O gaúcho Francis Barros fala da experiência de ingressar no seleto grupo de pilotos da Red Bull Air Race
Por Maurício Lanza Publicado em 24/04/2015, às 00h00
O Extra 330 LX inicia o circuito a mais de 350 km/h. Entra na chicane e perfaz uma curva fechada à direita. Volta aos 90 graus, agora para a esquerda, antes de contornar os pylons, sem exceder 4 g, para manter a altitude. O motor Lycoming despeja seus 315 hp enquanto o piloto se esforça para preservar a aeronave na trajetória ideal. O objetivo é cumprir o percurso completo sobre as águas azuis de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, no menor tempo possível. O avião e sua fumaça se misturam aos edifícios da arquitetura contemporânea que formam o skyline da metrópole. Tudo parece bem, até que um pequeno deslize tira a aeronave do envelope da prova. Sim, a estreia do brasileiro Francis Barros na Red Bull Air Race poderia ter sido melhor, ainda que o resultado vá para a conta do aprendizado. Ao voar abaixo da altura mínima permitida, ele acabou desqualificado, o que não tirou o mérito deste gaúcho de Porto Alegre de estar ali entre os melhores. Francis teve contato com a aviação muito cedo e hoje é piloto de linha aérea, além de competidor na acrobacia aérea internacional. Tornou-se o segundo brasileiro a competir na Red Bull Air Race – o primeiro foi Adilson Kindlemann, na temporada de 2010. Após um hiato de três anos, a competição retornou em 2014, com a introdução da Challenger Class, categoria de entrada para pilotos aspirantes à tradicional Master Class. Neste bate-papo com AERO, Francis dá mais detalhes sobre a nova categoria, revela seus anseios e fala sobre a presença do Brasil na competição.
Francis Barros se prepara para o voo
Como começou sua carreira na aviação?
Desde criança, sou apaixonado por aviões, como a maioria dos aviadores. Mas tive a felicidade de começar muito cedo, com 10 anos de idade, em um projeto muito interessante do Aeroclube do Rio Grande do Sul, chamado “Iniciação Aeronáutica”, um curso que contemplava aeromodelos e aulas teóricas de teoria de voo, conhecimentos técnicos, meteorologia, história da aviação e até navegação aérea. Comecei a pilotar com 14 anos, ainda sem idade para voar sozinho, mas sempre acompanhado pelo meu instrutor. Morava em Porto Alegre. Limpava aviões para receber aulas de pilotagem. Era muito bacana! Com 18 anos, já tinha as licenças de piloto de planador e de avião, além de já ter “solado” alunos de planador. A acrobacia sempre foi para mim uma necessidade. Necessidade não só pelo gosto, mas para me aperfeiçoar tecnicamente. Com isso, fui instrutor de aeroclube e segui carreira na aviação comercial. Ingressei em uma linha aérea como copiloto. Sobrevivi às crises do setor aéreo nos anos 2000 e acabei me tornando comandante muito jovem, o que me permitiu dedicar tempo à acrobacia aérea, um hobby. Após 2010, intensifiquei os treinamentos e me profissionalizei, a ponto de poder competir internacionalmente. Com a 22ª colocação no campeonato europeu de 2014, fui convidado a participar de um processo seletivo da Red Bull Air Race.
Qual a importância da acrobacia para um piloto?
É uma atividade importante para a formação de um piloto completo. Não porque exige super-habilidades, mas porque desenvolve um conhecimento e uma coordenação que dão uma noção extra da teoria do voo. Além disso, a acrobacia é a porta de acesso às air races, pois desenvolve as qualidades técnicas de pilotagem necessárias para correr em baixa altitude, e em diferentes atitudes. Fui campeão gaúcho, ganhei várias etapas do campeonato nacional de 1997 a 1999 e, depois de uma pausa, voltei a competir em 2011, sendo bicampeão brasileiro nos anos de 2013 e 2014. O convite da Red Bull Air Race era para uma seleção para competir na categoria Challenger Cup. Após um treinamento e um exaustivo processo seletivo, obtive a Restricted Super License para correr.
Quem participa da categoria Challenger Cup?
