A bordo de um F-16 do esquadrão de demonstração aérea da Força Aérea dos Estados Unidos, experimentamos no corpo a pressão das manobras acrobáticas de um caça
Texto e fotos Edmundo Ubiratan, de Oshkosh Publicado em 02/10/2014, às 00h00 - Atualizado em 03/10/2014, às 00h24
Quem já visitou o oeste e o noroeste dos Estados Unidos provavelmente já observou enormes esculturas entalhadas em troncos de árvores, os Totem Poles, peças feitas em homenagem a um lendário pássaro cultuado por diversos povos indígenas da América do Norte, o thunderbird. Pelas crenças ancestrais locais, esta grande ave cria tempestades e trovões enquanto voa. Não por acaso a mitológica criatura empresta seu nome ao time acrobático da força aérea norte-americana, oficialmente USAF Air Demonstration Squadron – Thunderbirds. A história dos Thunderbirds remonta ao 30th Bombardment Squadron, criado em junho de 1917, que, até ser desmobilizado e dar origem ao time acrobático, combateu nas duas grandes guerras, incluindo campanhas no Pacífico e posteriormente na operação de bombardeiros B-47 Stratojet e B-52 Stratofortress. Os Thunderbirds surgiram como time acrobático em 1953, originalmente designado como 3600th Air Demonstration Unit, e tiveram como primeira sede a Base Aérea de Luke, no Arizona. Atualmente, o time está baseado na também “mitológica” base aérea de Nellis, em Nevada, onde está o chamado NTTR (Nevada Test and Training Range), conhecido na cultura popular por Área 51. No momento em que o time voltou a fazer shows aéreos pelos EUA, AERO Magazine recebeu da USAF um convite para embarcar em dos F-16D do grupo, o Thunderbird #8.
A sensação é estranha. Em instantes, voaremos com um dos mais importantes esquadrões de demonstração aérea do mundo. Somos recebidos pelo Thunderbird #12, o major Darrick Lee, oficial de relações públicas, que nos dá as boas vindas e apresenta brevemente a história da unidade. O Thunderbird #8, major Michael Fisher, que é piloto avançado e narrador, será o responsável por nosso voo. O major Fisher é de Washington e está na USAF desde 2002, com pelo menos 2.000 horas de voo, sendo mais de 400 delas em combate, no F-16C. Em sua carreira acumulou diversas funções, como a de instrutor de F-16 no 310th Fighter Squadron, sediado na base aérea de Luke, justamente o ninho original dos Thunderbirds.
O major Fisher nos apresenta ao F-16D e transmite uma série de informações importantes para o voo, como procedimentos de emergência, exercícios de respiração, restrições durante o voo e assim por diante. Já com o macacão de voo, recebemos as instruções sobre o funcionamento tanto do traje quanto da máscara. Para quem já voou em aeronaves de caça, sabe que a indumentária completa é incomoda e quente, especialmente sob o canopi.
Já a bordo, o major auxilia nos procedimentos para prender o cinto e vestir o capacete e a máscara enquanto alerta para os procedimentos de ejeção. “É uma instrução de rotina, vamos voar sem contratempos”, garante o militar, confiante. Após o briefing, seguro de que tudo está preso e funcionando, o piloto assume seu posto no assento dianteiro, iniciando os preparativos para o voo. Aguardando a equipe de solo prestar a assistência necessária para o acionamento do F-16, relembro cenas do filme “Águias de Aço”, com seus F-16 pilotados por adolescentes. Se a história em nada condizia com a realidade, as tomadas aéreas com os Fighting Falcon em ação justificavam a torcida pelo coronel “Chappy” Sinclair.
A GPU (Ground Power Unit) é acionada e fornece a energia elétrica necessária para iniciarmos o procedimento de partida. Com canopi fechado e travado, ouço o ronco característico do motor acionando, seguido de um estridente ruído interno, que é parcialmente abafado pelo protetor auricular e pelo capacete. Ainda assim, é alto o bastante para fazer o coração disparar. Embora o F-16 possa decolar em menos de cinco minutos após o acionamento, os procedimentos são mais lentos por se tratar de um voo de demonstração. São intermináveis minutos parados com o motor acionado para realização de todos os checks, até que, finalmente, o avião rompe a inércia e iniciamos o táxi. Em menos de dois minutos, estamos alinhados e prontos para decolar.
Manetes à frente, freio acionado, ruído interno extremamente alto e o F-16 mostra que está pronto para mostrar suas garras. Mal o freio é solto e estamos acelerando incrivelmente pela pista, rotate, gear up, segura, “decolagem americana”, fim da pista... O corpo parece desmontar: uma aceleração descomunal e subimos na vertical, meio looping, o mundo está ao contrário. Voltamos ao normal enquanto novamente a força da gravidade impõe-se sem piedade. Diferente das aulas de cargas g+ e g- que temos na escola, ao vivo o corpo sente o que a mente aprendeu.
Iniciamos um voo de cruzeiro. Em um caça a sensação é a de ter quase meio corpo para fora, já que do ombro para cima existe apenas uma bolha, o que permite aos ocupantes admirar a vista num ângulo de 180o. Uma curva de média e vemos as asas do F-16 realmente inclinadas. O motor enche e compensa a menor sustentação. Curvas lentas permitem contemplar uma bela vista do interior dos Estados Unidos, muito diferente da imagem de cidades como Nova York, Chicago ou Los Angeles.
Voo tranquilo, sem nenhuma surpresa até aqui. Eis que o ronco do motor aumenta, aceleramos ainda mais, smoke on, horizonte na vertical. A máscara empurra o ar para dentro dos pulmões. O mundo está invertido e rapidamente voltando ao normal, completamos o looping. Mas o horizonte teima em não ficar alinhando, o chão está do lado esquerdo, em cima, agora pula para a direita, parece que volta a ficar sob nossos pés. Estranhamente volta a mudar de posição e resolve permanecer sobre o canopi. Estar preso no cinto de segurança vendo uma bolha transparente sobre a cabeça exige plena confiança no fabricante daquelas tiras de nylon. Incomum ver o mundo ao contrário, mais incomum, ainda, é vê-lo girando rapidamente.
Voltamos ao voo nivelado. O ruído interno aumenta novamente, curva para direita e ficamos “na faca”, sustentados basicamente pela força do motor. Incrível como o F-16 tem sobra de potência... Motor a pleno, e subimos na vertical, giro, giro, mais um giro, outro giro, perco a conta, e a orientação espacial. Estou de cabeça para baixo? Não, estamos voando reto nivelado.
Após demonstrar toda a capacidade do F-16 e suas habilidades, o major Fisher anuncia que estamos chegando ao final do voo. O corpo cansado por não estar habituado a voos de alta performance parece brigar com o desejo de “quero mais”. Fica claro por que os americanos vibram ao ver os Thunderbirds surgindo no horizonte. O esquadrão representa com fidelidade o legado da força aérea americana e honra o pássaro do trovão.