Voo abaixo do nível do mar

Com a tradição e o avanço tecnológico de sua indústria aeroespacial, Holanda já promove testes de túnel de vento do jato militar Embraer KC-390, em desenvolvimento, e busca mais parcerias com o Brasil

Jorge Filipe Almeiida Barros, Dos Países Baixos Publicado em 29/01/2013, às 09h55 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45

O Brasil recebeu no fim de 2012 a visita de uma missão comercial da Holanda, liderada por membros da família real. Estiveram aqui o príncipe Willem-Alexander e a princesa Máxima, acompanhados de aproximadamente 100 empresários de vários setores da economia dos Países Baixos. A visita de comitivas holandesas ao Brasil vem se tornando frequente nos últimos anos, já que eles são o nosso sexto parceiro comercial mais importante. E o motivo atual é a busca de oportunidades crescentes em nosso mercado, especialmente nos segmentos de agricultura, reciclagem de materiais, energia renovável, infraestrutura de estádios para a Copa e Olimpíadas, além do segmento aeroespacial. Um pouco antes, um grupo de jornalistas brasileiros visitou a Holanda a convite do seu Ministério da Economia, Agricultura e Inovação. Única revista brasileira de aviação convidada, AERO Magazine acompanhou a visita. Os temas eram diversos e o tempo, exíguo. Mas chamou a atenção as boas condições do país em termos de infraestrutura, turismo e educação.

As ruas de Amsterdam encantam pela sua diversidade de modelos de ocupação urbana e mobilidade. Sobrados medievais se espremem em vielas estreitas, abertas às margens dos diversos canais que cortam a cidade. Centenas de bicicletas estacionadas em frente deixam clara a opção de mobilidade pessoal escolhida. E os canais abrigam uma variedade de atividades. Desde barcos de turismo, que apresentam aos visitantes a experiência dos canais, à logística da cidade, que também se vale deles. E as pessoas podem até morar em seus barcos, desde que atracados em algum ponto autorizado pela Prefeitura. A partir do século 17, a Holanda passou a ocupar terras que estavam submersas, mantendo as águas distantes por meio de um sistema de diques. Diz-se por lá que a conquista de terras não ocorreu pelas guerras, mas pela luta contra as águas. Ao que parece, estão vencendo, já que hoje mais de 40% do país é composto por terras novas, abaixo do nível do mar.

VELOCIDADE DE AR
Um dos segmentos tecnológicos consolidados na Holanda é a indústria aeroespacial. Visitamos algumas das mais importantes empresas de desenvolvimento desse setor. A primeira foi a DNW - Gernan-Dutch Wind Tunnels, na cidade de Flevoland. Uma fundação sem fins lucrativos que pesquisa e ensaia soluções para a indústria aeronáutica. Formada pela união da German Aerospace Center - DLR, da Alemanha, e o Dutch National Aerospace Laboratory - NLR, da Holanda, a empresa realiza ensaios de certificação aeronáutica para clientes do mundo todo. Possui, ao todo, onze túneis de vento, instalados em suas unidades na Alemanha e Holanda. O que visitamos foi desenvolvido para ensaios que exigem grandes volumes de ar, fluindo em velocidades subsônicas. Nele são testados sistemas de propulsão, como motores a jato, aerodinâmica de aeronaves e espaçonaves, helicópteros, trens de pouso, componentes diversos e até caminhões. Pode ser configurado para um vão livre de até 9,5 metros por 9,5 metros e produz velocidades de ar de até 550 km/h, numa configuração de vão menor. Nos testes, são avaliados modelos em escala reduzida em parâmetros de vibrações, ruídos, arrasto parasita e outros.

As instalações ocupam o espaço de um estádio de futebol e o "fan" que impulsiona o ar tem 12 m de diâmetro, com um motor elétrico que desenvolve 12,65 megawatts de potência. Em 2009, o grupo assinou um acordo de cooperação com a Embraer, que previa o apoio à empresa brasileira no desenvolvimento de técnicas avançadas de testes em túneis de vento para a nova aeronave militar de transporte e reabastecimento em voo KC-390. O príncipe herdeiro Willem-Alexander e a princesa Máxima da Holanda apresentaram o videoclipe oficial desse teste aerodinâmico na visita a São Paulo. Segundo os projetistas, o novo modelo de túnel de vento Embraer KC-390 é uma atualização de um modelo mais antigo que fora testado no passado (https://youtu.be/9j6sY4QsHOQ). No teste atual, explica o fabricante, houve a simulação do sistema de reabastecimento durante o voo junto com o teste de carga útil com paraquedas. Além disso, várias técnicas de medição foram desenvolvidas e usadas para examinar fenômenos específicos, como a velocidade de escoamento. O link do ensaio, intitulado "Embraer KC-390 - The Ultimate Wind Tunnel Test", é o https://www.youtube.com/watch?v=m-YXCC_9hEg. Outro vídeo dos ensaios do novo modelo KC-390, o "Embraer, Making of the KC-390 Wind Tunnel Model", está publicado no endereço https://www.youtube.com/watch?v=9j6sY4QsHOQ&feature=player_embedded). Mais informações sobre a DNW podem ser obtidas no link http://www.dnw.aero/llf/.

