Voamos no Cessna Grand Caravan EX

Em dezembro do Cessna Caravan completa 40 anos do primeiro voo, relembre conosco o ensaio com no Grand Caravan EX

Por Josie Fabian* Publicado em 06/10/2019, às 00h00 - Atualizado em 29/12/2022, às 14h00

Facilmente reconhecido em qualquer aeroporto do mundo, o ­Cessna Caravan ostenta uma silhueta icônica, referência em seu segmento. Com desenho simples, similar ao adotado por monomotores a pistão da marca, o modelo traduz em suas linhas retilíneas confiabilidade e versatilidade acumuladas ao longo de mais de 40 anos.

No início da década de 1980, a Cessna iniciou o projeto de um avião monoturbina flexível e confiável para operações simples e de baixo custo. O projeto designado 208A Caravan I seguiu a receita básica, nada de reinventar o que funcionava bem na aviação. Utilizaram uma estrutura retangular, que garantiria melhor aproveitamento do espaço interno; trem de pouso fixo, que elevaria a confiabilidade e simplificaria a manutenção; asa alta, que permitiria pousos e decolagens em praticamente qualquer tipo de terreno; e motor Pratt & Whitney PT6, forte e confiável.

O voo inaugural aconteceu em dezembro de 1982, com a certificação ocorrendo dois anos depois. O primeiro exemplar de série, o 208A Caravan, recebeu um motor PT6A-114A e foi entregue em 1985, à Federal Express.

A empresa de encomendas expressas tornou o monoturboélice a espinha dorsal de sua frota e passou a desenvolver em conjunto com a Cessna uma série de melhorias ao modelo, que se tornou a aeronave mais vendida do seu segmento ao longo de três décadas. A frota mundial de aviões Caravan opera em diversos ambientes, de versões de negócio a anfíbios que voam em regiões remotas do globo.

A versatilidade de voar com segurança em quaisquer condições meteorológicas e terrenos diversos fez do Caravan um utilitário famoso por sua robustez e flexibilidade. Capaz de decolar de pistas curtas e despreparadas, o avião se revela imbatível em áreas remotas, altitudes elevadas e em climas quentes, embora mostre algumas limitações em climas muito frios.

Em meados de 2014 a Cessna apresentou ao mercado o Grand Caravan EX, com o novo motor Pratt & Whitney Canada PT6A-140 capaz de gerar inéditos 867 shp. A versão está equipada, ainda, com novos flaps e um avançado sistema de monitoramento do motor, o FAST (System Engine Trend Monitoring).

Ao contrário de versões anteriores, o novo Caravan EX sai de fábrica com luzes de LED e mais detalhes de acabamento. Este o avião que voamos em 2015.

Novo PT6A-140 gera inéditos 867 shp de potência

 

PRINCIPAIS MODIFICAÇÕES

Viajamos até Jundiaí, cidade próxima a São Paulo, para conhecer de perto a versão EX do Caravan. Chegamos ao aeroporto no início da tarde. Recepcionados pelo comandante Hugo, que nos acompanhará no voo, seguimos para o pátio do hangar da TAM Aviação Executiva, representante da Cessna no Brasil.

O Grand Caravan EX que voaremos é um dos demonstradores da Cessna. Em tour pelo Brasil, o avião ostenta a matrícula americana N595EX. O comandante da TAM informa que o preflight está completo. Ele pouco difere das inspeções pré-voo padrão das aeronaves monomotoras da Cessna.

De acordo com o manual, temos oito pontos principais nas inspeções interna e externa. Iniciando pelo item “cabin”, em que se deve ligar a bateria e prosseguir com a verificação padrão da validade do banco de dados do Garmin G1000, checar o combustível e mais uma série de outros parâmetros. Iniciamos a inspeção externa pela asa esquerda no plano de referência do piloto (left side, left wing leading edge e left wing trailing edge).

Prosseguimos para a empenagem, circundamos a aeronave, passamos para o lado da asa direita (right wing trailing edge e leading edge) e chegamos, por fim, ao nariz do avião. Gosto desse preflight padronizado que simplifica a operação da maioria dos modelos Cessna.

Enquanto efetuamos o walk around, observamos as várias melhorias realizadas pela Cessna na versão EX. Os diodos emissores de luz (LED) chamam atenção e tornam a operação mais econômica e segura em razão da maior vida útil e do menor custo das lâmpadas.

