Encontro celebra os 70 anos do fim da Segunda Guerra e alia ao agradável clima do sul da Flórida novidades tecnológicas e muitos aviões
Por Philip Yancovitz, de Lakeland Publicado em 11/06/2015, às 00h00
North American P-51 Mustang
Mesmo para quem trabalha com aeronáutica, a visão de Sun ‘n Fun impressiona. Realizada anualmente em Lakeland, uma pequena cidade no condado de Polk Coutry, a reunião de entusiastas aeronáuticos revela-se peculiar. No agradável clima do sul da Flórida, os visitantes simplesmente encontram amigos, que podem chegar por ar ou terra. Não importa se você chega a bordo de um clássico Beechcraft Model 18, um imponente Douglas DC-3, um moderno RV-10 ou num carro alugado, será um dos membros da festa.
Ao caminhar pelo pátio é possível ver de perto alguns clássicos como o Cessna 150, dezenas de versões do Beechcraft Bonanza, belíssimos Lockheed Model 12 e inúmeras estrelas, como Douglas DC-3, North American T-6 e T-28 Trojan, Vought F4U Corsair e Boeing B-17 Flying Fortress. Neste ano de 2015, exatos 70 desde o fim da Segunda Guerra, os warbirds tiveram um destaque ainda mais especial.
Sun ‘n Fun é realizada no Lakeland Linder Regional Airport, que fica localizado próximo a grandes centros como Tampa e Orlando. Categorizado como reliever airport pelo National Plano of Integrated Airport Systems, o KLAL possui um tráfego anual superior às 80.000 operações. Quem não convive com a realidade americana pode se surpreender com a facilidade como os organizadores coordenam as aeronaves do encontro com a operação cotidiana do aeroporto.
Pela primeira vez nos EUA, o Brietling Jet Team com seus L-39 Albatros
KLAL surgiu na década de 1930 como um pequeno aeroporto regional. Com a guerra tomando grandes proporções na Europa, o Departamento de Guerra dos EUA alugou suas instalações, melhorou três pistas existentes e criou uma grande infraestrutura para apoiar as operações. Inicialmente, o aeroporto foi um centro de apoio de MacDill Field, perto de Tampa. O objetivo foi treinar milhares de pilotos nas novas instalações enquanto a base principal se dedicava a missões de grande escala. Hoje, quase sete décadas desde a vitória dos Aliados, veteranos e entusiastas ainda mantêm viva a memória dos que lutaram pela paz na Europa.
Durante o encontro, no dia 22 de abril (coincidentemente o Dia da Aviação de Caça no Brasil), um B-25J Mitchell do Texas Flying Legends foi escoltado por quatro North American T-6 Texan e quatro Yak 52 em homenagem ao legado de Lakeland e MacDill para o sucesso dos Aliados na Guerra. O tributo foi um dos pontos altos da feira, pela comoção que causou. De acordo com John Schueler, presidente do Tampa Bay Defense Alliance, um dos desafios da organização foi manter o segredo até o último instante. “Tivemos o desafio de manter este segredo, o que era difícil por conta dos caminhos necessários, com coordenações das aéreas envolvendo FAA, MacDill AFB, Aeroporto Internacional de Tampa e Sun ‘n Fun”.
Os Thunderbirs, da força aérea dos EUA, também homenagearam os 70 anos do fim da Guerra. Os lustrosos F-16 azul, vermelho e branco trouxeram à flor da pele este orgulho americano, a sua força aérea.
B-25J Mitchell do Texas Flying Legends
Mais um destaque desta edição de 2015 foi o show do Breitling Jet Team, que se apresentou pela primeira vez nos Estados Unidos. O time acrobático francês é composto por uma esquadrilha de sete Aero L-39 Albatros, o pequeno treinador tcheco de alta performance. A apresentação conta com um repertório de elevada perícia, com as aeronaves voando menos de 3 m umas das outras acima de 690 km/h. Durante esse início do tour nos EUA, que começou em Sun ‘n Fun, o Breitling Jet Team realizou voos próximos ao Kennedy Space Center, o ninho da NASA, um dos orgulhos da Flórida e do povo americano.
Mesmo as aeronaves clássicas e os caças sendo as estrelas mais famosas da festa, a aviação geral, tanto experimental quanto leve, representa uma das razões de ser da maior parte desses encontros. Caminhando ao lado de clássicos era possível notar a presença maciça de modelos modernos construídos em compósito e com o estado da arte em motorização e eletrônica embarcada.
