Feito em material composto, o Dynamic WT-9 é incomparavelmente rápido e eficaz em altas velocidades, mas entrega a suavidade de um voo a vela
Décio Corrêa | Fotos Marcelo Galli Publicado em 13/09/2011, às 06h55 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
Experimental alemão montado no Brasil pela Edra Aeronáutica ostenta uma razão de planeio de 14 metros percorridos por 1 metro de descida |
O convite para voar o Dynamic WT-9 me deu a oportunidade de reviver emoções que fizeram valer a pena minha opção pela carreira de aviador. Resgatei sentimentos indescritíveis vividos a bordo de algumas dezenas de nobres "garças" estampadas nas páginas de Aero nos últimos 15 anos. Foi assim no ensaio com o P-51 Mustang, em Oshkosh, que me fez recordar de um velho livro de infância, comprado em um sebo, cuja história narrava a saga verídica de um piloto inglês de Mustang da Segunda Guerra Mundial. Foi assim no reencontro com o Douglas DC-3 em Blumenau, no inesquecível voo em um velho Tiger Moth feito sobre um campinho de grama na fronteira do Rio Grande do Sul, no Fleet biplano dos anos 1930 voado no emblemático Condomínio Vale Eldorado, no "Stearmão" 450 que povoou meus sonhos de garoto, no caça Hawker A-4, que imaginei jamais ter a oportunidade de voar, só para ficar entre os notáveis.
Difícil traduzir a sensação de voltar a voar em Ipeúna, em São Paulo, um lugar mágico, equipado com uma charmosa pista de grama ao abrigo da serra de São Carlos. Aqui foi montado o primeiro Christen Eagle que voei em minha vida, na primeira e única fábrica de Bueckers do Brasil, hoje a sede da Edra Aeronáutica, uma das mais importantes fábricas de aviões leves do país. Mais difícil ainda explicar a satisfação de voltar a voar, depois de quase 40 anos, com um amigo querido e um dos mais competentes aviadores que conheci, no início da década de 1970, o comandante Telmo Nunes. Por nossas diversas afinidades, incluindo aviões, motocicletas e acrobacia aérea, acabamos nos aproximando muito e, apesar de cada um seguir o seu caminho, sempre acabamos por nos reencontrar.
Operador pode optar por trem de pouso fixo ou retrátil
Chegando à sede da Edra, a primeira pessoa que encontro é justamente meu querido amigo Telmo. Depois de uma longa carreira na Vasp, encerrando como comandante internacional de MD-11, e com passagens por TAM, Gol e novamente TAM, como comandante de Boeing 767, ele resolveu aposentar-se e escolheu o Dynamic WT-9 como sua aeronave para voar apenas por prazer. Quis o destino que eu fosse escalado para ensaiar a aeronave dele, exatamente em Ipeúna. Para completar, sou informado pelo comandante Rodrigo Scoda que o Telmo será meu parceiro no Dynamic e ele, Rodrigo, será o piloto da aeronave paquera, um Ikarus C-42, que transportará o nosso fotógrafo. Depois de colocado o papo em dia e acertados os detalhes do voo, vamos inspecionar e preparar as aeronaves.
Desenho aerodinâmico do WT-9 proporciona uma velocidade de cruzeiro de 240 km/h e uma razão de subida de 1.400 pés por minuto |
O que se constata, em uma primeira avaliação, é que o Dynamic carrega em seu DNA traços de um planador. Seu formato de "girino" e sua razão de planeio de 14 metros por 1 metro - ele percorre 14 metros e perde apenas 1 metro de altura - já sugerem tal herança genética. É uma aeronave cujo design compartilha a leveza, a elegância e a beleza das aeronaves sem motor. Um exame mais minucioso, porém, revela que, por trás da aparente fragilidade demarcada por sua limpeza aerodinâmica, o WT-9 esconde a agressividade e a robustez de aviões de alta performance, sem perder, em voo, a honestidade e os perfis operacionais de uma máquina dócil de pilotar. Em poucas palavras, o Dynamic é rápido e muito eficaz em altas velocidades, capaz de responder bem aos comandos em baixas velocidades e pronto para operar em extensões de pistas incrivelmente curtas.
Construído na Alemanha e montado no Brasil pela Edra Aeronáutica, o Dynamic utiliza os mais modernos processos de produção em materiais compostos. Sua espaçosa cabine, em configuração lado a lado, proporciona excelente conforto para duas pessoas, além de um amplo bagageiro para acomodar grande quantidade de malas e outros pertences nas viagens mais longas. Um esmerado processo de limpeza aerodinâmica, aliado a um exaustivo programa de ensaios, confere ao Dynamic WT-9 uma velocidade de cruzeiro incomparável, uma excelente estabilidade nos três eixos, um baixo nível de ruído interno, uma capacidade de pousar e decolar em pistas rústicas e extremamente curtas e uma excelente razão de subida de 1.400 pés por minuto. Na compra do avião, o cliente pode optar por um sistema de trem de pouso fixo ou retrátil, assim como uma vasta gama de aviônicos e sistemas opcionais.