A visita se estendeu à Dutch National Aerospace Laboratory - NLR (http://www.nlr.nl/), no mesmo sítio, onde estão sendo testadas soluções para o segmento aeroespacial, civil e militar. Entre os produtos já desenvolvidos pelo laboratório holandês estão sistemas de controle de tráfego aéreo para grandes aeroportos, ligas de materiais compostos para estruturas de aeronaves, sistemas de redução de ruídos em aviões e helicópteros, avaliação de requisitos de competências de pilotos de linha aérea e sistemas paperless (sem papel) de operação em Torres de controle. A empresa participou ativamente na pesquisa e nos ensaios de materiais compostos para a Airbus, inclusive as partes que compõe a fuselagem do A380. No momento da visita, seus interlocutores confirmaram o interesse que a empresa tem em estabelecer parcerias com universidades brasileiras.

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VISITA À FOKKER
Também visitamos a Fokker Technologies, instalada no município de Hoogerheide. A empresa é remanescente da Fokker Aircraft, que interrompeu sua produção de aeronaves em 1996. Atualmente, ela se divide em dois segmentos de atividades. A Fokker Elmo pesquisa, desenvolve e produz sistemas de fiação e cabeamento elétrico ou eletrônico para aeronaves. Partes pouco notadas em aeronaves, os chicotes podem agrupar quilômetros de fios, e precisam ser projetados de forma a não sofrerem desgastes mecânicos ou térmicos, interferências eletromagnéticas, além de apresentarem peso mínimo possível. A linha de produção é totalmente manual e operada apenas por mulheres. Segundo Adriaan Leyte, vice-presidente de Marketing e Vendas, as mãos femininas são mais delicadas e pacientes para lidar com fios. Nas mesmas instalações funciona também a Fokker Aircraft Services, empresa que presta serviços de manutenção aeronáutica e grandes modificações em aeronaves de marcas diversas. E por ser uma grande consumidora de mão de obra especializada, abriga a World Class Aviation Academy (WCAA), uma escola de formação de técnicos em manutenção aeronáutica. A WCAA possui um programa básico de formação de mecânicos, que abriga um pacote de elevação de nível em inglês, língua padrão nos cursos. Mas também, um curso de manutenção de aeronaves Northrop F-16. Veja mais neste link: www.worldclassaviationacademy.com .

Na recepção aos jornalistas brasileiros, ficou bem destacado o interesse da Fokker Elmo em prestar serviços à Embraer. Porém, o discurso predominante nas empresas visitadas era voltado às demandas dos operadores de linhas aéreas ou grandes fabricantes de aeronaves. Aparentemente, os holandeses desconhecem os números da aviação geral brasileira. Quase inexistente na Europa, por aqui o segmento se encarrega da formação de pilotos e mecânicos, transporta grande número de empresários e se constitui num mercado pulverizado em centenas de empresas prestadoras de serviços aeronáuticos e escolas de formação. Em nossa aviação geral, no entanto, a formação de técnicos em manutenção aeronáutica é ainda acanhada, em quantidade e qualidade. São muitas as escolas de formação, cerca de 70. Mas, salvo exceções, carecem de bons espaços laboratoriais, onde os alunos possam "colocar a mão na massa". E esse parece ser um bom tema para um estreitamento de cooperação técnica entre Brasil e Holanda.

Seja como for, o Brasil atual tem músculos para trabalhar e fome de crescer. A Holanda, com recursos naturais tão limitados e a permanente ameaça do mar, foi reconstruída a partir das cinzas da Segunda Guerra Mundial há menos de 70 anos. Ainda assim, é um dos países mais desenvolvidos da Europa, com amplo investimento em educação. Hoje, o analfabetismo é menor que 1% e mais de 70% dos holandeses falam fluentemente o inglês. A educação ajudou no desenvolvimento de tecnologias importantes, como a de produção e distribuição de flores. O país detém cerca de 60% do comércio mundial e é o maior exportador de sementes. A cidade de Holambra, no interior de São Paulo, é um bom exemplo da excelência dessa indústria. E o porto de Rotterdam, que já foi o maior do mundo até os anos 1980, hoje ainda é o maior da Europa e o quarto do mundo, superado apenas por dois na China e um em Singapura. A cooperação entre Brasil e Holanda, portanto, pode resultar em grandes benefícios mútuos.