Mercado de aviação agrícola espera fechar o ano com 40 novas aeronaves

Nesta semana, aeroporto de Canelas, no Rio Grande do Sul, sedia congresso que vai discutir os rumos do setor

Shailon Ian, especial para AERO Magazine Publicado em 07/08/2017, às 12h48 - Atualizado às 12h47

O aeroporto de Canela, no Rio Grande do Sul, sedia nesta semana a edição 2017 do Congresso Sindag, organizado pelo Sindicato Nacional de Aviação Agrícola. O evento, que acontece de terça a quinta-feira (8 a 10 de agosto), reúne os principais fabricantes e fornecedores do setor.

Segundo o Sindag, depois de um ano de baixa em 2016, os principais fabricantes esperam dobrar o faturamento em 2017. A expectativa é que pelo menos 40 novos aviões agrícolas sejam incorporados à frota aeroagrícola brasileira até dezembro, sobretudo diante das boas chuvas no campo e da estabilidade cambial com o dólar abaixo de R$ 4,00.

A Embraer, que detém mais de 60% do mercado, deve entregar entre 15 e 20 aeronaves este ano. O destaque do fabricante é o Ipanema 203, que entrou em operação há pouco mais de um ano. Já a norte-americana Air Tractor, principal fornecedora entre as marcas estrangeiras, teve 18 aeronaves vendidas no Brasil em 2017, contra 11 comercializadas no ano passado. A empresa acaba de homologar no Brasil o AT-502B XPower, com motor mais potente e mais econômico, e promete iniciar as entregas neste mês de agosto. 

História 

Em 19 de agosto próximo, o país comemora o Dia Nacional da Aviação Agrícola, que faz referência ao primeiro voo de uma aeronave no Brasil para aplicação de defensivos químicos no campo - na ocasião, com objetivo de controlar uma praga de gafanhotes em Pelotas, no Rio Grande do Sul. A partir de então, a atividade sofreu uma grande expansão e se tornou vital para um dos setores mais fortes da economia do país, o agronegócio. 

Os benefícios da utilização de aeronaves no campo são reconhecidos por grande parte dos envolvidos no negócio agrícola. Se a aplicação direta, na pulverização de defensivos agrícolas, permitindo o controle de pragas em grandes áreas e evitando que toda uma colheita seja comprometida, é a operação clássica quando se fala em aviação aeroagrícola, outras aplicações de aeronaves no agribusiness vêm ganhando cada vez mais relevância com a modernização das técnicas de cultivo e a necessidade de mobilidade em tempos de mercados cada vez mais globalizados.

O que talvez poucos saibam é que a história da aviação no campo remonta aos primórdios da indústria aeronáutica. Já em 1906, na mesma época em que Santos Dumont demonstrava o seu 14-Bis, John Chayton usou um balão dirigível para espalhar algumas sementes em um vale na Nova Zelândia. Já a utilização de aviões tem início em 1921, quando o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos assinou um acordo com o Army Signal Corps para desenvolver técnicas modernas de pulverização.

Mais recentemente, o uso de aeronaves privadas no transporte dos empresários do agronegócio ganhou relevância com o aumento do preço das commodities agrícolas, que acabou por gerar riqueza no campo e permitiu que aviões privados e helicópteros, antes considerados um luxo, tornassem-se ferramentas importantes de trabalho. A bordo de suas aeronaves, os fazendeiros se deslocam com rapidez entre diferentes propriedades, centros produtores e centros consumidores dos produtos agrícolas.

Ipanema

No Brasil, na década de 1960, o Ministério Agricultura firmou convênio com a então estatal Embraer para que fosse projetado e produzido no país um avião agrícola. Engenheiros do ITA, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, projetaram uma aeronave e a testaram na fazenda Ipanema, em Sorocaba, interior de São Paulo. Assim, na década de 1970, tem início a produção da nova aeronave. Nascia ali um campeão agrícola.

Em pouco mais de 40 anos de produção ininterrupta, é o produto mais longevo da Embraer. Já foram fabricadas e entregues pelo menos 1.300 aeronaves Ipanema, que conta desde seu início com características específicas para sua atividade, como cockpit fechado e vedado, reduzindo os riscos de contato do piloto com os produtos químicos. O Ipanema é considerado um dos mais acessíveis e versáteis aviões agrícolas do mundo.

Operação complexa

A operação de uma aeronave na atividade aeroagrícola é uma das mais desafiadoras da indústria. Uma operação rotineira com uma aeronave Ipanema, por exemplo, envolve o comandante decolando com mais de 80 litros de produtos químicos de um campo de pouso com pouca estrutura. Depois de alinhar com o campo a ser pulverizado, enquanto controla a altitude da aeronave, que deve ser a mais baixa possível, ele reduz a velocidade para algo perto da velocidade de estol da aeronave, comandando o início da pulverização no ponto correto. Ao final, ele deve ganhar altitude e velocidade enquanto faz uma curva fechada, para poupar tempo e retomar o processo na próxima passada.

