Com plano de reestruturação aprovado e encerramento da linha de produção dos jatos Hawker, fabricante concentra investimento nas áreas rentáveis do seu negócio
| Giuliano Agmont / | Fotos | Divulgação Publicado em 18/04/2013, às 12h53 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
A incerteza acabou. Depois de emergir no início deste ano do processo de proteção contra falência em que se encontrava havia 10 meses, o chamado Chapter 11, o principal fabricante de turbo-hélices leves do mundo começa a colocar em prática seu plano de reestruturação aprovado pela justiça norte-americana. O novo nome, divulgado ainda durante a NBAA 2012, diz muito sobre a estratégia da agora Beechcraft Corporation. Sem o peso de uma dívida de US$ 2,5 bilhões, que acabou drasticamente reduzida para US$ 225 milhões com a conversão de credores em acionistas, além da garantia de um financiamento de US$ 600 milhões em forma de empréstimos de longo prazo e crédito rotativo, a empresa, fundada em 1932, no estado do Kansas, pelo casal Walter e Olive Ann Beech, encerra definitivamente a produção dos jatos executivos Hawker - eliminando 30% das despesas fixas da companhia - para priorizar as áreas rentáveis do negócio, que englobam os modelos a pistão Baron e Bonanza, a família King Air, o treinador militar T-6A Texan II, o avião leve de ataque AT-6 e a unidade Global Customer Support.
Desde o saudoso biplano Model 17 Staggerwing, a Beechcraft já construiu quase 55.000 aeronaves, das quais mais de 36.000 continuam voando, incluindo 25.000 aviões a pistão e 7.000 turbo-hélices. São mais de 80 anos de tradição postos à prova em maio de 2012, quando teve início o processo de recuperação judicial da então Hawker Beechcraft. Pouco se fala sobre o que passaram aqueles que direta ou indiretamente participaram desses meses extenuantes de reestruturação em meio à desconfiança generalizada. Mas, a julgar pelo otimismo demonstrado pelo novo CEO da Beechcraft, Bill Boisture, o que se espera é que a resiliência da organização frente às pressões dos últimos anos se converta em força inercial capaz de restabelecer a solidez da companhia, que entregou 204 aviões em 2012 e hoje emprega 5.400 pessoas.
Três fatores estariam por trás do discurso otimista da nova direção da Beechcraft: a continuidade das vendas dos modelos King Air em patamares satisfatórios desde o início da recessão irrompida em 2008, a crescente aplicação da família de turbo-hélices da marca em missões especiais e o baixo nível de estoques da fábrica, sobretudo de versões lançadas recentemente. No fim do ano passado, ainda durante o Chapter 11, a então Hawker Beechcraft previu para 2013 um volume de vendas da ordem de US$ 1,9 bilhão. Os atuais gestores parecem considerar essa meta realista e creditam essa avaliação, entre outras variáveis, às medidas de "eficiência" adotadas pela companhia, que demitiu pelo menos 50% dos funcionários desde 2009 e desativou boa parte de suas instalações.
KING AIR MONOMOTOR
O fim da produção dos jatos Hawker (leia mais no box da p. 24) cria condições para a nova Beechcraft investir em um área estratégica do seu negócio, a de pesquisa e desenvolvimento de turbo-hélices e aviões a pistão. Pelos cálculos preliminares da companhia, haverá três vezes mais recursos para aumentar a família King Air e, também, lançar um modelo intermediário entre o Baron e o Bonanza. Em outubro do ano passado, a empresa anunciou novos conceitos de produtos, com destaque para uma turbo-hélice monomotor de oito lugares. São projetos ainda incipientes, mas que devem estar no mercado já a partir de 2016, se tudo correr bem.
A gama de produtos Beechcraft inclui hoje os modelos King Air 350i, 250 e C90GTx, os monomotores a pistão Baron G58 e Bonanza G36, o treinador militar T-6 e o avião leve de ataque AT-6 para conflitos assimétricos. São máquinas na faixa de preço (FOB) de US$ 800 mil aos US$ 8 milhões, que representariam um negócio de US$ 3 bilhões anuais. A família King Air acumula mais de 50 milhões de horas de voo em 115 países. Já os modelos a pistão, que operam desde a década de 1960, compõe uma das maiores frotas de uma mesma família de aviões no mundo. E as 800 unidades do T-6 em operação nos Estados Unidos já voaram mais de 2 milhões de horas. Nos próximos cinco anos, a Beechcraft planeja elevar seu portfólio para pelo menos 10 modelos, podendo chegar a 12, com a meta de produzir até 600 aviões por ano.
