Voamos o Hawker 4000, o super mid-size da Hawker Beechcraft

Hawker 4000 alia bom preço, benefícios de suporte do fabricante e um pacote completo de aviônica com alcance e uma confortável cabine de passageiros

André Danita Publicado em 30/01/2024, às 16h00

Com alcance de 3.208 milhas náuticas e configuração típica para 8 passageiros, o super mid-size da Hawker Beechcraft é capaz de voar de São Paulo à Europa, ou Estados Unidos, com apenas uma escala -

O jato Hawker 4000, uma das grandes novidades do mercado da aviação executiva, passou recentemente [Agosto de 2007] pelo Brasil antes de ser vendido em plena turnê de demonstração.

Durante esta curta passagem, em que realizou alguns vôos de demonstração, AERO Magazine teve o privilégio de subir a bordo desta máquina para produzir este exclusivo ensaio em voo.

Projetos inovadores demandam tempo de maturação, desenvolvimento de protótipos e extensos testes de homologação, sendo que nem sempre os fabricantes de aeronaves executivas se dispõem a percorrer esse longo caminho. Em meados dos anos 1990, a então Raytheon Aircraft (depois Hawker Beechcraft) decidiu apostar na inovação ao idealizar o sucessor do Hawker 1000.

O fabricante norte-americano colheu sugestões de operadores e partiu de uma “folha em branco” para desenvolver um jato super mid-size que mantivesse a tradição de confiabilidade e robustez da família Hawker e combinasse novas tecnologias, como, por exemplo, a construção da fuselagem em fibra de carbono, empregada também no contemporâneo projeto do entry-level Premier I. Recursos disponíveis apenas em aeronaves de maior porte, como aviônicos avançados e auto-throttle seriam incorporados, sem abrir mão do compromisso de performance e baixos custos operacionais.

Parceiros de risco foram convidados a participar do programa de desenvolvimento, como a Fuji Heavy Industries, do Japão, que ficaria a cargo da construção da asa de perfil supercrítico e a francesa Messier-Dowty, que faria o trem de pouso.

Em novembro de 1996, durante a feira NBAA, era então anunciado o Hawker Horizon, inaugurando um novo conceito em sua categoria. Seguiu-se um longo caminho de desenvolvimento e certificação, durante o qual houve rebatismo do projeto para Hawker 4000.

Em novembro de 2006 o Hawker 4000 recebeu a certificação da Federal Aviation Administration, dos Estados Unidos. A Hawker Beechcraft, por sua vez, já contabilizava 50 encomendas da Netjets Inc., a maior operadora de aeronaves em propriedade compartilhada do mundo. No mês seguinte, o braço europeu da Netjets engrossou este número ao fechar uma encomenda de 32 aeronaves do tipo, a serem entregues até 2016.

Nosso voo ocorre em meio à turnê de demonstrações do avião no Brasil por ocasião da feira Labace 2007, realizada no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, no início de agosto último.

Sou recebido no hangar da Líder pelo Marcos Nogueira, diretor regional de vendas para América do Sul, que me apresenta a vedete da recém-criada Hawker Beechcraft Corpora- tion, nome adotado após a aquisição da Raytheon Aircraft pelos grupos Onex e GS Capital Partners.

Tenho a clara impressão de que a tradição de 75 anos da Beechcraft somou-se à vontade de seus novos investidores em focar na qualidade de seus produtos e serviços. Este espírito renovado disseminou muito entusiasmo a toda a equipe de demonstração e vendas.

O Cmte Marc Manella, que participou dos testes e da homologação do Hawker 4000,  convida-me para um walkaround. A primeira impressão é de que, apesar de seu porte, o 4000 possui trens de pouso curtos, que facilitam o acesso à porta principal e ao compartimento de bagagens. Por sinal, os trens de pouso não negam a herança de robustez da família Hawker, porém, sem sacrificar o conforto dos passageiros ao adotar amortecimento do tipo trailing link nos trens principais.

O radome abriga apenas o radar meteorológico

O radome abriga apenas o radar meteorológico, já que os demais equipamentos foram alocados no interior da aeronave, em um armário ao lado da galley, facilitando o acesso para a manutenção.

Os bordos de ataque das asas e os bocais dos motores são aquecidos por sangria de ar, enquanto o estabilizador horizontal é equipado com o sistema EMED, que expulsa o gelo detectado por sensores fazendo vibrar a superfície do bordo de ataque por meio de pulsos eletromagnéticos de grande intensidade.

As asas possuem 30 graus de enflechamento e geradores de vórtice próximos aos ailerons, melhorando a efetividade destes em baixas velocidades. Os spoilers centrais e externos auxiliam o rolamento, enquanto todo o conjunto é atuado nas funções de freio aerodinâmico e lift dumpers. Vale destacar que tanto o leme quanto o steering são hidraulicamente atuados e respondem a sinais by-wire, ou seja, sem ligação mecânica com os comandos de voo — são transmitidos eletronicamente. O mesmo acontece com os freios de carbono, que atuam em conjuntos de rodas duplas.

