Novo conceito de navegação gera dúvidas na hora de atualizar uma aeronave usada: quais são os equipamentos que devo instalar a bordo?
Por Jorge Filipe Almeida Barros Publicado em 29/03/2014, às 00h00 - Atualizado às 17h37
A implantação do conceito PBN de navegação, realizada em todo o mundo desde 2008, vem deixando alguns operadores inseguros no que se refere ao tipo de equipamento a ser instalado a bordo. A maior parte das regulações disponíveis dá ênfase às regras de tráfego aéreo e procedimentos ATS e às novas práticas que os tripulantes devem adotar. Mas parecem deixar no ar muitas dúvidas sobre os equipamentos requeridos e as instalações que devem ser realizadas nas aeronaves.
Para as grandes empresas aéreas, as respostas vêm diretamente dos fabricantes de suas aeronaves. Afinal, foi nesse segmento que a ICAO iniciou, nos anos 1980, estudos para a modificação da circulação aérea mundial. Naquela época, a indústria de linha aérea produziu muitas sugestões para a implantação de tecnologias que proporcionariam mais agilidade no fluxo de aeronaves em espaços aéreos saturados. Dessa forma, antes do surgimento das regras de operação PBN, as grandes empresas dessa indústria já conheciam os padrões técnicos a serem adotados para equipamentos e instalações.
Isso pode ser entendido com naturalidade, uma vez que, globalmente, o número de aeronaves de transporte aéreo público supera, em muito, a quantidade de aeronaves privadas. Mas em alguns países onde essa lógica se inverte, a aviação geral pode sentir dificuldades em definir os equipamentos necessários. Em especial, no Brasil, que possui uma das maiores frotas de aeronaves de pequeno porte, perdendo apenas para a dos EUA, o assunto vem merecendo destaque.
Muitos operadores de aeronaves privadas voam de lugares remotos, como fazendas ou pequenas cidades, diretamente para grandes centros urbanos. Por isso, dependem de muitos conhecimentos, que vão dos truques da aviação do garimpo às modernas técnicas de aproximação RNP. Na frota brasileira, poucas são as aeronaves já construídas na era PBN. Há uma grande quantidade de máquinas antigas, em ótimo estado de conservação, que poderiam se beneficiar das novas rotas RNAV/RNP se estivessem aeronavegáveis para isso. Tais equipamentos poderiam lhes agregar valor, produtividade e liquidez.
Para esclarecer as dúvidas sobre o tema, a Anac publicou, em 17 de agosto de 2012, a IS 21-013, que é a “Instruções para obtenção de aprovação de instalação de equipamentos GNSS (Global Navigation Satellite Systems) stand alone para operações VFR e IFR PBN (Performance-Based Navigation)”. O objetivo é instruir proprietários de aeronaves, oficinas e engenheiros sobre como obter aprovações para instalações de equipamentos de navegação que trabalhem isolados de outros sistemas, tais como RNAV VOR/DME e/ou sistemas inerciais. A expressão “stand alone” se refere àquelas instalações nas quais o navegador irá se guiar tão somente por sinais de satélites de navegação, ainda que possam estar interligados a outros recursos de alerta situacional e guiagem, tais como CDI, HSI, MFD, diretor de voo, piloto automático, TAWS ou ADS-B.
O Type Ceritificate do Piper Seneca V (no A7SO) recebeu a última revisão (no19) em 02/03/2014 com a incorporação do sistema Garmina G1000
Os equipamentos de navegação mais simples, voltados à operação PBN, utilizam apenas o sinal da constelação GPS, dos EUA. Alguns deles são equipados com recursos que permitem receber sinais adicionais de correção de posição, irradiadas por satélites de comunicação SBAS (EUA, Europa, Índia e Japão) ou a partir de antenas de VHF GBAS, instaladas em alguns poucos aeroportos (em SBGL, em testes).
A publicação inicia alertando que os equipamentos candidatos a aprovações PBN devem ter sido aprovados pelas normas norte-americanas TSO-C146, classe 1, 2 ou 3 ou classe A1 da TSO-C129. Ao se referir a “equipamentos”, devemos entender tanto aqueles em que o piloto opera diretamente, utilizando seu painel próprio, como módulos eletrônicos, tal qual o GIA63W, operado a partir de sistemas Garmin G1000.