O vice-presidente de Vendas e Marketing, Shawn Vick, confirma a intenção da Beechcraft de lançar pelo menos dois monomotores turbo-hélices, um pressurizado e outro não. "O conceito do nosso monoturboélice aproveita propriedades intelectuais da empresa e também nossa experiência em projetar, construir e dar suporte à frota King Air", revela o executivo. "Continuamos recolhendo feedbacks no mercado e, com a ajuda dos nossos clientes, definiremos o melhor caminho a seguir". Segundo Vick, o monomotor turbo-hélice terá fuselagem baseada no jato Premier 1A, que usa material composto, permitindo que o modelo tenha a maior cabine de sua categoria, com configurações para 8 a 11 passageiros. Sua performance prevê alcance de 1.750 milhas náuticas (3.240 km) com quatro passageiros a bordo e velocidade máxima de cruzeiro de 302 nós (560 km/h) em nível de voo 250 (7.620 m).
O novo avião não tem nome, mas já pode ser considerado um King Air, pelas suas virtudes. A estrutura em material composto da fuselagem será um diferencial importante desse modelo. Além do espaço interno, o compósito permite uma pressurização ainda mais eficiente, reduzindo a altitude da cabine, e torna a aeronave mais leve, elevando sua capacidade de carga. Além disso, a eficiência aerodinâmica, aliada a novas asas (de metal), garantiria menor arrasto, maior velocidade e economia de combustível. O motor Pratt Whitney Canadá do monoturboélice, mais potente do que o PT-6, deverá superar os 1.800 hp.
NOS PRÓXIMOS 5 ANOS A BEECHCRAFT PLANEJA ELEVAR SEU PORTFOLIO PARA PELO MENOS 10 MODELOS
O vice-presidente de Marketing e Vendas também confirma os planos da Beechcraft de desenvolver modelos turbodiesel, embora não revele detalhes. Por ora, o que se pode especular é que a mudança para o diesel garantiria um alcance maior aos aviões da Beech, algo que os pilotos da aviação geral sempre almejam. Além disso, essa vantagem pode tornar o avião desejável para missões especiais, como patrulha marítima e vigilância. Durante a NBAA 2012, Shawn Vick disse, ainda, que a empresa poderia converter os motores do Bonanza e do Baron para querosene de aviação (Jet-A1).
OS AVIÕES MILITARES Além de restabelecer a confiança na marca e retomar o patamar de vendas de períodos anteriores ao Chapter 11, encontrar um cliente de lançamento para o programa AT-6 também representa uma meta da Beechcraft já para 2013. A empresa prossegue sua disputa com o Sierra Nevada / Embraer A-29 Super Tucano pelo contrato LAS com a Força Aérea dos Estados Unidos (USAF). Esse contrato é considerado estratégico para manter o negócio lucrativo. Desde 2000, a Beechrcraft fornece treinadores T-6 para a USAF e a Marinha dos EUA em lotes anuais no valor de cerca de US$ 280 milhões. As entregas, porém, estão programadas para terminar em 2014. |
Nas apresentações da NBAA, também havia referência para uma nova versão do King Air clássico, bimotor. Seria um modelo para ocupar a lacuna entre o King Air C90GTX e o 250. Resta saber se há espaço para mais um avião entre esses dois modelos. A atualização de aviônica pode ser mais um caminho de renovação dos King Air, com a introdução do Rockwell Collins Pro Line Fusion (prevista para 2015) ou mesmo das novas suítes de luxo da Garmin, como o G3000 e G5000. Assim como uma eventual, e menos provável, remotorização. Mais uma possibilidade de mudanças seria a introdução do material composto na fuselagem dos King Air bimotores. A estrutura traria benefícios nos quesitos velocidade, pressurização, carga paga e espaço de cabine. Mas o programa seria caro. Especulações à parte, o que parece certo é que o lançamento de um programa de jato executivo está descartado.
Agora, sem a dívida paralisante e com o foco no que a empresa faz de melhor, a marca sai fortalecida desse processo, diz Philipe Figueiredo, da Líder" |
Apesar do otimismo de seus executivos, para alguns o futuro da Beechcraft permanece incerto. Há quem pense que as demissões, a transferência de empregos para o México (onde os custos de produção caem), a falta de desenvolvimento de novos produtos nos últimos anos, a insatisfação de clientes que perderam parcialmente a garantia de seus jatos (caso do Premier 1A e do Hawker 4000), a relutância de investidores em financiar projetos e a cautela de fornecedores de peças, além do próprio estigma em torno do Chapter 11, podem dificultar a recuperação da empresa, sobretudo em um período de recessão - mesmo considerando a nova fase, sem sua dívida incapacitante e os custos fixos da linha de jatos. Contudo, a saída do processo de recuperação judicial com foco em produtos que se mostraram rentáveis mesmo durante a crise, parece ser uma estratégia promissora, como já comprovou a própria Piper na década de 1990. Ademais, os modelos com hélices da Beechcraft, além do glamour que evocam, são conhecidos por trabalhar duro, transportar bastante carga e dar retorno financeiro a seus operadores.