O novo Pratt & Whitney PT6A-140 oferece 867 shp ante 675 shp da versão standard, o que proporciona uma melhora significativa na performance, especialmente na decolagem. Com motor mais forte, a versão EX tem um incremento de 37% na razão de subida (em operação com obstáculos de 50 pés) ao cumprir 1.220 pés por minuto, redução de até 13% na distância de decolagem ao precisar de 689 metros para deixar o solo e 15 kt a mais na velocidade de cruzeiro que subiu para 185 kt, além de melhorar o rendimento em condições meteorológicas adversas, ar rarefeito e operações anfíbias. Graças ao novo motor, o Caravan EX pode atingir até 25.000 pés de altitude, com um alcance máximo de 1.800 km.

Mais um destaque do novo motor é o TBO (Time Between Overhaul) programado entre 3.600 e 6.000 horas, dependendo do tipo de operação do equipamento, ou seja, manteve os mesmos parâmetros de manutenção dos PT6A-114A que equipam os antigos Caravan. A família PT6A continua a avançar incorporando as últimas tecnologias disponíveis para exceder as expectativas dos seus operadores nos aspectos de performance, confiabilidade, durabilidade, consumo de combustível e sustentabilidade.

O G1000 é totalmente integrado aos sistemas do avião

Outra mudança incorporada por essa nova versão do Caravan é a instalação de um visor vertical do nível do óleo sob o capo, eliminando a necessidade de abrir o oil cap. A Cessna tornou a inspeção estritamente visual depois de ouvir pilotos de Caravan, que queriam eliminar o risco de decolar com a tampa de óleo aberta.

Mesmo com novo motor, a nacele se manteve suas dimensões, ao contrário do que ocorre com as versões remotorizadas do Caravan, que ganham uma nacele maior e assumem visual mais saliente, gerando alterações aerodinâmicas pontuais.

O comandante Hugo menciona uma mudança da FCU (Fuel Control Unit), que agora conta com aquecedor, eliminando os problemas de gelo – medida especialmente importante para quem opera a baixas temperaturas, principalmente no Sul do país. Também observamos as novas pás das hélices, que passaram a contar com 106 polegadas de diâmetro e foram levemente modificadas. Comparadas à versão anterior, elas se tornaram maiores e mais resistentes e ganharam novo perfil aerodinâmico.

ESPAÇO PARA BAGAGEM

O modelo que voaremos conta com compartimento ventral de carga capaz de transportar volumes de até 3,17 m³. O espaço é tão amplo que permite acomodar uma escada, que está a bordo.

O bagageiro vem de fábrica, o que representa melhor opção custo-benefício, ainda que determine uma perda de 15 kt na velocidade de cruzeiro ante um ganho de espaço para mais 490 kg de carga. Pensando numa futura revenda, esse acessório valoriza a aeronave, que pode ser oferecida ao mercado de transporte comercial, em especial empresas de taxi-aéreo.

A Cessna também oferece como opcional um conjunto de flutuadores removíveis. Em épocas da cheia dos rios, sobretudo no Norte do Brasil, eles podem ser muito bem-vindos para diversos operadores, ampliando a flexibilidade do emprego do Caravan. Quando não for necessária sua utilização anfíbia, os flutuadores podem ser facilmente removidos, recolocando-se o trem de pouso. Mesmo com apenas 50% das luzes operativas o novo Caravan EX poder ser despachado.

Passamos o plano de voo para as 17h30min UTC. Diante da existência de uma frente fria que chegava a São Paulo, optamos por realizar um voo pelo corredor Papa, com sobrevoo em Sorocaba e retorno DCT (direto) para Jundiaí. Mesmo sem o nosso almejado céu de brigadeiro (sky clear), temos condições de efetuar voo visual via corredores. No METAR das 17000Z de SBJD temos vento de 170° com 07 kt, BKN023 e BKN047.

Os pilotos devem rebater uma escada para entrarem no avião. Há uma de cada lado, o que permite aos tripulantes entrarem diretamente na cabine, sem precisar circular pelo interior da aeronave, algo especialmente útil para quem opera a versão puramente cargueira.

Para subir, o piloto não enfrenta qualquer problema, basta colocar primeiro o pé direito e depois o esquerdo. Para descer, porém, é necessário virar de costas, o que se revela um pouco incômodo. Ao entrarmos, ajustamos a distância dos bancos. O banco do comandante também possui a opção de regulagem de altura, recurso bastante útil na maior parte dos casos, tornando a pilotagem mais confortável e segura.

VISÃO SINTÉTICA

O Caravan EX está equipado com a suíte Garmin G1000 que oferece integração total com parâmetros de motor, o que garante maior confiabilidade dos dados apresentados. O N595EX conta ainda com SVT (Synthetic Vision Technology), um opcional de aproximadamente US$ 20,000.00 extremamente útil. Com ele os pilotos podem carregar os planos de voo IFR no G1000 e pathways na cor magenta fornecem uma auxilio visual que indica a rota pretendida.

