Construído de material composto com formato aerodinâmico de alta eficiência, o LSA Remos GX, com asas articuladas, revela-se um avião versátil para pilotos-proprietários brasileiros
Por Jorge Filipe Almeida Barros / Fotos Remos Aircraft Publicado em 16/12/2013, às 00h00
Uma aeronave desportiva com conceitos ainda desconhecidos no Brasil vem ocupando espaço no mercado nacional. Trata-se de um dos Light Sport Aircraft mais vendidos na Europa, com bastante demanda, também, nos Estados Unidos. Seu nome, Remos GX, um avião produzido na Alemanha com soluções hoje empregadas pelos principais fabricantes aeronáuticos. Este é o experimental que estamos prestes a ensaiar.
A Remos Aircraft GmbH nasceu em Eschenbach, cidade situada numa área rural da Baviera, ao norte de Munique, em 1993, com a missão de produzir componentes de alta tecnologia para a indústria de aviação. Considerando o mercado da época, a empresa optou por desenvolver e produzir também uma aeronave experimental de dois lugares, com as mesmas tecnologias que serviriam às grandes aeronaves. Uma delas era a fibra de carbono, que se consolidaria nas linhas de produção de gigantes como a Airbus, para a qual a Remos ainda hoje produz componentes. O protótipo voou em 1997, com fuselagem de materiais compostos e asas ainda de tela. Em 2006, conquistou o mercado norte-americano, obtendo certificação do FAA na categoria Light Sport Aircraft (LSA). Para atender à crescente demanda, a Remos se mudou para Pasewalk, em Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental. No novo endereço poderia fabricar até 200 aeronaves por ano. Assim, lança, em 2007, o modelo Remos GX, fabricado totalmente de fibra de carbono e com novo painel.
Alguns de seus conceitos foram muito bem recebidos na Europa. Lá o inverno rigoroso faz com que muitos deixem de voar por meses. Por isso os custos de hangaragem poderiam ser reduzidos se as aeronaves fossem simplesmente guardadas em casa. O Remos GX permite isso, porque suas asas são articuladas. Em menos de 20 minutos, apenas uma pessoa consegue movê-las e travá-las alinhadas com a fuselagem. Com as asas fechadas, a aeronave pode ser carregada num pequeno trailer (de preferência fechado), puxado por um automóvel comum. A remontagem das asas consome o mesmo tempo e recursos. Essa característica parece não ser muito valorizada por aqui. Mas, na medida em que os aeroportos próximos aos grandes centros urbanos tornam-se saturados e os preços da hangaragem sobem, a possibilidade de transportar a aeronave por terra traz uma nova perspectiva. O proprietário de um Remos GX pode considerar guardá-lo em sua casa de campo, praia ou chácara durante meses.
Com asas articuladas, o projeto de sistema de combustível posicionou o tanque na fuselagem, logo atrás do assento da direita. Isso deixa o espaço posterior ao assento do piloto (da esquerda) livre para o armazenamento de bagagens. A capacidade é de 85 litros, abastecidos por um único bocal, situado perto do bordo de fuga da asa direita. Essa disposição trouxe alguns benefícios, entre os quais o rebaixamento do centro de gravidade da aeronave. Baixando os 60 kg de gasolina do plano das asas para o nível do assento do piloto, cria-se um efeito de pêndulo e o voo tende a ser mais estável.
Outro fator importante é que ambas as asas terão sempre o peso igual. Isso pode fazer diferença na hora da recuperação de um estol, já que a probabilidade de entrada em parafuso é inversamente proporcional ao balanceamento estático das asas. De fato, suavizar o estol parece ter sido uma das maiores preocupações do projeto. As asas do Remos GX têm duas medidas de corda ao longo da longarina. Com isso, os projetistas conseguiram retardar o estol a velocidades muito baixas (82 km/h ou 44 kt sem flaps e 70 km/h ou 38 kt com flaps) e com pouca influência nos comandos de direção da aeronave.
A fuselagem, absolutamente lisa, também chama a atenção. O uso de compostos de carbono permite moldar as formas aerodinâmicas, impensáveis com chapas de alumínio e rebites. O formato da aeronave reproduz a silhueta de uma gota d’água. Desenvolvido em computadores e testado em túneis de vento, o Remos GX produz um dos melhores coeficientes aerodinâmicos de aeronaves de sua categoria. Isso se traduz em baixo peso (cerca de 290 kg vazio) e pouca resistência ao avanço. Para ajudar, a precisão industrial alemã permitiu que as partes do Remos GX se encaixassem precisamente, deixando uma ótima impressão quando observamos os intervalos deixados entre partes fixas e móveis. O aspecto geral é de uma aeronave robusta e segura.