BEECH NO BRASIL
O Brasil tem um papel importante no processo de reestruturação da Beechcraft. A Líder Aviação, representante da marca no país, é a maior distribuidora da fábrica fora dos Estados Unidos, responsável por 15% das vendas mundiais da companhia e 50% na América Latina. "No ano passado, em pleno período de recuperação judicial, vendemos 35 aeronaves, considerando algumas seminovas", diz Philipe Figueiredo, diretor de Vendas de Aeronaves da Líder. Líder"Neste ano, com a saída da Beechcraft do Chapter 11, esperamos dar vazão para uma demanda represada dos produtos da marca, principalmente por conta das incertezas, atingindo pelo menos 40 unidades".
Na avaliação do executivo da Líder, gerir tais incertezas revelou-se o principal desafio do seu departamento no relacionamento com o mercado. "Eram recorrentes os rumores de que a fábrica fecharia e precisávamos mostrar para os clientes que o processo de proteção contra a falência representava um caminho seguro. Deu certo, mantivemos as vendas", diz Figueiredo. "Agora, sem a dívida paralisante e com o foco no que a empresa faz de melhor, a marca sai fortalecida desse processo".
Hawker 800XPR |
Com estrutura robusta, baixo custo operacional, flexibilidade para pousar em pistas curtas e não pavimentadas e boa relação alcance-carga paga, os aviões Beechcraft têm apelo no Brasil. Segundo a Líder, existem mais de 600 turbo-hélices King Air voando no país e cerca de 450 modelos a pistão vendidos somente nos últimos 18 anos. E a demanda deve crescer, embora abaixo dos níveis estratosféricos de 2007. "O agronegócio tem investido cada vez mais na aviação executiva como meio de transporte. No ano passado, 70% dos aviões que vendemos foram comprados por empresários desse setor, um aumento de 15% em relação a 2011. Uma aeronave própria permite que o empresário viaje de uma fazenda a outra com conforto e privacidade, sem gastar horas em deslocamentos por terra ou esperando em aeroportos comerciais. É uma ferramenta de trabalho", explica Philipe Figueiredo. "O dinheiro está no interior do país e os nossos aviões atendem bem a Hawker 800XPR esse mercado".
O FUTURO DA HAWKER A parte mais complicada do processo de reestruturação da Beechcraft foi o encerramento da linha de produção dos jatos Hawker, com fim das garantir para os modelos feitos em fibra de carbono, o Premier 1A e o 4000. Nesse processo, a empresa fechou unidades em três estados depois da queda vertiginosa das vendas (veja o quadro). Mas tanto a Beechcraft nos Estados Unidos como a Líder no Brasil garantem que vão manter o suporte aos operadores dos jatos Hawker com serviços, manutenção, peças e apoio técnico. A frota brasileira chega a 80 aviões, incluindo modelos 400, 800 e 900. A unidade Global Customer Support (GCS) e os Hawker Beechcraft Services continuarão dar suporte para todos os produtos Hawker Beechcraft. A rede inclui 10 instalações nos Estados Unidos, no México e no Reino Unido, juntamente com mais de 90 centros de serviços autorizados em todo o mundo. A equipe de GCS se dedica a incrementar as aeronaves Hawker Beechcraft para simplificar a operação, reduzir o custo de funcionamento e aumentar valor de revenda. É o caso dos projetos Hawker 400XPR e Hawker 800XPR, por meio dos quais a empresa oferece aos proprietários atualização de motores, aviônicos e aerodinâmica. Paralelamente, a novo Beechcraft planeja vender as linhas de jatos Hawker e os ativos associados a elas. Resta saber quem estaria interessado e quanto pagaria pelo patrimônio. Existem inúmeros potenciais compradores, só não se sabe quais estarão dispostos a pagar o que a Beechcraft pretende cobrar. O destino que os ativos da Hawker terão também pode variar. Manter a fábrica funcionando e investir em pesquisa e desenvolvimento produziria um efeito positivo sobre a credibilidade da marca. Contudo, seria preciso um investidor com fôlego financeiro. Por outro lado, o comprador poderia simplesmente optar por garantir a propriedade intelectual da empresa, o que significa marcas, patentes e desenhos, além do próprio ferramental da fábrica. Mais uma opção seria incorporar também a unidade de serviços, manutenção e peças das linhas existentes, o que garantiria um retorno financeiro rápido. O problema nesse caso é que a Beechcraft manteve sua atuação nesse negócio. A Beechcraft diz que as linhas de jatos Hawker chamaram a atenção de potenciais compradores, cada um com diferentes objetivos, mas não revela nomes por conta de contratos de confidencialidade. Analistas acreditam que entre os interessados mais prováveis estejam empresas estrangeiras interessadas em entrar no negócio. Especula-se, ainda, que a Aerospace Nextant, que já faz a remanufatura de jatos executivos Hawker, poderia estar interessada. Nos Estados Unidos, seria possível considerar o interesse da Textron Inc., controladora da Cessna, embora o preço tenda a inviabilizar o negócio. Entre os interessados estrangeiros que já atuam no mercado aeronáutico, fala-se sobre a intenção de empresas como Honda ou mesmo alguma chinesa. VENDAS DE JATOS HAWKER E BEECHCRAFT PREMIER 1A 2010 - 73 entregas |