Tais equipamentos podem vir acompanhados de recursos complementares, como transceptores de VHF, receptores de VOR/LOC/GS ou mesmo integrados a mapas móveis. Por isso o operador deve verificar se precisa realmente desses adicionais, uma vez que eles irão elevar o preço total da modificação.
Outro aspecto importante é a disponibilidade e o preço da base de dados para o equipamento que se pretende adquirir. A legislação da Anac define que, para se voar sob as regras IFR por GNSS (navegação por satélites) em rotas PBN ou procedimentos ATS convencionais, a base de dados deve estar atualizada. Isso porque as rotas e os procedimentos devem ser carregados na tela de plano de voo do equipamento a partir dessa base de dados. A única empresa no Brasil que as fornece diretamente ao consumidor final é a norte-americana Jeppesen Sanderson. E ela vem deixando de fornecer atualizações para equipamentos mais antigos, que, com isso, perdem valor de mercado e podem ser atraentes para operadores desavisados.
Contudo, tão importante quanto a qualidade do equipamento é o projeto de instalação. Ele requer o acatamento de diversos protocolos, sem os quais os navegadores RNAV podem ter desempenho inferior ao previsto ou até sofrer interferência de outros que operavam normalmente. Basicamente, o projeto de instalação deve prever vários aspectos que envolvem a segurança das operações. A instalação dos novos equipamentos não deve alterar significativamente as características de voo da aeronave, nem sua resistência estrutural, tampouco o balanceamento.
Na instalação de antenas externas, os furos na fuselagem não devem possibilitar o surgimento de rachaduras que possam colocar em risco a resistência física da célula. Especial atenção deve ser dada às aeronaves pressurizadas e/ou construídas com materiais compostos. Cada ponto de instalação de antenas externas deve se basear em dados técnicos já aprovados. As antenas devem estar protegidas de raios. Para isso, o correto aterramento é muito importante. Se forem duas ou mais antenas, elas deverão estar distanciadas lateralmente, para que um raio que atinja a proa da aeronave não atravesse as duas antenas simultaneamente, no percurso em direção à cauda. Também devem ser instaladas em locais livres da formação de gelo, onde não haja obstrução de visada com os satélites em nenhuma fase do voo. Inclusive naquelas em que a atitude da aeronave, como inclinação, e arfagem possam ser extremas.
Cablagens devem ser redundantes para haver outra que transmita os dados necessários caso uma se danifique. E ambas devem seguir longe dos comandos de voo e de linhas de tensão elétrica ou de combustível. Devem estar protegidas de danos para o caso de uma pane grave no motor, com quebra do virabrequim e estilhaços. Ou do impacto dos rotores, para o caso dos helicópteros. Da mesma forma, imunes a interferências eletromagnéticas, oriundas de outros sistemas.
Na cabine, os equipamentos devem ser instalados no “campo de visão primário”, definidos na RBAC 23 e RBAC 25 como uma área de 35 graus para cada lado de visão do piloto, entre outros quesitos. O posicionamento dos comandos no painel, bem como a acessibilidade, e a posição dos anunciadores e avisos que esclareçam ao piloto como o sistema se comporta devem ser claros e inequívocos. Todos os comandos aplicados devem emitir confirmação por meio de sinais ou luzes. O piloto também deve ser mantido informado da qualidade do sinal dos satélites de navegação, como precisão, continuidade, disponibilidade e integridade.
Para que tudo isso ocorra, já existem normas internacionais específicas para cada tipo de aprovação PBN que se pretenda. Se, por exemplo, o operador busca aprovação para rotas RNAV 5 apenas, o projeto de instalação deve seguir o que já prevê as normas AC 91-002, da ICAO, AMC 20-4 da EASA ou a AC 90-96 A do FAA.
