Um guindaste alado

Grande, forte e incomum, o helicóptero russo Kamov Ka-32a11BC chega ao Brasil com a promessa de içar cargas de até 5 toneladas e participar de missões que vão de obras de infraestrutura a combate a incêndios

Ruy Flemming/ | Fotos Divulgação Publicado em 04/09/2012, às 12h03 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45

Rotores tripás contrarrotativos sobrepostos, ausência de rotor de cauda e rodas apoiadas em quatro pontos diferenciam a aeronave

Quem observa um Ka-32a11BC, mesmo de longe, logo percebe tratar-se de um helicóptero incomum. A começar pelo tamanho. São 5,45 metros de altura por 15,9 metros de comprimento total. Sua configuração também foge dos padrões tidos como normais, já que a aeronave opera sem rotor de cauda e possui dois rotores tripás cujas dimensões ultrapassam as da fuselagem. Além disso, o conjunto de trem de pouso conta com quatro rodas apoiadas em quatro pontos, coisa rara em helicópteros. Longe de ser considerado elegante, não há nada de delicado nesse gigante russo, concebido para ser forte e robusto e não se negar a cumprir missões para "pesos-pesados". Mesmo porque, não é qualquer um que sai do chão com um peso máximo de 11 toneladas com carga interna ou incríveis 12.700 kg com carga externa, o que só é possível graças às duas turbinas russas TV3-117VMA - cada uma capaz de gerar 2.400 shp de potência máxima. O Kamov Ka-32 pousou no Brasil e promete revolucionar o transporte de cargas içadas, embora suas aplicações tenham potencial para ir muito além desse tipo de missão.

Fiz uma visita ao Helipark, que fica na Grande São Paulo, para conhecer melhor o helicóptero. Conversei com o comandante Antonio Carlos Nardin França, chefe de uma equipe de quatro pilotos que viajou para a Rússia e está em contato permanente com outros seis profissionais que prestam apoio às operações do Kamov Ka-32 no Brasil. Durante 70 dias, eles permaneceram entre Moscou e Kumerlau, cidade a nordeste da capital russa, onde o helicóptero é fabricado. Num ambiente em que a temperatura bate os 32o C negativos, com média em torno de menos 10, aprenderam tudo o que diz respeito à operação do novo helicóptero.

Comecei o bate-papo perguntando sobre uma solução de engenharia que não estamos acostumados a ver, os rotores tripás contrarrotativos, instalados um sobre o outro. O conjunto superior, quando visto de cima, gira no sentido dos ponteiros do relógio e o inferior, no sentido oposto, tirando da aeronave a necessidade de eliminação do torque. Nardin explica que o comando de guinada acontece com a mudança do ângulo de ataque de cada um dos conjuntos de rotores. "O pedal direito altera o ângulo das pás do rotor inferior e o pedal esquerdo, o do superior", ele explica. E essa é a grande vantagem, que se desdobra em diversas outras: a ausência de um rotor de cauda.

O fato de não possuir um rotor de cauda elimina riscos de acidentes em solo com passageiros durante embarques e desembarques, especialmente por se tratar de um ambiente que costuma ter a circulação de pessoas não habituadas a trabalhar próximas a helicópteros. As operações que envolvem variações de potência - situação em que um piloto que voa um helicóptero com rotor de cauda deve imprimir comando de pedal para manter o helicóptero coordenado - não causarão maiores preocupações para os pilotos do Kamov Ka-32. É um detalhe simples e aparentemente sem importância, mas que faz muita diferença na precisão de um voo de içamento, especialmente se uma carga externa de até cinco toneladas estiver pendurada num cabo de até 200 pés, ou cerca de 70 metros, e tiver de ser deixada num ponto específico.

A BORDO DO GIGANTE
Nada melhor que sentar no posto de pilotagem para conhecer melhor o helicóptero. A tripulação técnica tem de escalar dois degraus altos e apoiar as mãos em alças para acessar os postos de comando. O cockpit é espartano. A tecnologia do cristal líquido se faz presente apenas em um GPS instalado na coluna que divide os dois painéis do grande para-brisa frontal. Dois pequenos ventiladores apontados para cada um dos pilotos são os responsáveis por fornecer algum conforto nos dias mais quentes. Uma Auxiliary Power Unit (APU) garante o suprimento de energia elétrica no solo quando os motores estão desligados e não há suprimento de uma Ground Power Unit (GPU), o que possibilita as operações em locais ermos. As pás podem ser dobradas para trás para reduzir o espaço necessário na hangaragem.

Diferente do que costuma acontecer nos helicópteros ocidentais, o comandante assume o posto da esquerda. Duas grandes bolhas de acrílico estão instaladas em cada janela lateral dos postos de pilotagem. Elas são aliadas fundamentais dos pilotos no propósito de avistarem o lado de fora e, principalmente, a parte de baixo da aeronave durante operações de içamento. Dois espelhos, um de cada lado da cabine, também ajudam muito no posicionamento de carga com precisão.