A corrida aérea é o esporte motorizado mais rápido do mundo e os interessados crescem cada vez mais. É um esporte muito técnico, que exige boa preparação física para aguentarmos a força da gravidade, que durante o circuito chega a 10 vezes mais. Na Red Bull Air Race voamos a quase 400 km/h a poucos metros do chão. Para o espectador, é uma experiência única, pois o visual (a corrida sempre ocorre em lugares emblemáticos), o barulho dos motores e a luta contra o relógio tornam o esporte fascinante e simples de se entender. É apenas o homem, a máquina e o tempo. A categoria básica é a Challenger Cup. Nela os pilotos iniciantes selecionados voam com aviões iguais e sem ajustes diferenciados. Ou seja, a pilotagem é o que importa. Na categoria Master, cada piloto tem sua equipe e seu avião, porém, os motores não podem ser modificados. Apenas itens aerodinâmicos podem ser melhorados, uma vez que o peso também é regulado. Ou seja, isso torna o esporte mais interessante, pois o que vale é o piloto e a inteligência de sua equipe para melhorias e desenvolvimentos aerodinâmicos. Simplificando, na Challenger Cup as aeronaves pertencem ao organizador e na Master são das equipes. A maior diferença é basicamente o peso (os aviões são um pouco mais leves na Master), o que significa uma alteração também na relação peso-potência, ou seja, na capacidade de se manter com mais energia durante o circuito. Porém, a velocidade de entrada no circuito é igual para ambos.
Quais são as funções de um piloto na equipe?
Na Challenger Cupa equipe é fornecida pela organização do Red Bull Air Race e constitui-se de várias pessoas. Nas equipes da Master, temos três, cinco ou mais pessoas, dependendo da estratégia de cada piloto. Normalmente, há o piloto, o mecânico e um chefe de equipe. Mas torna-se cada vez mais importante a figura do engenheiro aeronáutico para auxiliar no desenvolvimento do avião e na estratégia de prova. Quem começou com essa função foi o piloto Paul Bonhomme, quando convidou o brasileiro Paulo Iscold (representando a Universidade Federal de Minas Gerais), hoje uma referência no Air Race. Equipes como a de Nigel Lamb e Hannes Arch contam também com engenheiros.
Sobre Abu Dahbi, Kirby Chambliss, Pete McLeod e Francois Le Vot
Teremos mais brasileiros nesta competição?
Além de mim, mais dois brasileiros participam do circuito do Red Bull Air Race. Um deles é o justamente o Paulo Iscold, que auxilia o campeão Paul Bonhome na categoria Master, como engenheiro aerodinâmico. O outro brasileiro é o Pablo, o coordenador técnico da equipe do Mike Goulian. Acredito que os brasileiros vão gostar desta minha participação, afinal um país não vive só de um esporte. Temos grandes esportistas em várias áreas e somos um povo abençoado. Muitos brasileiros são apaixonados por aviões. E somos o berço não só do pai da aviação, o querido Santos Dumont, mas também de excelentes pilotos. Com certeza, podemos ter um segundo representante brasileiro.
O que, tecnicamente, pode-se ajustar numa aeronave de corrida? Quem determina esses ajustes? Em relação à pilotagem, o que esse esporte requer?
Piloto e engenheiro determinam o ajuste. Com exceção do motor, basicamente tudo pode ser ajustado se for bem estudado na categoria Master(qualquer modificação deve ter aprovação do comitê técnico). Já na categoria Challenger, nada pode ser ajustado, pois são três aviões para todos os pilotos e os aviões são sorteados para a prova. Isso torna o esporte fantástico, pois na categoria de base o que vale é o aperfeiçoamento e o desempenho do piloto. Já na categoria superior, os ajustes e as modificações acabam por evoluir a aviação com o desenvolvimento de novos conceitos, assim como na Fórmula 1.
Como conciliar trabalho com treinamento?
Os treinamentos acontecem nos meus dias de folga. O ideal seria treinar mais, mas tento me concentrar e tirar o melhor resultado daquilo que posso fazer. Os treinamentos nos voos de competição ajudam, mas não influenciam nos resultados da corrida, pois a Air Race é diferente da acrobacia aérea. A corrida aérea é diferente de tudo que já vi: demonstração aérea, competição aérea, aviação agrícola e assim por diante. Claro que os elementos anteriores ajudam na formação da base do piloto, mas voar na Air Race significa incorporar um espectro diferenciado de habilidades. Fisicamente, tenho realizado uma rotina preparada por mim e meus preparadores físicos Juliana Ourique e Marcelo Camargo. É uma espécie de treinamento funcional e crossfit, fundamentado na mistura de exercício aeróbio, muita isometria e ênfase no abdômen.
Qual sua avaliação da estreia e o que espera da temporada?
Obviamente, o desempenho não foi bom, mas tecnicamente significou muito para o meu aprendizado. Voar na Air Race é algo novo para mim. Venho da acrobacia aérea, que privilegia a precisão das manobras. Na Red Bull Air Race o que vale é o tempo. Parece uma pequena diferença, mas não é. Felizmente, estou tranquilo, voei com atenção e foco. Tudo é muito rápido e a margem de erro é pequena. Estou entre alguns dos melhores pilotos do mundo, ou seja, o nível é excelente e muito alto. Minhas chances nas primeiras corridas são baixas, mas espero aprender muito o mais rápido possível... Tenha certeza de que, se depender de mim, serei competitivo o mais rápido possível.