Novos sistemas de navegação aérea prometem abreviar o tempo dos voos através das mais congestionadas terminais do Brasil e aumentar a economia de combustível das empresas aéreas
Por Robert Zwerdling Publicado em 10/11/2013, às 00h00
O próximo mês de dezembro pode se tornar um divisor de águas em matéria de navegação aérea no Brasil. O Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) promete iniciar o processo de implantação do sistema de rotas PBN (Performance Based Navigation) nas terminais mais movimentadas do país, dentre as quais estão a de São Paulo e a do Rio de Janeiro. Os traçados das aerovias serão revistos, assim como os procedimentos de chegada e partida. Um dos objetivos é reduzir o espaço entre as aeronaves e, assim, não apenas reduzir os atrasos como também permitir que um voo entre São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, seja realizado em 35 minutos – hoje essa perna é executada em um intervalo de 45 a 60 minutos. Além disso, o Aeroporto Internacional de São Paulo-Guarulhos terá pousos simultâneos e o Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, passará a trabalhar com mínimos de visibilidade mais baixos nas aproximações, incluindo a da cabeceira 02R, que exige o sobrevoo da cidade a baixa altura com os morros do Corcovado e do Pão de Açúcar à direita da aeronave. Sem dúvida alguma, um avanço notável.
Para que tudo isso dê certo, porém, é necessário que tanto aviadores quanto controladores de tráfego aéreo estejam prontos para as mudanças. Pilotos que operam em pontes aéreas como a São Paulo-Rio de Janeiro já foram convocados para assistir a um curso específico sobre o assunto e participar de voo em simulador. É claro que uma operação em meio a tantos obstáculos, como é a aproximação para pouso no Rio de Janeiro, e com o teto reduzido por nevoeiro, exige muita atenção por parte da tripulação, além de disciplina e observação contínua do limitante do vento existente, principalmente quando se contorna morros.
Para as operações simultâneas de pousos e decolagens nas pistas paralelas de Guarulhos, que têm menos de 760 m de separação entre seus eixos longitudinais, foram estabelecidas algumas diretrizes. Os pilotos das linhas aéreas assistiram a uma aula específica sobre o assunto e poderão consultar algumas publicações relativas ao assunto, já que deverão estar mais atentos aos efeitos da esteira de turbulência. Guarulhos passa a operar prioritariamente os pousos nas cabeceiras 09L e 27R, e as decolagens nas cabeceiras 09R e 27L. Além disso, em condições visuais, duas aeronaves poderão pousar ao mesmo tempo nas pistas paralelas. Será algo semelhante ao que acontece hoje no Aeroporto de San Francisco, na Califórnia.
A navegação PBN engloba tanto o módulo de navegação RNAV (Area Navigation) quanto o RNP (Required Navigation Performance). Nela a aeronave pode navegar com segurança e confiabilidade sem que o piloto dependa de auxílios convencionais no solo, tais como as antigas estações transmissoras de VOR (Very High Frequency Omnidirectional Range) e NDB (Non-Directional Beacon). Para isso, a tripulação utiliza seu sistema embarcado de navegação por satélite – o mais empregado atualmente é o GPS. Uma aproximação do tipo RNP funciona como uma RNAV, só que com a trajetória monitorada e garantida por sistemas de bordo que alertam a tripulação para descontinuar o procedimento em caso de falha. O sistema faz parte daquele pacote de inovações proposto, ainda durante a década de 1980, pela Organização de Aviação Civil Internacional (OACI) para modernizar os sistemas de navegação, comunicação e de gerenciamento do controle de tráfego aéreo, que recebeu a designação CNS/ATM (Communication, Navigation, Surveillance & Air Traffic Management).
As aproximações em meio a obstáculos e com mínimos mais baixos, utilizando a tecnologia da navegação por satélite e os aviônicos de última geração disponíveis nas aeronaves mais modernas, são designadas RNP-AR, sigla para Required Navigation Performance-Authorization Required. Muitos operadores já estão trabalhando com esse tipo de aproximação há algum tempo em diversas localidades. A Qatar Airways foi a primeira companhia aérea a operar procedimentos RNP-AR no Aeroporto Internacional Tribhuvan, de Kathmandu (Nepal). A tripulação da aeronave, no caso um Airbus A320, desce sem ter qualquer contato visual com as altas elevações do Himalaia. Já a chinesa Tibet Airlines passou a operar procedimentos do mesmo tipo com sua aeronave A319 no Aeroporto de Lhasa Gonggar, um dos mais altos do mundo com elevação de 3.660 m (12.000 pés).
