Brigadeiro Mauro Gandra, presidente da Ancab
Texto E | Fotos Giuliano Agmont Publicado em 28/02/2012, às 14h40 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
O leilão que concedeu à iniciativa privada a administração dos três mais problemáticos aeroportos brasileiros promete se revelar um ponto de inflexão na história do transporte aéreo do país. As ofertas dos consórcios vencedores, que arremataram Cumbica, em Guarulhos (SP), Viracopos, em Campinas (SP), e Juscelino Kubitschek, em Brasília (DF), somaram quase R$ 25 bilhões, com ágios que variaram de 159% a 673%. O consórcio liderado pela empresa Invepar, cujos principais controladores são os fundos de pensão dos funcionários das estatais Banco do Brasil (Previ), Caixa (Funcef) e Petrobras (Petros), associada à construtora OAS e a administradores de rodovias brasileiras, além da operadora sul-africana Acsa, irá desembolsar 16,2 bilhões de reais nos próximos 20 anos em troca da administração de Guarulhos. Já o consórcio Aeroportos Brasil, composto pela Triunfo Participações e Eventos, que administra rodovias e uma hidrelétrica, pela UTC Participação, grupo de engenharia com participação em hidrelétrica, e pela operadora francesa Egis Avia, que administra aeroportos na África, pagará 3,8 bilhões de reais pela concessão do JK. Finalmente, o consórcio Inframérica Aeroportos, liderado pela Infravix Participações (do grupo Engevix), que já administra o aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN), em parceria com a operadora argentina Corporation América, arrematou Brasília por 4,5 bilhões de reais. O tenente-brigadeiro-do-ar Mauro Gandra, ex-ministro da Aeronáutica do governo FHC e atual presidente da Ancab (Associação Nacional de Concessionários de Aeroportos Brasileiros), vem acompanhando de perto a privatização. Em sua avaliação, embasada em mais de 60 anos de Força Aérea, com passagem pelas presidências do Departamento de Aviação Civil e do SNEA (Sindicato Nacional das Empresas Aéreas), a Infraero terá papel de moderadora no processo de gestão dos aeroportos, mas não impedirá que as tarifas aeroportuárias subam além do previsto. O militar, porém, está otimista em relação à capacidade da iniciativa privada de conseguir mais receitas do que o estimado – segundo o edital do leilão, a receita prevista dos três aeroportos será de menos de 18 bilhões de reais ante o desembolso de mais de 22 bilhões. Para ele, a redução da burocracia deve favorecer a execução das obras, principalmente aquelas visando as questões operacionais. Veja na entrevista a seguir, concedida no escritório da Ancab, no Rio de Janeiro.
AERO MAGAZINE – O senhor teve contato com os grupos que arremataram os aeroportos brasileiros?
BRIGADEIRO MAURO GANDRA – Recebi dois ou três deles aqui, incluindo um dos vencedores. Eles tinham perguntas específicas. Um deles achava que o controle de tráfego aéreo poderia influenciar no crescimento dos aeroportos. Conversei com o brigadeiro Ramon (Borges Cardoso, diretor-geral do Decea) e ele me disse que não há nenhum limite em termos de controle de espaço aéreo, e que a atual limitação deles está associada à infraestrutura aeroportuária. Ou seja, pistas de pouso, pátios de estacionamento, saídas rápidas e problema de cultura dos pilotos em termos da distância entre os aviões para aproximação e pouso. Eles baixaram para 5 milhas náuticas, mas no exterior essa distância é de 3 milhas náuticas. O brigadeiro disse que ainda falta muito para chegarmos nessas 3 milhas, principalmente pela falta de saídas rápidas. O piloto chega à final com o camarada lá no fim da pista.
- O controle de trafego aéreo não será obstáculo para o crescimento?
O brigadeiro Ramon, por ora, desconsidera essa hipótese. Não só em Guarulhos, mas principalmente em Brasília, que tem duas pistas, e em Campinas, onde praticamente não há interdição por mau tempo. Ou seja, a solução para desfazer o gargalo depende muito mais dos novos concessionários, que precisam aumentar pátios e prover mais infraestrutura para operações.
- O que os outros disseram?
