Conheça a história do quadrimotor europeu que mudou as regras dos voos intercontinentais de longo curso
Roberto Pereira Publicado em 23/01/2019, às 15h00 - Atualizado às 16h20
Há sete anos atrás a Airbus tirava de produção do A340, que por vários anos foi seu flagship, ao ser o primeiro quadrimotor a jato produzido na Europa que deveria rivalizar com os Boeing 747 de primeira geração. No total foram encomendados apenas 377 exemplares, poucos se comparados aos mais de 1.200 construídos do seu irmão A330 e do rival 747.
Desenvolver a família A340-500/-600 exigiu da Airbus Industrie investimentos superiores a US$ 2 bilhões. Mas todos concordam que esse esforço valeu a pena, e quando o derradeiro A340 deixou a linha de montagem em Toulouse, o fabricante europeu comemorou sua carreira industrial com grande festa. Durante anos, o jato widebody de maior autonomia no mercado, o A340 literalmente "ditou moda" entre os aviões comerciais com grande raio de ação e forçou a rival do outro lado do Atlântico a rever seus planos para enfrentar a ameaça.
Os modelos Boeing 777 e 747-8 surgiram como "respostas" à concorrência dos então novos membros da família A340, que inovou como o primeiro jato de passageiros da sua classe com comandos fly-by-wire, alta percentagem de partes estruturais de materiais compostos, winglets e comandos tipo side stick. O Airbus A340 realmente inovou e a sua aposentadoria industrial se explica mais pelo avanço na confiabilidade dos motores do que por alguma deficiência tecnológica no projeto.
Quando a família A330/A340 foi lançada, a Airbus Industrie era ainda o programa multinacional europeu de um conglomerado industrial em busca de sua identidade como empresa. Tinha lançado os modelos A300 e A310 com bastante sucesso, mas precisava de algo maior, de um "grande passo para frente" para comover o mercado e agilizar a estruturação do grupo. Por isso optou por " jogar pesado". Em vez de uma, lançou duas famílias, voltadas para faixas extremas do mercado. A primeira uma família de aviões de corredor único para a faixa de 120/220 passageiros, a segunda jatos intercontinentais widebody de grande alcance. A primeira foi composta pelos aviões A318, A319, A320 e A321, e concorreria com a linha 737 da Boeing e a segunda seria dos A330/A340, para disputar a faixa até então atendida pelos modelos 767 e 747 da rival norte-americana.
Talvez nunca se saiba o quanto foi realmente gasto pela Airbus nessa fase, já que para ela precisou implantar novas linhas de montagem, novos processos industriais e novos esquemas de produção. Teve também de investir em novos produtos e em processos para sua manipulação. E, principalmente, precisou de coragem ao adotar para os novos aparelhos comerciais tecnologias até então usadas apenas em aeronaves militares pelo preço e complexidade.
O resultado foi o sucesso que levou a Airbus à disputa do mercado global cabeça a cabeça, com a Boeing. A família A320 continua até hoje em produção, agora nas versões NEO, mas foi nos A330/A340 que os maiores desafios tiveram de ser superados.
Basicamente os dois aviões são semelhantes e diferem pelo uso de dois ou quatro motores, escolha julgada necessária para a segurança nas viagens ultralongas. Com o passar dos anos, a tecnologia de propulsão a jato avançou depressa e apenas dois motores passaram a ser necessários para impulsionar aviões de grande porte, mesmo nos voos longos com poucos aeroportos alternativos, dentro das regras ETOPS. Com o preço do combustível aeronáutico em ascensão, dois motores a menos começaram a pesar nos custos das viagens. Usar o A340 ainda era bom, mas se tornou desnecessariamente caro em certas linhas.
GRANDE AUTONOMIA
Em 1985, a equipe de projetos da Airbus terminou o estudo básico de uma nova família de jatos de grande autonomia, batizados TA9 e TA11 - TA das iniciais de twin aisle (corredor duplo). Eles se transformariam nos modelos A330 e A 340, ambos projetados para a faixa dos 250 assentos. Seguiu-se um período de discussões sobre "quem pagaria a conta", mas com a aprovação total do governo da Alemanha (a Lufthansa foi cliente de lançamento da aeronave), em 1987, o programa recebeu luz verde sob os nomes A330 e A340. A oferta da Airbus era tentadora, mas esse caminho foi difícil e cheio de obstáculos.
Em certo momento, os franceses propuseram a compra da McDonnell Douglas para tirar do mercado o concorrente MD-11. A tentativa teria sido orquestrada por Jean Pierson, então presidente da Airbus, e não deu certo. Mas forçou a Boeing a "engolir" a McDonnell Douglas com todos os problemas internos que isso implicou.
O A340 entrou em produção e, em 2003, o fabricante entregou nada menos que 33 deles. Assustada com essas vendas, a Boeing acertou com a GE o desenvolvimento do motor que equipou o seu modelo 777-300ER, capaz de voar ainda mais longe do que o A340, e com apenas dois motores. Como o Airbus A330 concorria com o Boeing 767, o 777 acabou cavando um nicho próprio de mercado e, aos poucos, destronou o A340.
Seguro, confortável, tecnicamente avançado, o A340 saiu de linha, mas continua em serviço. A TAM usou dois A340-500 e companhias de ainda voam com eles para o Brasil. Muitos dos A340 construídos têm ainda longa vida útil de célula pela frente. Mas uma coisa é certa muitos A340 estarão ainda voando nos próximos anos. E ninguém pode dizer que uma aeronave assim foi mal projetada.