Embraer disputa novo contrato norte-americano e mede forças com a rival Beechcraft Hawker, mas dessa vez há muito mais em jogo do que a venda de 20 aviões para a USAF
Roberto Pereira De Andrade Publicado em 29/02/2012, às 07h08 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
No mercado internacional de aviação militar, a política, a diplomacia e os acordos têm peso correspondente ao da capacidade bélica das aeronaves na hora de se fazer negócio. E neste momento, em que a crise econômica restringe as encomendas militares, o duelo entre o Super Tucano brasileiro e o Texan II norte-americano assume importância maior do que os valores envolvidos nesse contrato com a USAF (Força Aérea Norte-Americana). O que está em jogo é o crescente prestígio da Embraer, que tenta se firmar no fechado setor de defesa dos Estados Unidos com a mesma consistência de que desfruta nos segmentos de aeronaves comerciais e executivas naquele país.
Segundo o que foi divulgado em Washington, a Força Aérea dos EUA encomendou um lote inicial de 20 aeronaves para missões tipo LAS (Light Air Support), de apoio aéreo leve, no valor de US$ 355 milhões. Os aviões, designados A-29 pela USAF, seriam montados localmente pela Sierra Nevada Corporation, associada da Embraer nessa proposta. E seriam fornecidas em um pacote que envolveria também treinamento de pessoal de terra e de voo, peças de reposição e ferramental de apoio.
Há igualmente a previsão de outras encomendas do mesmo avião em outros contratos posteriores. Isso tem sido normal em recentes compras de aeronaves militares nos Estados Unidos, onde cortes orçamentários impedem a aquisição de grandes "pacotes", como antigamente. Descontados os impostos, as comissões de parceria para os associados locais e problemas de transporte, além das cotas normais de componentes de fabricação norte-americana, o lucro dessa operação não será tão grande. Mas as vantagens políticas têm peso, e isso explica a reação violenta da concorrente local, a Beechcraft Hawker, que embargou judicialmente a venda, dando entrada em um protesto legal segundo o qual "a Agência Governamental que definiu a encomenda não a anunciou formalmente até as 5 horas da tarde do dia da assinatura do contrato".
Isso é Lei Federal nos EUA, mas a mesma Beechcraft Hawker também já se beneficiou do peso político de Washington para vender seus aviões Texan II a clientes internacionais, como a Escola de Pilotos de Combate da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), no Canadá, e os governos de Israel, do Iraque e de Marrocos. A própria USAF e a Marinha de Guerra dos EUA encomendaram centenas de aviões "Texan II" para treinar seus pilotos.
PROPOSTA CASADA
A disputa entre Embraer e Beechcraft Hawker é antiga. E a concorrência tornou-se ainda mais acirrada com as vendas substanciais de aviões executivos e comercias do fabricante brasileiro no mercado interno dos EUA. A inauguração de uma linha de montagem para aviões Phenom em território norte-americano consolidou a posição dos brasileiros, além de esvaziar o argumento da rival em torno da filosofia do "buy American" (dê preferência ao material feito no país). Argumento esse que pesou muito quando a USAF desistiu, recentemente, de encomendar jatos reabastecedores da Airbus, optando pelos modelos Boeing. Agora, porém, garantem os analistas, a Boeing está no lado da Embraer por motivos econômicos e políticos. Em uma proposta "casada" (e não declarada), conforme se ouve nos bastidores, a Boeing apoiaria o fabricante brasileiro se o governo do país optasse pela escolha dos caças Boeing F/A-18 Hornet II para a FAB (Força Aérea Brasileira).
Nenhum dos dois concorrentes tem razões plenas nesse embate, concordam os observadores de mercado. Ambos cometeram deslizes, dizem. Mas uma coisa é clara, na avaliação deles. O Super Tucano é uma aeronave inteiramente brasileira, derivada do treinador armado Tucano, que foi um dos mais vendidos do mundo na sua classe. Já o Texan II é uma versão "americanizada" do suíço Pilatus PC-9 - que deriva do PC-7, este, por sua vez, uma versão turbo-hélice do P.3, também suíço. E suas vendas dependeram muito do beneplácito de Washington.