O abastecimento dos tanques de combustível, localizados apenas nas asas e com capacidade para 14.600 libras, é feito por single point, com programação e monitoramento em dois completos painéis digitais de controle: um externo, próximo à raiz da asa; e um interno, no cockpit.

A empenagem tem estruturas em alumínio, mas as superfícies externas são peças integrais em composto grafite/epóxi. O largo emprego de materiais compostos tornou o Hawker 4000 muito mais leve do que as demais aeronaves de sua categoria, possibilitando um significativo ganho em consumo e na relação alcance versus carga paga.

O trem de pouso principal adota o amortecimento do tipo trailing link

 

As redundâncias de sistemas são importantes para aeronaves transcontinentais, e este é outro ponto forte do jato da Hawker Beechcraft. O sistema elétrico AC é do tipo split bus, alimentado pelos dois geradores dos motores mais o gerador da APU, que pode ser usado em voo até 34.000 pés de altitude. Mas se todos os geradores falharem há ainda um gerador elétrico a partir de um motor hidráulico duplo, que supre as funções essenciais do sistema.

O sistema de pressurização e climatização também é duplo, contando com duas packs independentes, capaz de manter a altitude da cabine em confortáveis 6.000 pés mesmo voando no FL 450.

Os dois sistemas hidráulicos são interconectados por meio de uma unidade de transferência de potência hidráulica (PTU), garantindo o funcionamento normal de ambos em caso de falha de uma das bombas dos motores.

A aeronave é também dotada de um CMC (Central Maintenance Computer), que utiliza o barramento comum de dados dos sistemas para registrar o histórico de operação e eventuais falhas, que podem ser posteriormente analisadas por meio de um software específico, facilitando o trabalho do pessoal de manutenção.

A espaçosa cabine de passageiros é um dos pontos altos do Hawker 4000: tem 1,83 metro de altura sem corredor rebaixado e 1,93 metro de largura

 

O interior do Hawker 4000 tem configuração padrão para 8 passageiros, em confortáveis assentos que giram em suas bases e encostos que reclinam até 180 graus, permitindo a montagem de até 4 camas completas.

Mesmo utilizando a configuração em club-seat duplo o espaço entre as poltronas é generoso, sendo possível que todos os passageiros reclinem seus encostos. Outras configurações que incluem sofás laterais podem acomodar até 14 passageiros. Cada assento possui tomadas de 115 volts, entrada de dados e um painel digital de controle do sistema de entretenimento, que inclui DVD e o sistema Collins Airshow 21, e das luzes individuais de leitura. O equipamento de telefonia a bordo dispõe de dois handsets, um para passageiros e outro localizado no cockpit.

A galley está equipada com pia, forno microondas e cafeteira entre outras amenidades 

O acesso à internet estará disponível dentro de dois anos, segundo informações do Marcos Nogueira. A cabine de passageiros tem altura de 1,83 metro, sem corredor rebaixado, e a largura de 1,97 metro colabora para melhorar a sensação de espaço a bordo, juntamente com a boa iluminação natural proporcionada pelas grandes janelas.

O toalete, localizado na parte posterior da cabine de passageiros, conta com um lavatório e armários para armazenamentos diversos, e seu assento pode opcionalmente ser equipado com cintos de segurança, acomodando o nono passageiro desta configuração.

O toalete também é grande e possui assento que pode acomodar um passageiro extra e permite acesso em voo ao bagageiro

O bagageiro pode ser acessado em voo (até 41.000 pés de altitude) e comporta até 408 quilos. Seu espaço é muito bom, mas poderia ser ainda melhor se a porta de carregamento externo abrisse para fora. O espaço para bagagens é ainda complementado por dois armários na parte dianteira da cabine, próximos à porta principal de entrada.

A galley, dotada de pia, é equipada com forno microondas e cafeteira, entre outras amenidades. A porta principal é atuada eletricamente ao toque de um botão, tanto externa quanto internamente.

O cockpit do novo Hawker incorpora como equipamento de fábrica tudo o que há de mais moderno em navegação, comunicação e gerenciamento dos sistemas, como duplo FMS, GPS e sistemas inerciais de navegação, auto-throttle de canal duplo, EGPWS e TCAS II. A suíte de aviônicos Honeywell Primus Epic foi configurada com cinco telas de 10 x 8 polegadas, que apresentam também os avisos gerados pelo EICAS (Engine Indicating and Crew Alerting System), conjugado com um prático menu de diagramas sinóticos dos principais sistemas da aeronave, facilitando a supervisão e identificação de panes.

O acesso aos menus é feito por meio de um CCD (Cursor Control Device), mas desta vez a opção foi um touch pad como o de computadores portáteis, em vez da tradicional TrackBall. O overhead panel contém os switches de controle dos sistemas dispostos de maneira lógica e pictorial, sob o conceito de dark cockpit.

