dos jatos executivos usados Hawker. A Textron Inc., que atua nos mercados de defesa, indústria e finanças, também conta com a Bell Helicopter em seu portfólio, assim como Jacobsen, Kautex, Lycoming, EZ-GO, Greenlee e Sistemas de Textron.

A Cessna é a empresa com maior presença global na aviação geral. Desde a sua criação em 1927, a empresa criou, produziu e entregou cerca de 200.000 aviões em todo o mundo, incluindo 6.500 jatos executivos Citation, a maior frota de jatos executivos do mundo. Hoje, a Cessna tem duas principais linhas de negócio: vendas de aeronaves e serviços de pós-venda. A primeira inclui os jatos executivos Citation, os monomotores turbo-hélice Caravan, além dos modelos com motores a pistão. Em 2012, a Cessna entregou 571 aeronaves, incluindo 181 jatos executivos Citation, e registrou uma receita de US$ 3,1 bilhões.

A Beechcraft projeta, constrói e fornece apoio a aeronaves versáteis e de renome mundial, incluindo os turbo-hélices King Air, os Baron e Bonanza de motor a pistão, e os turbo-hélices militares T-6 Texan II de treinamento e AT-6 de ataque leve. A empresa vinha desde 2008 passando por graves dificuldades, saiu do processo de falência em fevereiro de 2013 e, desde então, buscava urgentemente compradores para a divisão de aviões civis, onde vinha acumulando sérias dividas.

Staggerwing, o belo

Em atividade desde o início da década de 1930, a Beechcraft já construiu mais de 54.000 aviões e pelo menos 36.000 continuam voando até hoje. Ela lidera a indústria com uma rede global de mais de 90 centros de serviços de fábrica próprios e autorizados. A sede da empresa e as principais instalações de fabricação estão localizadas em Wichita, no estado do Kansas, nos Estados Unidos. A empresa foi uma divisão da Raytheon de 1980 a 2006 , quando se tornou uma marca da Hawker Beechcraft, voltando a ser novamente uma companhia independente em fevereiro de 2013, pouco depois de ter completado 80 anos de existência.

O Beechcraft C90 GTx é o menor dos ­ turbo-hélices da família King Air

A Beech Aircraft Corporation foi fundada em 1932 por Walter H. e Olive Ann Beech. O primeiro Beechcraft produzido foi o Modelo 17 “Staggerwing”, o Beechcraft biplano clássico desenvolvido especialmente para o executivo. O avião provou ser mais rápido do que os caças militares da época, ganhando muitas corridas aéreas, e ainda é um dos mais belos aviões já construídos.

Em 1937, a Beech introduz o Model 18 “Twin Beech”, que representou para a aviação executiva o que o DC-3 foi para as companhias aéreas. Produzido até 1970, nesses 33 anos, a fabricação contínua do Model 18 foi recorde até ser superada pela do Beechcraft Bonanza.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a Beechcraft produziu cerca de 7.400 aviões para as forças armadas dos Estados Unidos e seus aliados. Estima-se que 90% de todos os bombardeiros e navegadores do Corpo Aéreo do Exército dos EUA tenham sido treinados e transportados em aeronaves AT-7, AT-11e C-45 – derivados do modelo Beechcraft 18.

Cauda em V

Após a guerra, em 1947, foi introduzido o modelo Beech 35 Bonanza, com a sua característica cauda em “V”, quase ao mesmo tempo em que a Cessna lançava o modelo 195. Mas, enquanto este era um avião de asa alta, trem de pouso fixo e motor radial, o novo Beech era um monomotor executivo de alto desempenho, asa baixa, motor em linha e trem retrátil. O seu recorde de produção continua até hoje, como G36 com cauda convencional.