A Dynamic oferece diferentes configurações de aviônicos e sistemas operacionais |
Recordações em voo
Motores acionados e inicio o táxi pela bem-cuidada taxiway de acesso à cabeceira. Com mais recursos de velocidade, decolaremos depois de nosso paquera. Checklist de cabeceira concluído, alinho e aguardo a partida do Ikarus. Tão logo ele cruza a cabeceira oposta, levo o manete de potência à frente e inicio a corrida de decolagem. A sensação de uma generosa relação entre peso e potência já se faz sentir na vigorosa arrancada. Com 310 quilos vazio e 100 cavalos de potência no eixo de uma hélice tripá, a relação inicial da aeronave é a de 1 cavalo de potência para cada 3 quilos. O Dynamic já quer voar com 35 mph, e sai do chão com 45 mph. Permito que ele acelere até 70 mph e giro à direita, buscando interceptar o nosso paquera. A razão de subida é vigorosa e já preciso reduzir nossa potência para não ultrapassar o Ikarus. Imaginava que teríamos sobra de potência, mas não tanta. À medida que o avião ganha altura, executo uma série de manobras na ala do Ikarus para sentir a manobrabilidade, as acelerações, as reduções de velocidade e os limites de ângulo de visão do Dynamic durante as diversas fases do voo. Ganhando altura para transpor a serra de São Carlos, é impossível deixar de observar a beleza dessa região. O relevo em calcário de diversos matizes recebendo os raios de sol da manhã muda a cada ângulo de visada conforme avançamos por sobre a cadeia de montes. Um espetáculo magnífico!
Fabricação em material composto garante suavidade aerodinâmica ao WT-9 |
Concentrado em manter a posição junto a nosso paquera, nada comento com meu companheiro. De relance, percebo que ele está longe dali. Sem pretender, também me transporto no tempo e retrocedo quase quatro décadas, quando dois jovens aviadores desfrutam do mesmo cockpit, executando manobras acrobáticas em um Cessna 152 Aerobat. Sem esforço, consigo me lembrar da matrícula dessa aeronave: PT-CKK. Na minha memória, a velha pista de Franco da Rocha - hoje desativada - passa de relance por sobre a janela do teto do Aerobat enquanto mantenho o voo invertido. Em seguida, executo um meio tunô e a pista aparece inteira em nosso para-brisa, completando a perna do oito cubano. Aproveito o mergulho e a sobra de velocidade para iniciar um tunô barril, bem lento, trabalhado, caprichando no arco, como se tentasse desenhar um circulo perfeito no céu. O vento que entra pelas tomadas de ar do Dynamic é o mesmo, assim como o relevo acidentado, os cheiros, os ruídos, a paisagem e a sensação de liberdade que apenas o voo proporciona. Como no passe de um mágico invisível, reencontro meu amigo Telmo naquela velha pista de terra, nos hangares do Campo de Marte, montado em uma motocicleta a caminho de Tiradentes e numa série enorme de momentos que julgava apagados da minha lembrança. O tempo passou, porém, permanecemos jovens, conservados pela mágica do voo. Não conversamos, mas tenho a certeza de que as mesmas recordações passam pela cabeça do meu amigo.
No interior do cockpit, destaque para o baixo nível de ruído
Como se não quisesse acordar de um sonho bom, volto à realidade pela voz do comandante Rodrigo, que nos transmite instruções do fotógrafo. Evoluímos sob sua lente como um bailarino em um espetáculo de gala. A perfeita manobrabilidade e a reserva de potência do Dynamic fazem corpo conosco. Por um momento, tenho a sensação de que o avião está se exibindo para o meu amigo, tentando conquistá-lo, buscando eliminar qualquer dúvida quanto ao acerto de sua escolha. Procuro deduzir quais razões o levaram a escolher o Dynamic como parceiro na sua aposentadoria como aviador. Como motociclista, tive uma BMW GS que já "girou algumas dezenas de velocímetros" e ostenta em seu log-book mais de meia dúzia de viagens ao Chile, cruzando a Cordilheira dos Andes e o deserto do Atacama. Penso que esse seja o caminho para entender a sua escolha: segurança e confiabilidade em qualquer condição, desempenho, conforto e sensação de liberdade, algo que poucas aeronaves proporcionam em sua plenitude. Segundo me disse, o "namoro" com o avião começou quando ele fez um "cruzeiro" até o Uruguai a bordo do Dynamic de um amigo de Florianópolis.