#Q#Quando a Embraer começou as tratativas para o registro do Super Tucano para avaliação nos EUA, a Bechcraft Hawker já dominava o mercado doméstico com a versão de treinamento do Texan II. Mas os ensaios do modelo brasileiro provaram suas qualidades técnicas e a rival tratou de desenvolver uma versão armada apta ao mesmo tipo de tarefas do modelo brasileiro. E depois usou seu lobby de Washington para ganhar tempo enquanto vendia esse aparelho fora dos EUA para acumular "milhagem de combate" para o modelo. Conseguiu tempo, reequipou seu modelo como o Super Tucano da Embraer e protelou a escolha da USAF para o LAS. Contudo, se os dois aviões aparentemente se equivaliam na disputa técnica, o adiamento da escolha do novo caça para a FAB colocou os interesses da Boeing na disputa. E, dessa vez, a Beechcraft Hawker tinha (e tem) pela frente o interesse de uma rival maior que ela, e ainda mais forte em Washington.
EM UMA PROPOSTA "CASADA" (E NÃO DECLARADA), A BOEING PROMETE APOIAR A EMBRAER NA NEGOCIAÇÃO COM A USAF SE O GOVERNO BRASILEIRO OPTAR PELOS CAÇAS F/A-18 HORNET II PARA A FAB
INFLUÊNCIA LATINA
Ninguém duvida que hoje o interesse maior da Bechcraft Hawker é a China, um mercado enorme e no qual a Embraer já tem bases industriais sólidas. Mas, apesar disso, nada impede que os dois rivais continuem trançando golpes locais. Os mais recentes foram a compra, pelo Governo do México, de seis exemplares do T-6C+ Texan II para missões de vigilância de fronteira com os EUA. E a negociação da Embraer com o governo do Paraguai, que compraria um lote de aviões Super Tucano para substituir os jatos Embraer Xavante da sua Força Aérea, hoje em fase final de carreira.
Esses contatos, porém, são pequenos diante do que envolve a escolha do Super Hornet para reequipar a FAB. Além do valor dessa compra, há outros interesses regionais envolvidos. Na América Latina, as aviações militares precisam se reequipar e em muitas delas os aviões "made in USA" enfrentam a disputa de máquinas de produção francesa e russa, sem falar nos suecos, que entram agora na disputa com força. E a FAB é o modelo em que se espelham outras aviações militares dessa parte do mundo. O adiamento do programa F-X2 tem muito a ver com essa briga comercial e, se antes o caça Rafale francês foi o mais cotado para a escolha, e depois o sueco Gripen apontado extraoficialmente como de preferência técnica da FAB, hoje parece clara a inclinação para um acordo com os EUA.
Sinal dessa mudança de rumos foi a nomeação de Donna Hrinak para chefiar o escritório da Boeing no país. Ex-embaixadora dos EUA em Brasília, ela fala português fluente, é conhecida e respeitada na capital federal e desde a sua nomeação vem exercendo atividade intensa para confirmar essa venda. Outro indício de que o negócio está avançando é a sucessão de contatos entre a Boeing e indústrias brasileiras, que seriam responsáveis pela parte "verde e amarela", caso os aviões venham a ser montados no Brasil. Ao mesmo tempo, sucessivos grupos de representantes de empresas, universidades e centros de pesquisa nacionais têm viajado aos EUA para contatos na Boeing.
Tudo isso, junto, aponta para uma conjugação de interesses: o Brasil escolheria o Super Hornet e os Estados Unidos optariam pelo Super Tucano. Se isso se concretizar, de pouco terá ajudado o bloqueio da Beechcraft Hawker da seleção do avião brasileiro para missões LAS. Em uma briga desse tipo ninguém pode ganhar todas, ou perder sempre.
COMBATE AO TALIBÃ por Ivan Plavetz O objetivo do governo dos Estados Unidos ao comprar 20 aeronaves Super Tucano é repassá-las ao Corpo Aéreo do Exército Nacional do Afeganistão. Os aviões serão usados em diversos tipos de missões, dentre as quais as de combate às forças do Talibã. Por conta da legislação que regula as compras do governo dos Estados Unidos, conhecida como Buy America Act, a Embraer Defesa e Segurança associou-se à norte-americana Sierra Nevada Corporation, que os produzirá em Jacksonville, na Flórida, com elevado grau de nacionalização de seus componentes. Se a escolha prevalecer, o contrato estimado em US$ 355 milhões prevê que o lote de 20 exemplares do Super Tucano seja totalmente entregue nos próximos cinco anos. Que pese o nacionalismo e o típico protecionismo norte-americano, as superiores qualidades do Super Tucano em comparação às do A-T6 são inegáveis, na avaliação de analistas. O avião da Hawker Beechcraft passou por um período de desenvolvimento que apresentou dificuldades, enquanto o avião da Embraer já foi encomendado por seis países, incluindo o Brasil, cujas unidades entregues (mais de 150 aviões) acumulam cerca de 130 mil horas de voo, mais de 18 mil delas em combates reais e simulados. |