Em 1950, Olive Ann Beech foi nomeada presidente e CEO da companhia, após a morte do seu marido, em 29 de novembro daquele ano, e continuou no cargo até a empresa ser adquirida pela Raytheon Company, em fevereiro de 1980. Até essa aquisição, foram projetados vários modelos, alguns esquecidos, outros pouco conhecidos e alguns produzidos até hoje, como o Baron e a família de turbo-hélices King Air. Muitos deles tiveram versões militares usadas atualmente.

A família Musketeer, que esteve em produção entre 1963 e 1983, era composta por monomotores leves de asa baixa, entre eles o Model 19 Musketeer Sport, os Model 23/24 Musketeer Custom, Sundowner e Super III, além do modelo com trem de pouso retrátil Model 24-R.

O Model 34 Twin Quad foi o protótipo de um avião comercial projetado e construído pela Beechcraft no período entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra da Coréia. Foi um dos tantos projetos deenvolvidos pelos fabricantes norte-americanos que previam o boom da aviação comercial no pós-guerra, mas, como a maioria, não passou da fase de protótipo, em função dos altos custos de desenvolvimento, comparado aos preços dos milhares de transportes excedentes de guerra em excelentes condições. O Modelo 34 era um avião de asa alta, trem de pouso retrátil e cauda em V para 14 passageiros. Ele voou entre 1947 e 1949.

Bonanza bimotor

Pouco depois foi produzido o Model 40, um único Bonanza biomotor e, posteriormente, o Model 50 Twin Bonanza, que, apesar do nome, era um utilitário bimotor que nada tinha a ver tinha com o já famoso monomotor. Os Model 55, 56 e 58 Baron foram utilitários bimotores de alto desempenho derivados do Model 95 Travelair, que era, por sua vez, um desenvolvimento do B33 Debonair. O Model B58 Baron, de 1961, foi o verdadeiro Bonanza bimotor, pois dele usava sua fuselagem e hoje é um dos aviões mais populares da sua classe.


Beechcraft D17 Staggerwing

O staggerwing era mais rápido do que caças da época, vencendo várias corridas nos anos 1930

Os últimos aviões com motor a pistão projetados pela Beechcraft foram o Model 60 Duke, um bimotor com trem triciclo e cabine pressurizada – os dois motores eram turboalimentados e também pressurizavam a cabine; o Model 76 Duchess, a versão bimotor do Musketeer; o Model 778 Skipper, um monomotor  de trem triciclo fixo e dois lugares usado para treinamento; e o Beechcraft Queen Air, que foi um bimotor leve produzido em várias versões entre 1960 e 1978. Os Model 65, 78, 80 e 88, que compartilhavam diversos componentes do Twin Bonanza, como asas, motores e empenagem, mas com uma fuselagem maior, serviram de base para a bem-sucedida família de turbo-hélices King Air.


Beechcraft Baron G58

Os King Air foram os primeiros aviões da sua classe e vem sendo produzidos continuamente desde 1964

Nascem os King Air

No início da década de 1960, surgiram os turbo-hélices da Beechcraft. O Model 90 King Air foi concebido em 1961 e a Beechcraft iniciou os testes de voo do conceito, um Queen Air modificado com motores Pratt & Whitney Canada PT6A-6. A linha King Air compreende vários modelos que foram divididos em duas famílias. Os modelos 90 e 100 eram conhecidos como King Air, enquanto os Model 200 e 300 foram originalmente chmados de Super King Air, com o “Super” eliminado pela Beechcraft em 1996 (embora continue sendo usado para diferenciar as series 200 e 300 de King Air, dos modelos menores).

O Beechcraft Model 99 Airliner ou Commuter 99 é um bimotor turbo-hélice não-pressurizado para 15/17 passageiros, que usa as naceles de King Air, asas de Queen Air e os subsistemas dos dois. Uma dessas aeronaves voou na Varig entre agosto e dezembro de 1968 com o prefixo PP-VDY. Produzida para substituir o Beech 18 entre 1966 e 1975, e entre 1982 e 1986, foi complementada – no início dos anos 1980 – pelo Model 1900, derivado do Super King Air 200, para 19 passageiros e destinado a concorrer com o Swearingen Metro e o British Aerospace Jetstream. Os modelos 1900 C e D (este com a fuselagem mais alta) são muito populares nas companhias aéreas regionais dos Estados Unidos. No Brasil, um 1900C voou por cerca de quatro meses, em 1994, na Pantanal Linhas Aéreas, com o prefixo PT-MFD.