Além de atenção e concentração máximas, o piloto deve conhecer a máquina e suas limitações, bem como o terreno, seus obstáculos naturais e artificiais, para conseguir efetuar o voo com o máximo de segurança e produtividade. O bom planejamento do voo e suas diferentes etapas, com o cumprimento irrestrito dos procedimentos estabelecidos para cada operação específica, são fundamentais para que os acidentes, hoje ainda comuns, sejam reduzidos. As empresas dedicadas ao serviço têm hoje várias ferramentas de análise e mitigação de risco à sua disposição, algumas, como o “Safety Case”, oriundas das indústrias nucleares e de petróleo, oferecem mecanismos para se identificar os perigos e mitigar os riscos de cada aplicação.

Se os perigos são elevados, o correto planejamento da execução do serviço, a utilização de aeronaves e equipamentos de pulverização atualizados e com sua manutenção em dia, além do treinamento adequado de todos os envolvidos, são condições determinantes para que os riscos sejam mitigados, poupando a vida dos pilotos e demais profissionais envolvidos na atividade.

A regulamentação

Em 2012, a Anac emitiu regulamentação específica, a RBAC 137, na qual estabeleceu os requisitos mínimos necessários para a utilização de aeronaves em atividades de fomento ou proteção da agricultura. São exemplos de requisitos para a obtenção de um Certificado de Operador Aéreo para a atividade aeroagrícola, dentre outros, o registro de estabelecimento no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e a existência de um SGSO em operação ou em implantação. Adicionalmente, o interessado na operação deve ser capaz de demonstrar seu compromisso com a garantia da segurança operacional e que suas operações estarão em conformidade com os requisitos de segurança operacional estabelecidos pela Anac e deve possuir uma ou mais aeronaves que estejam registradas na categoria SAE (Serviço Aéreo Especializado).

O enfoque da regulamentação se deu no estabelecimento de um Sistema de Gerenciamento de Segurança Operacional efetivo, introduzindo requisitos mínimos a serem seguidos por todos os interessados em exercer a atividade.

Sofisticação empresarial 

A utilização das aeronaves diretamente no auxílio à produção tem uma larga história. Com o aumento da produtividade no campo e a valorização das commodities agrícolas, juntamente com o surgimento de grandes fazendas e potências produtoras, os empresários passaram a investir também em aeronaves para transporte de passageiros, interligando suas diversas propriedades, permitindo deslocamentos mais rápidos e aumentando significativamente a produtividade de seus executivos.

As características das operações, que no início eram executadas em pistas de terra com infraestrutura bastante básica, acabaram por criar um nicho no mercado aeronáutico, composto por aeronaves na sua maioria turbo-hélice, com trens de pouso altos que permitem a aterrissagem em pistas com pouco preparo. 

Alcance e capacidade de transporte também são requisitos importantes, além da robustez e do baixo custo operacional. Entre os representantes desse segmento estão os monoturboélices que ganham terreno no Brasil, como a família TBM e o Pilatus PC-12, e os bimotores King Air, além de modelos a pistão certificados.

Com a evolução dos mercados e a globalização, os grandes produtores e tradings agrícolas já possuem jatos executivos de médio e longo alcance em sua frota. A necessidade de se deslocar até os mercados asiáticos, grandes consumidores das commodities agrícolas, justificam os investimentos em aeronaves com capacidade transoceânico, fazendo com que a viagem até os centros consumidores se dê de forma bem mais confortável e, mais importante, permitindo que o empresário mantenha suas atividades profissionais enquanto efetua o deslocamento.

O futuro

Atualmente, as aeronaves são utilizadas no suporte à agricultura não só na aplicação de defensivos e fertilizantes, mas também em atividades como aerolevantamento e mapeamento das áreas plantadas. A diversidade das aplicações, a capacidade e o potencial de ganho de produtividade que a utilização de aviões e helicópteros pode trazer para a indústria são conhecidos e explorados desde os primórdios da aviação.

Mais recentemente, o advento dos drones e suas primeiras aplicações na agricultura parecem mostrar que, no futuro, grande parte das atividades hoje exercidas por aeronaves com pilotos a bordo poderá ser substituída por aeronaves autônomas ou pilotadas à distância. Os ganhos em produtividade e a menor exposição a perigos desnecessários são outros benefícios que sinalizam que a adoção desse tipo de solução não tardará a ser o padrão da indústria.

Drones à parte, a utilização de aeronaves e a agricultura andaram juntas e enfrentaram vários desafios nestes mais de 100 anos de história. Os avanços tecnológicos e a busca por maior produtividade acabaram por criar uma ligação que não mostra sinais de que será desfeita num horizonte próximo.

Adicionalmente, a necessidade de se locomover rapidamente entre as diferentes unidades de produção, e de conseguir acessar os mercados consumidores nos diversos continentes faz com que os empresários do agribusiness cada vez mais vejam os aviões como aliados importantes não só no manejo das culturas no campo, mas, principalmente, como uma ferramenta de trabalho que permite que ele esteja muito mais próximo de seus clientes e colaboradores.