Cirrus e Cessna travam uma disputa boa para os consumidores. A Cirrus mostrou algumas evoluções em sua família de aviões. A mais visível é o painel totalmente digital, com a substituição dos instrumentos analógicos de standby por uma tela tudo em um, que reúne horizonte artificial, velocímetro e altímetro. A substituição deixou o painel mais limpo, ainda que o sistema adotado pela Cirrus seja um pouco mais difícil de ser lido do que o ESI-1000 L-3 Trilogy, do Cessna TTx.
Ainda sobre a Cessna, o início das entregas do TTx fez a Cirrus se movimentar em algumas questões que eram quase sagradas. O SR22 Turbo agora conta com um motor Continental TSIO-550-K Turbocharged no lugar do anterior IO-550-N Turbonormalizing. A diferença básica é que o primeiro é um motor turbo de fábrica, enquanto o segundo um motor aspirado que recebia um kit turbo da Tornado Alley.
Sun ‘n Fun continua evidenciando o futuro da aviação leve com a popularização dos motores ciclo-diesel, que utilizam Jet A-1. Inicialmente, o uso de tais motores era visto com desconfiança pelo setor, ficando restrito aos experimentais ou modelos “exóticos” desse lado do Atlântico, como o DA-42 da austríaca Diamond. A SMA Engines, da França, tem obtido bons resultados com seus motores SR305-230 (quatro cilindros) e SR430 (6 cilindros biturbo). Tanto que a Cessna, conhecida por ser avessa a inovações muito radicais, apostou no emprego do ciclo-diesel e lançou o Turbo Skylane JT-A. Derivado direto do Cessna 182 Skylane, o JT-A emprega um motor SMA SR305-230E-C1 de 227 shp, que oferece um desempenho similar ao de seus pares a gasolina, com a vantagem de oferecer uma economia da ordem dos 40% e um TBO de 2.400h. Outra vantagem é a operação simplificada e mais silenciosa, tudo sem comprometer a versatilidade do Skylane.
Quem também acredita nessa tecnologia é a Glassair, um pequeno fabricante de LSA de Arlington, WA. Para os clientes que desejam construir seu próprio Sportsman, com supervisão da fábrica, existe a opção do motor Continental CD-155 diesel, de 155 hp. Segundo o fabricante, o CD-155 possui estágio único, exhaust-driven turbocharger e controle por FADEC (Full Authority Digital Engine Control), o que permite ao piloto definir a qualquer momento potência máxima desejada enquanto o sistema eletrônico realiza o ajuste correto do motor. Nos primeiros testes, o Sportman voando com 60% de potência consumiu 5 galões por hora, o que representa uma autonomia (com tanque cheio) de 5 horas, além da reserva de 1h, ainda com disponibilidade de payload de 840 lbs.
Os motores elétricos também estão se tornando uma realidade, chamando atenção de grandes construtores. Recentemente, a alemã Siemens testou com sucesso um modelo que pesa apenas 50 kg e pode produzir 260 kW (348 hp) de potência a 2.500 rpm, o que representa 5,2 kW por quilograma, feito considerável. Entre as soluções que permitiram tal marca está o uso de um estator feito numa liga cobalto-ferro que oferece elevada capacidade magnética. Os imãs foram montados numa configuração halbach, que concentra o fluxo energético em um lado da pilha dirigindo com eficiência o curso magnético mesmo com o emprego mínimo de material.
Os motores do Solar Impulse 2, tido como inovador nesse segmento, geram 7.5 kW cada. Ainda que com pequena potência, o sucesso do Solar Impulse 2 também é ligado às tecnologias de construção, que se tornam cada dia mais eficientes. As asas com mais de 72 m de envergadura foram construídas numa liga de fibra de carbono quase três vezes mais leve do que o papel e empregam uma tecnologia similar à utilizada no iatismo de competição. Por possuir uma asa leve foi possível instalar uma pele com 17.000 células solares de apenas 135 mícrons de espessura e protegidos por uma película de copolímero de flúor. As baterias de polímero de lítio de alta densidade pesam 633 kg e permitem uma autonomia de voo sem precedentes.
Chegar a Sun ‘n Fun é presenciar o ápice da tecnologia, com aeronaves elétricas e construídas com compósitos que não existiam sequer nas mentes mais brilhantes quando os imponentes B-25 e B-17 cruzavam o céu da Europa contento o avanço do Eixo. Mesmo com uma aviação tão distante uma da outra os visitantes contemplam a harmonia de universos tão próximos. A cada ano o encontro de Lakeland promete reunir ainda mais tecnologia e diversão sob o sol forte da Flórida.