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A área traseira é chamada pelo fabricante de compartimento de carga, o que dá uma ideia do nível de conforto dos nove ocupantes autorizados a embarcar no helicóptero. De fato, as acomodações dali de trás estão longe de serem as mais confortáveis. A começar pelos assentos, que são do tipo dobráveis, mas que se tornam extremamente práticos quando é necessário alternar entre carga e passageiros. O voo acontece praticamente sem qualquer vibração. O nível de ruído, porém, impede a permanência dos ocupantes no interior da aeronave sem a proteção auricular adequada.

Há um buraco no meio do piso do compartimento de carga, de onde sai o gancho, como se fosse uma continuidade do alinhamento do mastro dos rotores. Um operador coordena com os pilotos os detalhes do posicionamento. Numa missão de içamento, só há permissão de embarcar o pessoal diretamente envolvido com a operação a ser realizada e, conforme sua complexidade, outros operadores posicionados no solo podem se comunicar com a tripulação.

Com auxílio de um bambi bucket, o Kamov Ka-32 pode ser um aliado no combate a incêndios

OS LIMITES DO KAMOV
Mas qual é o limite para a operação do Kamov Ka-32? O que ele pode realmente fazer no Brasil? A resposta veio do próprio presidente da Helicargo, empresa que ousou ao investir nesse helicóptero. O empresário João Velloso e sua esposa, Regina Helena Velloso, já trazem a marca do empreendedorismo por terem apostado na construção do Helipark, o maior centro de helicópteros da América Latina, situado em Carapicuíba, na Grande São Paulo. A garantia de tratar-se de um bom negócio, que há alguns anos era vista com reservas aos olhos de alguns céticos, está confirmada com a nova fase de ampliação do centro. A Helicargo traz esse DNA. Nessa empreitada, João Velloso associou-se a Nilson Rocha, que atua no ramo de guindastes e é o vice-presidente da empresa.

O Kamov Ka-32 é justamente isso, uma combinação eficiente que une a versatilidade de um helicóptero com a força de um guindaste. As aplicações são virtualmente infinitas. João Velloso fala em "uma nova fronteira que se abre". Segundo ele, "como essa ferramenta não existia no país, as necessidades vão surgindo e as respostas vão sendo dadas". Certamente, um guindaste que se desloca à velocidade de cruzeiro de 120 nós (220 km/h), com quatro horas e meia de autonomia e que pode elevar cinco toneladas, já atraiu a atenção de muitos outros empreendedores que querem ver reduzido o tempo de construção de uma obra, de instalação de antenas e dutos, da desobstrução de uma rodovia, da extinção de um incêndio florestal e assim por diante. "O Kamov também pode ser útil em missões urbanas, içando cargas para o topo de prédios", explica Nilson Rocha. "Ele vai funcionar como uma ferramenta complementar aos guindastes convencionais, muitas vezes eliminando a necessidade de usarmos máquinas muito pesadas para içar cargas mais leves ou, então, de termos de desmontar construções ou derrubar matas para chegar até o ponto de destino das cargas".

Painel analógico suporta melhor condições extrema, como a alta umidade da Amazônia

No caso específico dos incêndios, se levarmos em conta o que havia disponível antes do Kamov Ka-32 no Brasil, não há termo de equiparação. Se compararmos os cerca de 300 litros que um Esquilo pode despejar com as cinco toneladas de água que é a capacidade máxima do bambi bucket do Kamov Ka-32, seria como apagar uma fogueira jogando um copo d'água ou um balde. É claro que detalhes de cada carga, tais como peso, dimensões, coeficiente de arrasto aerodinâmico, distâncias envolvidas e outros, são fatores que devem ser usados no planejamento, mas o resultado poderá ser compensador.

A competência do Kamov Ka-32 já desperta interesses e multiplica possibilidades de aplicação. Os helicópteros russos ainda são bastante raros no Brasil. Sem dúvida alguma, as atenções estarão voltadas para a capacidade russa em proporcionar um alto índice de despachabilidade, que, por sua vez, seria revertido em satisfação de clientes e parceiros, como o próprio Helipark, que está se credenciando como centro de serviços do Kamov Ka-32, expandindo ainda mais as possibilidades.

KAMOV KA-32A11BC

Motores: dois motores turboeixo Klimov TV3-117VMA
Potência: 2.400 shp cada
Comprimento: 11,2 m
Altura: 5,45 m
Diâmetro dos rotores: 15,9 m
Peso máximo decolagem: 11 ton
Peso máximo de voo com carga externa: 12,7 ton
Velocidade de cruzeiro: 120 nós (220 km/h)
Teto de serviço: 5.000 m (16.400 pés)
Alcance máximo: 920 km