Novas tecnologias embarcadas aumentam consciência situacional dos pilotos durante operações no solo e na final de aproximação
Robert Zwerdling Publicado em 26/02/2013, às 07h16 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
No dia 9 de abril de 2011, um jato Bombardier CRJ200 da Air Nostrum pousou em uma pista fechada para obras de revitalização em Menorca, na Espanha. Apesar de ter recebido a informação de que as operações estavam suspensas na cabeceira 01L via NOTAM e aviso do despacho operacional, os técnicos inseriram os dados para a aproximação na pista errada no FMS (Flight Management System). Durante a descida, o sistema ATIS transmitia a informação da pista 19L em uso, mas os pilotos solicitaram ao serviço ATS autorização de aproximação para a cabeceira 01R, o que foi liberado pelo controlador de tráfego aéreo. Após completar o procedimento VOR, o voo da Air Nostrum recebeu da Torre de Controle liberação para pouso na cabeceira 01R. Disse a tripulação em depoimento que teria entendido que a pista 01L estava livre para a aproximação, e não a 01R. Paralelamente, o computador de bordo programado para o pouso na cabeceira errada acabou sugestionando os tripulantes a executar o procedimento incorreto. Apesar dessa falha, comandante e copiloto também não atentaram ao fato de que cruzaram a cabeceira 01L, sobrevoando dois homens que trabalhavam na pintura de faixas, um veículo de apoio, e nada menos do que 10 marcas em forma de “X”, indicando que a pista de rolamento estava fechada. Só se percebeu o erro quando a aeronave foi impedida de prosseguir no táxi para o pátio, já que as taxiways estavam bloqueadas. As autoridades aeronáuticas concluíram que houve falha de ambas as partes, tanto dos pilotos quanto dos controladores de voo, lembrando que a Torre não estava atenta à operação e não orientou a manobra de arremetida.
Incidente semelhante aconteceu no dia 10 de fevereiro de 2010, quando um Boeing 737-300 da KLM decolou por engano da pista de táxi “B” em vez da pista 36C no Aeroporto Schipol, de Amsterdã, na Holanda. De acordo com as investigações, diversos fatores levaram a tripulação a cometer o erro: a baixa visibilidade, a distração dos tripulantes com a conversa paralela de uma aeronave com problemas técnicos junto à Torre de Controle, além de um procedimento não usual no aeroporto holandês que é o de alinhar uma aeronave para decolar a partir de uma intersecção, e não da cabeceira. No caso, o voo da KLM foi autorizado a alinhar na 36C, cruzando a taxiway “B” e ingressando na pista em uso via taxiway “W8”. As autoridades também destacaram que os tripulantes não estudaram atentamente a carta do aeroporto e poderiam ter parado a aeronave para avaliar melhor o procedimento de táxi em meio à baixa visibilidade. Felizmente, não houve colisão no solo e o voo prosseguiu em segurança para seu destino. A mesma sorte não tiveram tripulação e passageiros de um Boeing 747-400 da Singapore Airlines em 31 de outubro de 2000. O voo 006 decolava de Taipei para Los Angeles à noite, em meio a chuva, baixa visibilidade e condições meteorológicas deterioradas em função da passagem do Tufão Xiang Sane. A tripulação pensou ter alinhado o Jumbo na pista 05L, mas a aeronave encontrava-se na pista 05R, que estava em obras para ser transformada na pista de táxi “NC”. Durante a decolagem, 3,5 segundos após a V1, o 747 atingiu obstáculos e máquinas, e veio ao chão. A aeronave se partiu em dois pedaços e pegou fogo. Dos 179 ocupantes, 83 perderam a vida, incluindo quatro tripulantes e 79 passageiros.
BOA CONSCIÊNCIA SITUACIONAL
Para diminuir os índices de erro e evitar acidentes no solo, novas tecnologias estão sendo desenvolvidas e passam a integrar o conjunto de aviônica presente no cockpit dos aviões comerciais de última geração. O sistema de AMM (Airport Moving Map), cujo desenho do aeroporto é apresentado de maneira digital em telas multifuncionais, passa a trabalhar com a imagem da própria aeronave sobreposta ao mapa, graças a uma interface com o sistema de posicionamento global (GPS). O interessante neste caso é que não só apenas as cabines de comando dos novos jatos têm acesso à tecnologia, mas qualquer piloto que tenha um Ipad carregado com os manuais da Jeppesen trabalhando com GPS e uma antena adequada para recepção do sinal dos satélites. Várias companhias aéreas já estão, até, fornecendo esse tipo de material ao seu grupo de pilotos, aumentando assim os níveis de segurança de voo.