Está na hora de voar. Sou convidado a acompanhar a preparação de cabine e o acionamento dos motores. Temos previsto um voo local, a partir de Congonhas, para um sobrevoo do NDB de Poços de Caldas e retorno a São Paulo.

A suíte de aviônicos Honeywell Primus Epic domina o cockpit que traz, de fábrica, duplo FMS, GPS e auto-throttle, entre outros

 

Com quatro passageiros a bordo mais 6.800 libras de combustível, o Hawker 4000 pesa 32.000 libras. Nesta condição, as velocidades de decolagem calculadas são: V1 = 115 nós; VR = 117 nós; e V2 = 127 nós. A distância de decolagem é de apenas 4.331 pés [1.320 metros] usando a configuração de flaps 12.

Somos autorizados na saída Gale da pista 35, com transição Bragança e restrição inicial de velocidade (190 nós) e altitude (6.000 pés). O acionamento é muito simples: as duas packs são desligadas e o botão de partida acionado. O Fadec toma conta do resto da sequência, e os geradores entram automaticamente nas barras.

No scanflow, após a partida, o APU é desligado e os sistemas anti-ice testados, e estamos prontos para o táxi. A rolagem é suave até a cabeceira 35 esquerda, e logo somos autorizados a alinhar e decolar.

O comandante Mannella avança as manetes e aciona o auto-throttle, que acelera até a potência de decolagem calculada. A corrida é curta, e a rotação suave acontece logo depois da taxiway Charlie. O auto-throttle mantém os 190 nós programados no FMS, com comandos suaves e precisos.

Ao passarmos pela posição Dumo o comandante Mannella gentilmente cede a mim o assento da esquerda. Tenho, então, a oportunidade de avaliar o handling do Hawker 4000. Desacoplo o autopilot e, mesmo durante a subida, com velocidade indicada de 280 nós e razão de 3.000 pés/minuto, a aeronave comporta-se de maneira extremamente dócil. O manche, em formato de M, é de adaptação natural, ergonomicamente adequado, possibilitando comandos suaves e equilibrados.

Capa da edição 161 onde o ensaio foi originalmente publicado, em setembro de 2007

Nivelo no FL 280 em 14 minutos, incluindo várias paradas na subida, e aceleramos rapidamente para Mach .82, a velocidade de cruzeiro rápido. Anoto um consumo total de 2.700 libras por hora que, segundo as tabelas de fábrica, cairia para menos de 1.900 libras/hora no FL 430 — altitude que poderíamos atingir em 18 minutos partindo com peso máximo de decolagem.

Já em regime econômico, a Mach .78, o Hawker 4000 é capaz de cobrir mais de 3.200 milhas náuticas de distância, suficiente para chegar à Europa, partindo de São Paulo, com apenas uma escala.

No bloqueio do NDB PCL somos autorizados a voar no rumo da posição Grade, para ingressarmos na STAR Rede 35. Exploro as páginas sinóticas de sistemas e reparo na baixa carga elétrica demandada, sendo que cada gerador dos motores trabalhava com menos de 30% de sua capacidade total. Um ótimo sinal.

Ao iniciarmos a descida, o Centro Brasília solicita a redução de velocidade para 250 nós. Aproveito para testar o speed-brake, que nos leva a 4.600 pés/minuto de razão de descida sem adicionar vibração. O FMS calcula um peso de pouso de 29.500 libras, o que resulta em uma Vref de 119 nós, exigindo apenas 3.000 pés [914 metros] de pista para pouso.

Na perna do vento, no través do aeroporto de Congonhas, o comandante Marc Mannella novamente assume o voo e completa a aproximação ILS para a pista 35 esquerda. O auto-throttle permanece acoplado até o pouso, já que a 50 pés entra no Modo Flare e retarda automaticamente as manetes. O toque sai muito suave logo após a marca de 1.000 pés, e a frenagem by-wire também é muito confortável e suave.

Com 50 minutos de voo o consumo foi de 2.300 libras, em uma condição atípica de baixa altitude, uma dica do baixo custo operacional direto da aeronave.

Outros grandes atrativos são a garantia de 10 anos sobre a célula, e de 5 anos sobre sistemas, motores e aviônicos. A Hawker Beechcraft ainda oferece o exclusivo programa CAMP gratuito por 5 anos, que designa um técnico de manutenção para acompanhar a utilização e programar todas as manutenções da aeronave.

Um plano opcional de serviços de manutenção que pode incluir motores, APU e aviônicos garante custos fixos e cobre componentes e mão-de-obra nas revisões programadas e não-programadas.

Com tantos atrativos de tecnologia e suporte, a um custo de aquisição em torno dos US$ 20,5 milhões, o Hawker 4000 deve rapidamente ocupar lugar de destaque no mercado.

* Publicado originalmente na AERO Magazine 161 · Setembro/2007

Congonhas avião de negócios Beechcraft NBAA Labace Honeywell Primus Epic FMS Labace 2007 Hawker 4000 Fuji Heavy Industries Hawker Beechcraft Raytheon Aircraft