Os pathways são exibidos com espaçamento que simboliza aproximadamente 1.000 metros de distância e têm orientações em cada canto apontando na direção do plano de voo ativo. A visão sintética inclui, ainda, detalhes fiéis do terreno, exibindo torres e obstáculos, ou seja, “céu de brigadeiro” mesmo em condições meteorológicas adversas.

Evidentemente, os dados de obstáculos dependem da atualização do banco de dados da Garmin e pode acontecer de uma torre ou uma estrutura vertical não estarem incluídas no software, o que exige do piloto, sempre, pleno conhecimento da rota a ser voada. Ao contrário de outras aplicações do G1000 na linha Cessna, toda a suíte foi personalizada para o Caravan EX. O modelo está equipado com duplo PFD (Primary Flight Display), MFD (Multifunction Display) com comunicação, navegação e GPS (WAAS), entre outros itens.

Mais uma excelente função presente no avião que estamos prestes a voar é o piloto automático GFC700, integrado à aviônica. Uma vez programado e acoplado, o autopilot é capaz de executar virtualmente todas ações, desde a subida até a aproximação final. Ainda no painel, temos duplo ADC (Air Data Computer) GDC 74A, AHRS (Attitude and Heading Reference System) GR77, transponder modo S GTX33, entre outros.

DECOLAGEM CURTA

Solicitamos acionamento. Temos cinco a bordo e 200 kg de carga no bagageiro ventral. O ciclo de partida é fácil e rápido, necessitando o mínimo da bateria de 24 Volts, sem a fonte externa. Auxiliary Fuel Pump em ON. Chave starter na posição Start. Luz do painel Starter energized e Ignition em ON. A pressão do óleo subindo, Ng acima de 12%. Uma partida bem simples. O piloto só deve estar atento até estabilizar o Ng e cuidar do ITT. Assim que estabiliza, a luz do Ignition se apaga e abrimos o combustível.

Após acionamento, pedimos autorização para voo visual Jundiaí-Jundiaí com sobrevoo em Sorocaba, com inicial de 3.600 ft. Somos autorizados e o controle informa QNH 1.018, pista em uso 18 e 2.000 no transponder.

Aproveitamos e plotamos os pontos do corredor PAPA no GPS. Autorizado o táxi até o ponto de espera da 18, empurramos os manetes e, pela posição no pátio da TAM, efetuamos quase um back track para nos dirigirmos até a cabeceira. Neste momento, sinto a precisão dos pedais e aproveito para checar os freios.

Chegando ao ponto de espera, enquanto aguardamos um Cessna 152 que estava na base, optamos por realizar o check do before take-off, que é necessário somente no primeiro voo do dia (como o nosso é o segundo, não seria obrigatório efetuá-lo). Mas aproveitamos o tempo de espera para conhecer melhor o N595EX e constatamos a simplicidade de realizar o check. Parking brake SET, instrumentos ajustados, parâmetros do motor e quantidade de combustíveis checados. Deve-se pressionar o Overspeed Governor Test Button e aguardar enquanto levamos o manete de potência à frente, até estabilizar em 1.750. Em seguida, trazemos para marcha lenta e soltamos o botão. Manual Eletric Pictch Trim ajustado, trim em T/O resumindo os itens. O before take-off está completo.

“Autorizado alinhar e decolar”, informa a torre Jundiaí. Confirmamos portas e janelas travadas, cintos ajustados, tudo pronto para decolagem. Alinhamos na 18 para sentirmos a potência do motor PT6 e executarmos uma decolagem curta. Flaps em TO/APP, freios aplicados e empurramos os manetes para T/O. O aumento do limite de torque para 2500ft-lbs mantém os parâmetros do motor longe de ingressarem no arco vermelho. Ao soltar os freios, podemos sentir a potência com as costas coladas no banco. Em menos de 300 metros, a aeronave deixa a pista com 70 kt. Ao ultrapassar 95 kt, trazemos os flaps para posição UP. Este é o novo sistema de flap: posição UP 0°, TO/APP gate at 15° e land 30°.

Após a decolagem, curvamos à esquerda seguindo o tráfego visual e, ao cruzar o aeródromo, mantemos a proa de Itupeva, nosso primeiro ponto. Em função das restrições de altitude e velocidade da REA, vamos apenas verificar o comportamento em voo e as performances de decolagem e pouso, o suficiente para conhecer mais sobre essa nova versão do Caravan, especialmente porque são esses os parâmetros mais importantes em uma operação real.