Queriam informações sobre a Infraero. Disse a eles que os problemas com a estatal começaram quando companhias aéreas como Vasp e Transbrasil, depois a própria Varig e a TAM, deixaram de fazer seus pagamentos. O comandante Rolim (Amaro) dizia: ‘Se elas não pagam, também não vou pagar’. Ali começou o sufoco. Depois vieram as CPIs e audiências, que acuou todo mundo. Na época, havia muita gente contratada com cargo de confiança. O foco passou a ser TCU (Tribunal de Contas da União), Ministério Público, Congresso. Resultado: no Galeão, de 140 lojas, quase metade funcionava com liminar. No Rio Grande do Sul, Salvador, também. O que acontecia é que a Infraero pedia a área, entrava com uma ação, ficava funcionando com liminar, aí um dia essa liminar caía, tinha que entregar a área e não tinha havido licitação. E a licitação demora pelo menos uns três meses, e isso se repetia exaustivamente. Por isso disse que os concessionários de aeroportos estão com esperança, acham que será muito mais fácil negociar com uma empresa privada, mesmo sabendo que não vai ser fácil.
- O modelo de privatização com uma participação minoritária da Infraero pode ser uma vantagem?
Desde 1999, sempre preferi uma concessão por módulos. E sempre advogava os módulos. Mas fui vendo que a coisa não funciona, pois ninguém queria saber disso, e ouvi especialistas dizerem que a solução seria fazer uma concessão deixando a iniciativa privada majoritária. O brigadeiro (Cleonilson) Nicácio (ex-presidente da Infraero) foi o primeiro a me dizer isso. Comecei a pensar e concluí que a Infraero vai ser um poder moderador. Nas próprias tarifas, certamente nas de embarque, mas talvez também nas de pouso, permanência e tal. A Infraero vai ter um papel importante, coisa que não aconteceu nas outras privatizações no mundo.
- A IATA já se adiantou dizendo que um ágio como o das privatizações brasileiras determina a explosão das tarifas, direta ou indiretamente. O senhor concorda? A Infraero vai ser capaz de conter a explosão de tarifas?
Tenho grande preconceito contra a IATA, pois a visão dela é uma visão de aeroportos de primeiro mundo. Nossa tarifa é a quarta ou quinta do mundo, e nós temos que ter uma receita que compense os aeroportos que não são lucrativos. A Infraero vai ter poder de moderar, não de impedir. Ela será aquela que vai tentar controlar o problema de aumento de tarifas. Agora, que vai haver aumento, vai! Até porque as tarifas passaram muito tempo estacionadas. Seja como for, é importante considerar que temos um uso comercial muito aquém do que seria possível nos aeroportos, e acho que essa área será maximizada. Na Europa, a receita chega a ser de 70%. Vai haver um aumento, mas a Infraero tem a virtude de evitar que chegue uma operadora estrangeira e queira tomar medidas sem prover adaptações à cultura. Sob esse aspecto a Infraero vai ser um poder moderador e vai ser opinativa.
"A INFRAERO VAI SER UM PODER MODERADOR. É UM PAPEL IMPORTANTE, COISA QUE NÃO ACONTECEU NAS OUTRAS PRIVATIZAÇÕES NO MUNDO"
- Os fundos de pensão tiveram uma participação decisiva na privatização dos aeroportos e o BNDES deve financiar 80% dos investimentos das concessionárias. Quais as implicações disso?
Os fundos de pensão buscam uma maneira de diversificar seus investimentos, pois precisam descobrir investimentos em ativos que sejam mais rentáveis do que o ativo simples dos recursos financeiros. Não posso dizer que eles sejam isentos de qualquer influência, temos de lembrar que os fundos de pensão nos Estados Unidos foram responsáveis pela crise de 2008. Entretanto, acho que esse investimento é muito mais seguro do que o subprime americano. Quando soube que dois dos grupos que concorreram tinham dado lances de 12 bilhões cada um, eu fiquei pensando que para quem está falando de bilhões de reais, 4 bilhões não é muito. O cara que deu 16 deve estar chateado de não ter dado 13, ele poderia ter economizado um pouco. O que me surpreendeu mais foi Campinas, que deve dar retorno somente depois de 2022, 2023. Agora, quem vai pagar a outorga é a SPE (Sociedade de Propósito Específico, entidade formada pelo consórcio vencedor, detentor de 51% do controle, e pela Infraero, com 49%). Mas o governo já disse que, se faltar dinheiro, a Infraero não vai colocar um centavo. Por quê? Porque ela é 49%.
- O governo estimou a receita não tarifaria de Guarulhos em 300 milhões de reais ao ano, valor considerado subestimado por alguns. O senhor concorda?
Em Londres, por exemplo, fizeram uma análise e, nos voos internacionais, a permanência para conexão varia de uma hora até uma hora e meia. Então, eles têm uma área comercial muito forte na área restrita. A iniciativa privada, se calcular que com uma obra “x” ele vai conseguir ganhar “5x”, fará a obra no dia seguinte.
