Pontos importantes que contribuem para o alto índice de acidentes aéreos na região de Paraty
Redação Publicado em 09/01/2018, às 12h30 - Atualizado às 12h37
A queda da aeronave que transportava o Ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavaski durante a aproximação final no aeroporto de Paraty – RJ levantou algumas bandeiras que há tempos são debatidas entre proprietários, operadores, pilotos e autoridades.
A região da baía de Angra dos Reis é conhecida pelo alto índice de acidentes com aviões de pequeno porte e helicópteros. Aliás, toda a Serra do Mar nos litorais entre São Paulo e Rio de Janeiro tem a infeliz marca de ter levado a vida de muitas pessoas a bordo dessas aeronaves.
Isso nos remete a um problema recorrente a todas as aeronaves que operam em aeródromos pequenos do Brasil: a ausência de uma informação meteorológica confiável. Longe de pensar em ter um meteorologista de plantão 24 horas por dia, 7 dias por semana em todos os lugares. Isso é impossível. Porém, existe tecnologia disponível, confiável e relativamente acessível para que se planeje a instalação de estações de observação meteorológica automatizadas e que transmitam essas informações seja pela Internet seja por radio difusão. São as chamadas (em inglês) AWOS – Automated Weather Observation System ou ASOS – Automated Surface Observation System. Há quem pense que somente aeródromos pequenos podem ter esse sistema. Para comprovar a sua eficácia, somente no estado da Florida nos Estados Unidos mais de 70 estações são certificadas pelo FAA – autoridade reguladora americana – incluindo nos aeroportos de Miami International, Fort Lauderdale e Orlando. Aqui no Brasil, esse sistema já é testado em alguns aeroportos.
O que os pilotos na prática costumam fazer para se ter uma ideia do que irão encontrar pelo caminho é ligar para algum conhecido na região e questionar sobre a meteorologia, tentando traduzir o relato leigo para o cenário atual. Nessa hora vale praticamente qualquer dado... Se o informante enxerga algum morro, algum ponto predominante no horizonte, se colegas pousaram ou decolaram recentemente, enfim, toda e qualquer informação mas de caráter leigo e isso é o melhor que se pode ter. Ainda que existam radares meteorológicos disponíveis na internet, imagens de satélite e previsões do tempo com alto grau de confiabilidade, as condições podem mudar abruptamente e somente um meteorologista de plantão ou uma estação automatizada para informar em tempo real o que está acontecendo.
Uma atitude pró-ativa dos pilotos em situações como essas é não se deixar levar pela expressão “tenho que chegar a qualquer custo no meu destino” ou às pressões exercidas pelos passageiros afinal eles querem chegar inteiros no destino. Saber respeitar os limites de meteorologia em locais desprovidos de informações confiáveis ou procedimentos de pouso por instrumentos é fundamental para a execução de um voo seguro. Em outras palavras, não dá para “forçar a barra”.
O segundo ponto é a ausência de um co-piloto a bordo. Será que efetivamente um segundo tripulante teria evitado esse desastre. De fato, nunca saberemos. O que temos de concreto é que a autoridade originária certificadora da aeronave a homologou como sendo possível ser pilotada por somente um piloto. É evidente que um segundo piloto a bordo aumentaria o nível de alerta na cabine pois se espera que um piloto eventualmente corrija as possíveis falhas do outro. Com um único piloto a bordo a supervisão de todos os atos inerentes à pilotagem cabem exclusivamente a si próprio e uma decisão tomada de forma errada ficará sem uma contradita que poderia ser a diferença ente um pouso seguro e um acidente.
Fica nítida a ligação entre uma possível condição ruim climática e o fato de haver somente um piloto a bordo. Novamente alertamos, não queremos definir a causa do acidente e somente levantar os pontos importantes que já temos para o debate.
Um terceiro e interessante ponto discutido e levado ao conhecimento do grande público através da mídia televisiva foi a existência de “Procedimentos Mandrake” para pouso naquele aeródromo. Esses procedimentos realmente existem. Todos sabemos! Pilotos, proprietários, autoridades (ainda que neguem) sabem como as coisas funcionam.
Desde que o GPS passou a integrar as cabines de comando das aeronaves, os limites de operação foram extremamente reduzidos na prática. Pilotos podiam marcar coordenadas e voar com precisão até elas realizando seus próprios procedimentos de chegada por instrumentos praticamente em quaisquer localidades desprovidas de uma aproximação IFR.
Com o passar do tempo, essa prática foi se disseminando na comunidade aeronáutica e verdadeiras cartas (não oficiais) passaram a fazer parte dos planejamentos dos voos. Esses procedimentos muitas vezes não respeitam os gabaritos de segurança exigidos para a sua confecção mas são extremamente eficientes em sua grande maioria pois todos os dias acontecem voos nessa região seguindo esses perfis de voo.
Os “Procedimentos Mandrake” nada mais são que procedimentos denominados GPS - RNAV dos grandes aeroportos e que tem um caráter oficial de uso.
Há anos que entidades de classe pedem ao DECEA a criação de procedimentos PINS – Point in Space – para voos IFR nessas regiões aonde os pilotos serão guiados de forma organizada (e não cada um com seu próprio procedimento de chegada) até um ponto de tomada de decisão de prosseguimento ou não do voo.
Esse tipo de procedimento poderia ser mais uma barreira ao que poderia ser um acidente.
Por fim, não podemos deixar de mencionar o que talvez seja o maior dos problemas da aviação: o excesso de confiança. Em 2008 um helicóptero acidentou-se na região e matou 02 dos mais experientes pilotos que ali operavam. Novamente, temos um piloto extremamente experiente e com profundos conhecimentos da localidade morrendo em um acidente. Será que o excesso de confiança em fazer o mesmo trajeto tantas vezes, por tantos anos seguidos nos torna complacentes com a Segurança de Voo? Estudos dizem que sim e que o nível de percepção a um acidente vai caindo com o passar do tempo sem que nada de errado aconteça tanto conosco ou com pessoas ao nosso redor. Isso é do ser humano. Por esse motivo não podemos jamais baixar a guarda quanto aos níveis de segurança determinados nas normas aeronáuticas ou por nós impostas.
Não há nada de errado em ser mais conservador que uma norma publicada. O que não pode acontecer é o inverso. Muitas vezes transgressões à essas normas acontecem sem qualquer problema mas um dia pode dar errado e quando você precisar da margem de segurança que a norma já te oferece poderá ser tarde.
Esses são pontos a serem pensados por todos nós independentemente da aeronave que voamos ou para onde estamos indo.