Subimos a 4.000 pés, limite máximo no corredor Papa entre Itu e Itupeva. Na vertical de Itu, podemos subir mais 1.000 pés, colocando no Flight Director e ajustando altitude de 5000 ft. Com o Y/D no autopilot e vento de través de 9 kt da esquerda, sinto a precisão dos comandos. Os retângulos magenta de trajetória em voo facilmente nos guiam para Sorocaba. Após sairmos do corredor Papa, subimos para 6.000 pés e aplicamos full flap, registramos 95 kt, o que seria o voo ideal para lançamentos de paraquedistas: nessa configuração o avião fica tão leve e suave que é possível voar somente com as pontinhas dos dedos.

Estamos voando em cruzeiro, recolhemos os flaps, mesmo com o motor montado na nossa frente, temos uma cabine silenciosa e nos comunicamos sem dificuldades pelo intercomunicador. Um amplo para-brisa e a configuração asa alta garantem boa visibilidade para o voo VFR e facilita avistar tráfegos na movimentada terminal São Paulo. Curvando para a esquerda, sentimos um pouco de turbulência convectiva, e percebemos que o avião perfaz movimentos de baixo para cima sem sacudir muito de um lado para outro, também característica atribuída a aeronaves de asa alta, mais um conforto para os passageiros. Continuamos a curva de 180°.

Devido à frente que se aproximava, optamos por regressar antes que o tempo feche em SBJD, que opera apenas visual. Como estamos voando relativamente baixo, a aeronave tende a gastar mais combustível, em torno de 440 lb/h. Numa altitude de cruzeiro de 10.000 pés, o número já diminuiria para 360 lb/h. Ainda assim, mesmo a baixa altura, percebo uma redução drástica do consumo por hora em relação à versão anterior.

O G1000 já nos mostra o ideal de descida. Com a ajuda do Altitude Range ARC, sabemos que alcançaremos 5.000 pés um pouco antes da posição ITU. Essa ferramenta facilita muito o planejamento da descida e se assemelha ao que um piloto encontra em um Boeing 737NG. Baseado na vertical speed e na velocidade de solo (GS), o ­Altitude Range ARC calcula e desenha um arco no mapa onde a altitude selecionada será aproximadamente a atingida na descida.

DESCIDA NA TELA

Seguindo no mesmo corredor Papa e suas restrições de 5.000 ft e depois 4.000 ft, somos alertados da presença de um tráfego contrário. Com o TAS (Traffic Advisory ­System), conseguimos localizar a aeronave no MFD, coordenamos com o tráfego e, mantendo comunicação, cruzamos 500 ft acima, já na vertical de Itu. Chegamos a 176 kt de Ground Speed.

Ao chegar a Jundiaí, a TWR autoriza cruzamento para ingresso no ponto médio da perna do vento da 18. Desconectamos o AP e afastamos um pouco antes de girar base para efetuarmos uma aproximação estabilizada e contínua. Já no circuito visual, pegamos um pouco de chuva, porém, com pista ainda seca. Estamos configurados full flap, ou melhor, posição LAND, com 500 pés/min de razão de descida.

O pouso é suave na 18. Em seguida, com manete em Reverse (para ajudar na parada), a aeronave livra na central sem qualquer dificuldade. Na frequência do solo, já liberados, rumamos ao hangar da TAM Aviação Executiva. O corte do motor acontece de modo bem silencioso. Descemos com cuidado por conta da altura da cabine e nos despedimos tanto do comandante Hugo quanto do N595EX, que demonstrou a confiabilidade de sempre com tecnologia e performance inéditos.

* Josie Fabian é piloto de Boeing 737 Next Generation

Grand Caravan EX

Fabricante Cessna Aircraft Company
Preço US$ 4 milhõesDimensões externas
Comprimento 12,7 m
Envergadura 15,9 m
Altura 4,5 mDimensões internas
Cabine 6,5 m
Altura 1,6 m
Largura 1, 4 mPesos (máximo)
Rampa 3.984 kg
Decolagem 3.968 kg
Pouso 3.855 kg
Zero combustível 2.122 kg
Payload 1.438 kg
Payload com máximo combustível    574 kgMotor
Fabricante Pratt & Whitney
Modelo PT6A-140
Potência Máxima 867 shp
Hélice Hartzell, tripá de velocidade constante
TBO – HSI – Inspeção 5.000 h – 2.500 h – 300 hDesempenho*
Altitude Máxima Certificada 25.000 pés
Razão de subida 1.330 pés/min
Velocidade Máxima de Cruzeiro 195 nós
Velocidade de Estol 61 nós
Alcance 832 nm
Distância de Decolagem 426 m
Distância de Pouso 306 m

Dados de desempenho baseados em condições padrão, nível do mar e sem vento. Desempenho em solo supõe pista plana, asfaltada e seca.

Texto originalmente publicado na AERO Magazine 253
e republicado após atualização

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