Ainda no setor dos turbo-hélices, a então Beech Aircraft Corporation foi resposável pelo desenvolvimento, em 1979, de um dos projetos mais controvertidos do mercado de aviação executiva, o Model 2000, ou Beechcraft Starship. Talvez muito avançada para sua época, a aeronave, que voou em 1986, tinha configuração canard, derivas nas pontas das asas, os dois motores na configuração pusher (como o Piaggio) e estrutura de compósitos de fibra de carbono. O programa foi adiado várias vezes, o protótipo foi sucateado, até que, finalmente, 53 exemplares foram construídos. Hoje há menos de 10 em voo nos estados Unidos e vários estão preservados em museus.

Os King Air foram os primeiros aviões da sua classe e têm estado em produção contínua desde 1964, superando em vendas todos os seus concorrentes combinados. Os atuais modelos enfrentam a concorrência dos jatos da categoria leves, assim como dos novos turbo-hélices Piaggio P180 Avanti, Piper Meridian, Pilatus PC-12 e TBM850.


Beechcraft C-45

Os jatos Beech

Dois jatos levaram o nome Beechcraft: o Beechjet 400, que, na realidade, era a aeronave japonesa Mitsubishi MU-300 Diamond, cujos direitos de produção foram adquiridos pela Beechraft Aircraft Company, mas, em 1993, a Raytheon adquiriu a linha de jatos Hawker da British Aerospace e o Beechjet 400 foi rbatizado Hawker 400. O segundo foi o Premier, que é um jato leve desenvolvido pela divisão Beechcraft da Hawker Beechcraft e foi projetado para concorrer com a família Cessna CitationJet. A versão básica Premier I voou em 2001. Ela foi seguida pela versão IA, com novo interior e sistemas melhorados, que evoluiu para o Premier II, com novos motores e pontas de asa, além de maior alcance. A aeronave passou a ser chamada de Hawker 200, em outubro de 2010.

Em 1994, a Raytheon fez a fusão da Beechcraft com a linha de produtos Hawker que havia adquirido, em 1993, da British Aerospace, formando Raytheon Aircraft Company. Em 2002, a marca Beechcraft foi revivida para designar as aeronaves produzidas em Wichita e, em 2006, a Raytheon vendeu a Raytheon Aircraft à Hawker Beechcraft.

A falência da Hawker Beechcraft em 3 de maio de 2012 levou ao surgimento, em 16 de Fevereiro 2013, de uma nova organização, a Beechcraft Corporation, eliminando o nome Hawker Beechcraft. A nova e muito menor empresa está agora produzindo a linha de aeronaves King Air – King Air C90GTx, King Air 250 e King Air 350i – os aviões a pistão G36 Bonanza e G58 Baron, assim como as aeronaves militares T-6 de treinamento e AT-6 de ataque. A linha de jatos foi interrompida, mas a nova empresa continuará a apoiar o avião já produzido com peças, além de engenharia e documentos de aeronavegabilidade. O contrato dá à Textron acesso a projetos, patentes, suporte, clientes e demais patrimônios da Beechcraft, incluindo o dos jatos. Resta saber o quanto da linha Hawker vai interessar à Cessna, em termos de projeto, inovação e tecnologia, considerando o know-how já adquirido pela empresa com o desenvolvimento dos atuais Citation.

Por Santiago Oliver
Publicado em 29/01/2014, às 00h00 - Atualizado em 11/11/2014, às 11h34


Mais História