Canopy dá uma ideia do espaço interno para dois ocupantes lado a lado |
Aula de elegância
Cruzamos por sobre a serra, deixamos Brotas em nosso través e ganhamos terreno em direção à represa do Broa, em Itirapina, já próximos de São Carlos. Seguindo as orientações do nosso fotógrafo, busco os melhores ângulos para mostrar a nossa máquina. O trabalho fica bastante facilitado pela competência e pelos recursos de potência e de comandos de que dispomos. Em questão de segundos, posso acelerar para 240 km/h ou "estacionar" em frente à lente a 50 km/h. A represa com as suas águas espelhadas pela ausência de vento é uma moldura incomparável. Aproveitamos a iluminação perfeita para explorar todas as atitudes possíveis. Não precisamos economizar recursos. Ganhando altura para explorar as últimas tomadas, encerramos a seção, já na proa de Ipeúna. Aproveito a altitude para executar as demais avaliações previstas. Perfeitamente estabilizado, conferimos 245 km/h. Em voo ascendente, o climb indica 1.250 pés por minuto. Nos estóis, com a aeronave limpa, anotamos 58 km/h. Com full flaps, a aeronave voa a 45 km/h. O interessante é que o pleno estol com a clássica tremida do manche e a afundada de nariz não acontece com o Dynamic. Com o manche "colado", ele mantém o nariz na linha do horizonte e começa a afundar em uma razão de cerca de 500 pés por minuto. É possível fazer um pouso praticamente na vertical. Basta manter o manche todo cabrado, pouco antes da vertical da cabeceira e ceder o manche para ganhar 70 km/h e pousar em frente. Poucas aeronaves têm essa capacidade. Lembro-me que o Europa, o Cirrus e alguns RVs apresentam essa característica.
Por sobre a serra, conseguimos avistar Rio Claro à nossa esquerda, Santa Gertrudes e Cordeirópolis à frente, ligeiramente à esquerda, Americana pouco à direita e Campinas na linha do horizonte. Fazendo um ângulo de uns 30 graus com a nossa asa direita, podemos avistar Piracicaba. Como meu companheiro é um exímio piloto acrobático, fico tentado a executar um tunô barril, aproveitando a velocidade e a descida da serra. Sou impedido pelo bom senso e pela responsabilidade profissional. Sempre tive consciência dos riscos naturais desse tipo de voo e jamais me permiti agravá-los. Como profissional que ele também é, tenho a certeza de que aprova tacitamente essa minha atitude, até porque, não lhe cedi o manche em nenhuma ocasião até aqui. Baixo o nariz do Dynamic e observo o velocímetro disparar para 280 km/h. É a nossa VNE (Velocidade Não Exceder) e sou forçado a tirar o motor e evitar esforços não recomendáveis.
Gostei
Beleza e elegância com destaque para os winglets; relação peso-potência; manobrabilidade; distâncias de pouso e decolagem; velocidade
Não Gostei
Sistema de acionamento dos freios por alavanca
Entramos no circuito de tráfego e não resisto a entregar o manche ao meu amigo para que ele efetue o pouso. Alego que estou cansado e que gostaria de vê-lo trabalhar um pouco, afinal, minha missão já está encerrada. "O avião é dele e está pago, e ele está perfeitamente capacitado e habilitado para a missão", penso. Como pretendendo me dar uma lição, a de que o antigo mestre ainda não "perdeu a mão", assisto a uma verdadeira aula de elegância e delicadeza no pilotar uma aeronave. A potência é manuseada pela ponta dos dedos, apenas no ajuste fino, o compensador de arfagem "desliza" aliviando a pressão sobre o manche e o velocímetro vai se encaixando suave e na velocidade correta. As curvas são confortáveis, indicando "bolinha no centro", e o profile é definido e não muda na angulação quase perfeita.
#Q#Flaps aplicados nas velocidades e nas pernas corretas. A sensação não é a de que estamos nos aproximando da pista e, sim, a de que é ela quem se aproxima de nossa aeronave. observo meu companheiro e percebo um comandante absolutamente concentrado no que está fazendo, como manda a regra "voando na frente do avião". Cruzamos a cabeceira, ele administra uma ligeira flutuada e o toque é suave e seguro. Ligeira corrida e já estamos saindo na primeira interseção da pista, em direção ao pátio. Impecável checklist de corte de motor e abandono e nossa missão está encerrada. Estou feliz pelo meu companheiro, penso que foram feitos um para o outro. Como o North American NA T-6 para o coronel Braga e o Buecker para o Bertelli.
DYNAMIC WT-9 Três vistas Ivan Plavetz |
Motor: Rotax 912 UlS Envergadura: 9 m Peso vazio: 310 kg Peso máximo de decolagem: 600 kg Velocidade de cruzeiro: 240 km/h Mais informações: Edra Aeronáutica |