Compõe o grupo motopropulsor um Rotax 912 ULS, que pode ser acompanhado por quatro modelos de hélices, as bipás Woodcomp ou Tonini, e as tripás com ajuste de passo no solo, marcas Sensenich ou Neuform. O motor é bem conhecido, já que equipa diversos modelos de aeronaves leves de asas fixas ou rotativas. Possui 4 cilindros e funciona com ciclos de quatro tempos. O principal meio de refrigeração é por circulação de água nos cabeçotes. Por isso deixa de ter aletas trocadoras de calor, o que reduz o seu tamanho. O cárter é instalado fora do motor e permite o melhor aproveitamento do volume dentro da carenagem. Além disso, com formato cilíndrico vertical, impede que o óleo “fuja” do pescador quando a aeronave inclina muito em qualquer dos eixos de rotação. A temperatura do óleo é reduzida por um radiador exposto ao ar frontal, instalado logo abaixo do radiador de água. Equipado com um flap de refrigeração, permite que o piloto regule o fluxo de ar e mantenha a melhor temperatura. É equipado com dois módulos de ignição eletrônica, dispensando magnetos. O alternador é incorporado ao bloco do motor, e utiliza o eixo principal para girar o conjunto de bobinas que produz a energia elétrica.
O motor é equipado com dois carburadores. Cada um alimenta dois cilindros e ambos se mantêm sincronizados com um ajuste simples, a partir da medição de vácuo. O piloto não faz ajuste de mistura porque isso ocorre automaticamente. Na cabeça de cada carburador existe uma câmara que mantém a pressão da altitude a qual se está voando. Quando ela varia, uma membrana de borracha se movimenta, reposicionando uma agulha que dosa o volume de combustível admitido pelo motor. Um sistema simples que deveria ser adotado por motores maiores. No Remos GX, os carburadores recebem ar já aquecido por uma câmara metálica, que evita a formação de gelo.
O avião é equipado, ainda, com caixa de redução. Ela permite que o motor possa atingir rotações bem mais altas do que a hélice, normalmente limitada pela velocidade supersônica na ponta das pás. Na eventualidade de a hélice impactar no solo, a caixa de redução absorve os esforços, poupando o eixo do motor. No Remos GX, o motor pode operar até 5.500 rpm sem limite de tempo. A 5.100 rpm, libera o maior torque, fazendo como que a aeronave voe em cruzeiro por volta dos 200 km/h (107 kt), gastando 20 litros por hora. Um consumo específico por volta de 10 km (5,35 milhas náuticas) por litro. As grandes revisões devem ser realizadas a cada 2.000 horas de operação e seus cabeçotes, descarbonizados a cada 600 horas.
As aeronaves Remos podem ser produzidas em três modelos, diferentes em acabamento e configuração de aviônica. Sua certificação na Alemanha permite que sejam equipadas com instrumentos que possibilitam o voo sob as regras IFR, em condição VMC. Lá também foram aprovadas para rebocar planadores. Já nos EUA, aeronaves categoria LSA podem ser utilizadas em instrução primária de pilotos que pretendam obter a licença de PP (Piloto Privado). Isso gera expectativas de redução de custos de formação de pilotos, inclusive para a obtenção de habilitação IFR. Ainda que por aqui seja considerado ultraleve avançado, submetido, portanto, às regras previstas na RBHA 103 A, no momento do registro no RAB, a Anac emite um documento declarando que a aeronave atende aos requisitos de ALE (Aeronave Leve Esportiva) compatível com o padrão LSA, norte-americano. Isso ocorre porque a agência está reeditando a RBHA 91. Tão logo a nova regulamentação esteja pronta, o operador poderá optar em manter sua operação pela RBHA 103 A (como ultraleve avançado) ou pela RBAC 91 (como ALE).