“O que limita hoje os aeroportos são pistas de pouso, pátios de estacionamento, saídas rápidas e elevada distância entre os aviões para aproximação e pouso” |
- É fato que os cálculos estimados de receita são subestimados e os de despesa superestimados?
Creio que sim, mas não posso assegurar.
- O senhor diz que a Infraero é boa de gestão e lenta de ação. O que muda a partir de agora?
A iniciativa privada vai ter alguns problemas, como os de meio ambiente, mas a agilidade é muito maior, sem dúvidas. Ela não tem burocracia, como as licitações, por exemplo. É um inferno a burocracia governamental.
- O que faltou fazer para que a situação não chegasse onde chegou? E o que precisamos fazer para chegar em 2032 com uma estrutura confortável?
Quando, no governo Fernando Henrique, resolveu-se criar o Ministério da Defesa, tirou-se das mãos dos militares uma possibilidade de continuação. Levou-se muito tempo para fazer uma Anac, cinco anos (dois no governo FHC e três no Lula). E a Agência era para ser independente, e não é. Quando criaram a Secretaria de Aviação Civil, fiquei muito satisfeito. Nelson Jobim, que em minha opinião foi nosso melhor ministro da Defesa, não fez um bom trabalho na aviação civil. Ele agia por impulso, às vezes parecia muito o Jânio Quadros. A Secretaria de Aviação Civil é rápida, não depende de decisões colegiadas. Em 10 meses, conseguiu fazer a privatização do São Gonçalo e promover os demais leilões. A Secretaria é muito mais executiva do que a Anac. E está respaldada pela presidência da República. Mas se amanhã ou depois você coloca lá algum político só para preencher vaga, não vai dar certo, pois ele vai estar preocupado com outras coisas. Também acho que não deu certo o que fizeram com Congonhas. O governo o condenou a ser um aeroporto restrito, porque pegaram a pista de 1.950 metros e a transformaram numa de 1.600. Pegaram a de 1.600 e fizeram em 1.300. Hoje, você não pode pousar na pista auxiliar com um avião grande, e eu cansei de pousar na pista auxiliar com esse tipo de aeronave.
- E quais são as soluções no longo prazo? Mais aeroportos?
É muito difícil fazer planejamento em aviação. Um exemplo é Confins. A Aeronáutica passou 28 anos sendo criticada porque fez um elefante branco, e eu mesmo tinha dúvida, pois peguei um trabalho feito pelo IAC (Instituto de Aviação Civil) em que se vislumbravam três cenários: um fraco, um médio e um forte. E mesmo no cenário mais forte, somando o numero de passageiros/ano nos dois aeroportos de BH, você teria, em 2017, pouco mais de três milhões de passageiros... (em 2011, Confins atingiu a marca de 9,2 milhões de passageiros).
- Quais as alternativas?
Talvez seja necessário fazer um terceiro aeroporto em São Paulo, mas vai ter que ser dentro de outros planos. Usar o PBN (Performance-Based Navigation), que usa os sistemas de navegação por satélite e é uma revolução, ver o problema de orografia da área (nuances de relevo) e tem também o problema de meio ambiente. Porque é muito difícil você conciliar numa área como São Paulo, por exemplo, o voo executivo e o regular. O executivo quer sair amanhã, às 10h, mas precisa se subordinar aos lotes, às sobras. É insustentável. Outra preocupação é com as ligações terrestres. Na França, há metrô que abrange as áreas de aviação, e aqui no Brasil ninguém se preocupa com isso. A preocupação é fazer um trem-bala. E isso é absurdo. A demanda para um trem-bala é de uns 33 milhões de passageiros, mas São Paulo e Rio, juntas, têm cerca de 11 milhões. Defendo a construção de uma ligação férrea usando a atual infraestrutura, com trens mais lentos, que poderiam atender a mais cidades. O trem-bala tira as perspectivas de acessos terrestres para os dois principais aeroportos de São Paulo. E no Rio é a mesma coisa. Nunca ouvi ninguém falar de um metrô que chegue ao Galeão. Esse dois exemplos são típicos de imponderabilidade no planejamento.
- E quanto a Campinas?
Na minha cabeça, Campinas é o hub da América Latina, de cargas e de passageiros. Em 1993, projetavam-se quatro pistas e oito terminais. Mais recentemente, disseram que não precisariam de tanto. Vão precisar, talvez, de uma terceira pista, com um número de terminais ainda por se definir. O movimento lá pode chegar tranquilamente a 60, 70 milhões de passageiros por ano.