Além do recurso do AMM, que já está presente nas telas de MFD dos jatos Boeing 747-8 e 787, ou em flightbags e tablets, os operadores também podem adquirir o sistema RAAS (Runway Awareness and Advisory System). Trata-se de um software que trabalha integrado ao sistema de EGPWS (Enhanced Ground Proximity Warning System) e emite diversos alertas sonoros com voz sintetizada, informando a tripulação quando a aeronave está numa determinada pista, taxiway ou ainda em pista com dimensões limitadas. Desenvolvido pela Honeywell, que é a principal fornecedora desse tipo de tecnologia para a indústria, o programa pode ser instalado na maioria dos jatos comerciais durante um processo de retrofit, e a sua mais nova geração é conhecida como SmartRunway.
Aeroporto Internacional Antonio Carlos Jobim - Galeão em obras |
DECOLAGEM SEGURA
Segundo a Honeywell, há praticamente um registro diário de “runway incursion” em algum lugar no planeta. Como o próprio nome diz, trata-se da invasão da pista ou da área de segurança em pátios e pistas de táxi por outra aeronave, veículos ou mesmo pessoas. E para que uma ocorrência dessa natureza se transforme num acidente ou incidente grave, alguns fatores externos podem contribuir significativamente, como a baixa visibilidade, falta de balizamento e iluminação deficiente, pintura de taxiway inadequada, ou a própria falha operacional da tripulação. Como resultado, os prejuízos anuais causados por ocorrências de “runway incursion” ultrapassam a casa dos US$ 100 milhões. O SmartRunway, que funciona como upgrade para o sistema RAAS no aviônico EGPWS das séries MK V e MK VII, emite alertas sonoros para os pilotos, confirmando a cabeceira na qual a aeronave está alinhada para decolagem e, o mais importante, se está ocorrendo a operação errônea de decolagem a partir de uma pista de táxi, se a pista não é compatível com a programação de decolagem inserida no computador de voo, ou ainda se a pista é muito curta para a operação. Nesse último caso, por exemplo, o alerta ouvido pelos tripulantes é “Caution, Short Runway, Short Runway!” (“Cuidado, Pista Curta, Pista Curta!”). Como o SmartRunway trabalha integrado ao EGPWS, os pilotos também recebem alertas de configuração da aeronave, com mensagens do gênero “On Runway Two Seven Right, Flaps, Flaps!” (“Na Pista Dois Sete Direita, Flaps, Flaps!”). Ou seja, a aeronave está alinhada para decolar da pista 27R, mas os tripulantes não baixaram os flaps para a decolagem.
APROXIMAÇÃO ESTABILIZADA
De maneira semelhante trabalha outro software oferecido pela Honeywell, o SmartLanding, que pode ser adquirido junto com o SmartRunway ou separadamente. O upgrade contribui para que a tripulação seja alertada para uma aproximação não estabilizada, em altitude superior à recomendada, velocidade alta, flare alongado com a distância remanescente de pista para pouso e frenagem. Numa aproximação não estabilizada, em alta velocidade, os pilotos receberão o seguinte alerta sonoro: “Too Fast – Too Fast; Unstable, Unstable!”, que pode ser traduzido como “Muito Rápido, Muito Rápido; Não Estabilizado, Não Estabilizado!”. Neste caso, a única opção será a arremetida.
Os dois sistemas trabalhando juntos garantem, segundo o fabricante, um aumento substancial na segurança das operações de aproximação, pouso, rolagem, táxi e decolagem. E, de acordo com a fabricante, os custos de instalação são baixíssimos e o treinamento dos pilotos requer poucas horas de ground school. Porém, a norte-americana ressalta que os softwares por si só não fazem milagres e não consertam manobras inadequadas praticadas por indisciplina dos pilotos. As regras básicas da pilotagem continuam valendo, especialmente, o cumprimento das normas previstas no manual de SOP (StandardOperating Procedures) para a execução de uma aproximação estabilizada.
Robert Zwerdling é comandante de Airbus A320