A legislação aeronáutica brasileira se baseia fortemente na norte-americana. Em tese, as normas daquele país já teriam sido seguidas por fabricantes aeronáuticos lá estabelecidos ao desenvolverem projetos de instalação para seus produtos. Portanto, se uma aeronave para a qual se deseja instalar novos aviônicos foi produzida nos EUA, provavelmente haverá projetos de modificação já aprovados. São chamados “STC – Supplemental Type Certificate”, que acompanham o aviônico ou sistema que tenha sido desenvolvido para um determinado modelo de aeronave, quando o produto é vendido de forma legal.
Tipicamente, um STC traz a planta de instalação, definindo os materiais aplicados, dimensões de parafusos, aberturas, fios e assim por diante. Se alguém resolve adquirir um produto aprovado para aeronave certificada, ele se fará acompanhar de um STC para o modelo de aeronave na qual será instalado. Ocorre que, às vezes, um único STC não atende às necessidades de aprovação PBN. Tomemos como exemplo uma aeronave de pequeno porte dos anos 1990. Naquele período não havia ainda as telas de múltiplas funções como os PFD e MFD atuais. Para prepará-la à navegação PBN baseada em sinais de satélites, ela deve possuir não somente um equipamento GNSS homologado, mas, também, um CDI (Course Deviation Indicator) eletrônico que mude automaticamente de rumo a cada waypoint de guinada. Além disso, será necessário equipá-la com um diretor de voo ou piloto automático que consiga ler em linguagem digital os dados de guiagem, oriundos do navegador GNSS. Ora, são três equipamentos, provavelmente fabricados por diferentes empresas. Cada um deles acompanhados de um STC para a aeronave de fabricação norte-americana que se pretende aprovar PBN. Mas como fica a instalação conjunta de tudo isso? Seria necessário algum projeto adicional para demonstrar a interação de tais equipamentos?
A Anac entende que o operador que pretenda alterar o projeto de sua aeronave deve abrir um processo de solicitação de modificação. Quando essas modificações se referem a uma única aeronave, e não a todos as unidades daquele modelo, o documento de aprovação a ser emitido será um SEGVOO-001. Nele, a Anac descreve as alterações analisadas e aprovadas. Ocorre que esse processo é complexo, porque envolve ensaios matemáticos ou físicos, em solo e em voo, muito onerosos para os operadores, além de aspectos comerciais relacionados aos direitos de quem desenvolveu as plantas e inúmeros outros detalhes.
Os fabricantes de aeronaves poderiam produzir boletins de serviço com projetos de modificação porque são proprietárias dos respectivos projetos de tipo (TC Type Certificate). Isso facilitaria a vida dos operadores de aeronaves de pequeno porte usadas, cujo papel seria tão somente adquirir os equipamentos e mandar instalá-los em alguma oficina homologada. Mas tais modificações muitas vezes alteram muito o projeto original e comercialmente poderiam competir com a venda das novas aeronaves de sua linha de produção. Na prática, o mercado brasileiro tem demonstrado que os muitos operadores preferem adquirir aeronaves novas, aprovadas para o PBN pretendido. Ou usadas, cujas modificações já tenham sido realizadas nos EUA. Por isso, alguns modelos muito conhecidos começam a ter seus preços depreciados. Impossibilitados de serem modificados, quer pelos altos custos envolvidos, ou pela pouca vida útil de seus componentes críticos, obrigam seus operadores a tomar uma decisão (que não pode esperar muito): utilizar sua aeronave de forma limitada no Brasil, revendê-la para países nos quais ainda possam voar livremente ou aposentá-la de vez? No entanto, algumas empresas de manutenção aeronáutica ou revendedores de aviônicos, certificados pela Anac, vêm oferecendo serviços de venda e instalação de produtos. O segmento ainda é pequeno, mas tenta atender demandas específicas de operação.
Ao operador, resta o cuidado de avaliar bem o cenário onde pretende voar, em quais rotas e procedimentos ATS irá operar regularmente. Planejar bem a operação e definir quais capacidades PBN serão úteis. Daí estudar a possibilidade de modificar sua aeronave dentro de um projeto enxuto. Se não for a melhor opção, avaliar a aquisição de uma aeronave nova. Antes disso, porém, é importante estar informado sobre a futura infraestrutura de serviços ATS e quais tecnologias a bordo serão necessárias para, pelo menos, os próximos dez anos.