Certificação na Alemanha permite instalação de instrumentos que possibilitam o voo sob as regras IFR, em condição VMC
A marca é representada no Brasil há pelo menos 10 anos pela Empresa Americanense de Assessoria Aeronáutica Ltda., ou EAA. Sua sede está instalada em Americana, no interior de São Paulo, onde também oferece escola de pilotos e serviços de hangaragem. O diretor-presidente Antônio Carlos Camargo nos recebe para mostrar os detalhes da aeronave. Começa enaltecendo o primor na construção de peças usinadas e os encaixes precisos das partes móveis. Segundo ele, a indústria aeronáutica alemã sempre esteve à frente em termos de qualidade de materiais e precisão métrica. A aeronave chega já pronta e configurada da forma que o cliente solicitou. Ao abrir o container, tudo que fazem é montar as asas e ativar o motor. Seu preço na Europa é 87 mil euros, o que significa cerca de R$ 350.000 no Brasil, incluindo os acréscimos de nacionalização.
Já foram vendidas 22 aeronaves no Brasil e, segundo Camargo, os clientes se decidiram pela marca Remos a partir do reconhecimento da excelência nos processos industriais empregados. São empresários e profissionais liberais, pilotos amadores que voam com familiares e muito exigentes com qualidade e segurança. Alguns solicitaram a instalação de kit de paraquedas balístico, também disponível.
Ao ser apresentado à aeronave, passo a observar o requinte do acabamento. As superfícies externas são lisas, sem qualquer imperfeição, onde a mão simplesmente escorrega. Os ailerons têm um prolongamento na raiz, em forma de haste aerodinâmica, que reduz os esforços necessários para se executar curvas. Entrar e sair dela é fácil. As portas abrem para cima e são mantidas lá por pequenos amortecedores hidráulicos. O montante das asas é fixado numa posição posterior à entrada e não dificulta o ingresso. No painel, vários comandos organizados por setor. Adesivos coloridos ajudam a entender a utilidade de cada haste de comando. Os freios são hidráulicos, operados a partir de um manete no console central. O piloto apoia o punho sobre ele, enquanto a mão regula a posição do manete de potência, logo à frente. Uma trava mantém o freio aplicado para estacionamento. E há também dois manetes de potência, um para cada posto de pilotagem.
Vou voar acompanhado do comandante Caio Fechio Camargo, instrutor e checador da escola. A partida a frio é dada com o uso do afogador e, em poucas revoluções, o motor já acorda. Os instrumentos do motor estão todos concentrados numa tela Skyview, que altera as faixas de parâmetros de operação conforme a temperatura. Com o motor ainda frio, a faixa verde fica limitada em 3.800 rpm e, mais tarde, alterada para 5.500 rpm, automaticamente.
A roda dianteira comandável, operada em conjunto com o freio na mão, tornam o taxiamento bem simples. Fácil também é a decolagem, a despeito de termos um vento forte, causado pela passagem de uma frente fria. Mas o Remos GX sai do chão em pouco mais de 200 m, e sobe com cerca de 3,6 m/seg (700 pés/min) a partir da pista de Americana, que está a 610 m (2.000 pés) de altitude. O comando de pilotagem é feito por um manche no assoalho, no qual estão instalados controles de compensador elétrico, chave de transmissão em VHF e desconexão de piloto automático.
Durante a subida os comandos se revelam leves e eficientes. Com pequena deflexão, a aeronave responde prontamente. Outra qualidade é a estabilidade dinâmica. Num dia de ventos fortes era de se esperar turbulência moderada na altura de 760 m (2.500 pés) acima do terreno, justamente a que estamos, mas em comparação com outras aeronaves leves de asa alta, o Remos GX balança muito pouco. O modelo pode vir acompanhado de piloto automático. Nele é possível selecionar vários modos de operação que reduzem a carga de trabalho e elevam o prazer da contemplação.
Realizamos sem dificuldade curvas de grande inclinação. Entrada e saída suaves, assim como a puxada necessária para manter o nariz correndo no horizonte. Na hora do pouso, encontramos uma componente de vento na casa dos 18 km/h (10 kt). Nada grave, já que o seu limite é o de 27 km/h (15 kt). Realizamos a aproximação para a pista 12 em voo planado e, com um glissada, tocamos primeiro a roda direita, mantendo a bequilha e a esquerda ainda no ar. Tão logo a velocidade cai, apoiamo-nos nas três rodas, bem no centro da pista. Abertas as portas durante o táxi, o vento no rosto nos acorda do devaneio. E o taxiamento nos dá a última oportunidade de refletir sobre o fulgor da inteligência humana, materializada na engenharia aeronáutica.
Remos GXFabricante: Remos Aircraft GmbH |
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