Na América Latina, o aeroporto pioneiro na aceitação de pousos por RNP-AR é o Internacional Jorge Chávez, de Lima, no Peru. Lá o procedimento de descida RNP-AR termina com uma aproximação por ILS, durante a qual o pouso automatizado (autoland) pode ser concluído. A homologação contou com uma parceria da Direção Geral de Aviação Civil (DGAC) do Peru, da GE Aviation e do grupo Lan. “É uma solução que melhora a eficiência do tráfego aéreo”, aponta Sergio Zuquim, diretor da GE Aviation para a América Latina. Ele também acompanha de perto os trabalhos do Decea na homologação dos procedimentos RNP-AR no Brasil. O executivo calcula que na etapa inicial do projeto peruano, conhecido por “Céus Verdes do Peru”, as companhias aéreas reduzirão o trajeto das rotas na média de 32 km (19 milhas) por trecho, que equivalem a 6,3 minutos de voo ou 200 kg (450 libras) de combustível. “A flexibilidade de um procedimento RNP oferece capacidade adicional e permite o uso mais eficiente do espaço aéreo em torno do aeroporto”, analisa Zuquim.
O tempo de 35 minutos de voo proposto pelo Decea de Guarulhos até o Galeão, no Rio, sempre foi executado por uma aeronave a jato até há pouco tempo. Alguns pilotos da antiga Cruzeiro do Sul conseguiam fazer o trajeto em menor tempo quando operavam os saudosos Boeing 727-100. O que aconteceu nesses últimos anos é que o volume de tráfego aéreo aumentou substancialmente sem uma proporcional ampliação da infraestrutura tanto de solo, com as mesmas e poucas pistas, quanto de controle de tráfego aéreo. Por que os problemas de tráfego aéreo são hoje bem menores, por exemplo, nos Estados Unidos? Porque lá existem muitos aeroportos e os principais sítios são servidos por múltiplas pistas, como é o caso de Miami, com quatro, ou o de Atlanta, que atualmente é considerado o mais movimentado do mundo, com cinco pistas. Além disso, o processo para implantação do conceito de navegação PBN já está em estágio bem adiantado. Conhecido como “NextGen”, de Next Generation, o novo sistema de navegação aérea norte-americano inclui também a modernização do controle do tráfego aéreo. Os ganhos são significativos, principalmente, quando se considera a redução do consumo de combustível, já que os aviões passam a voar rotas diretas a maior parte do tempo e as aproximações são executadas em rampas regulares, sem necessidade de se voar em linha reta em determinados trechos, o que permite ao piloto executar a descida com os motores em regime de marcha lenta (idle).
É uma pena que o avanço do “NextGen” nos Estados Unidos deva sofrer um revés em função dos cortes orçamentários para a aviação civil da ordem de US$ 637 milhões pelo governo federal. Seja como for, os operadores já estão usufruindo de diversas melhorias. “Somente na área de Seattle os voos estão sendo encurtados em quatro ou até oito minutos, o que significa uma economia de combustível da ordem de US$ 13 milhões ao ano”, destaca Michael Huerta, administrador da FAA. Ele diz que não apenas a aviação comercial regular está se beneficiando com a modernização dos sistemas de navegação, monitoramento e gerenciamento do controle de tráfego aéreo. A aviação geral também tem conseguido ganhos significativos. O chamado WAAS (Wide Area Augmentation System) trouxe a possibilidade de se utilizar a tecnologia da navegação por satélites para o desenvolvimento de procedimentos de aproximação por RNAV/GPS para pelo menos 1.500 pequenos aeródromos, sem qualquer custo adicional para a instalação de equipamentos no solo.
No Brasil, o Decea começou a trabalhar com um estágio mais avançado dos módulos de navegação e aproximação por satélites, o Ground-Based Augmentation System (GBAS). Ele aumenta a precisão do sistema de navegação global, tornando-o mais seguro para a utilização em aproximações de precisão. O equipamento de terra inclui três ou mais receptores de referência GNSS (Global Navigation Satellite Systems), uma casamata que abriga os sistemas de computação do GBAS e um transmissor de dados de VDB (VHF Data Broadcast). No solo, o GBAS recebe os dados de posicionamento dos satélites, calcula as correções e interpreta as informações recebidas, transmitindo os dados necessários para todas as aeronaves que contam com o sistema de navegação por satélites e que estejam em transição, das rotas para o espaço aéreo do aeroporto. O resultado é a precisão de posicionamento dentro de um raio de um metro e de até 60 m (200 pés), ou seja, o mesmo encontrado nas aproximações por instrumentos do tipo ILS de categoria 1. “A vantagem é que os custos são infinitamente menores já que, no caso do ILS, é necessário instalar um equipamento para cada cabeceira”, ressalta Pat Reines, gerente sênior de sistemas SmartPath Ground-Based Augmentation da Honeywell Aerospace. No momento esse é o único sistema GBAS certificado para uso na aviação comercial e pode trazer, segundo seu fabricante, economia anual em manutenção da ordem de quase um milhão de reais por aeroporto, quando comparado ao ILS.
No brasil, o decea começou a trabalhar com o gbas, que aumenta a precisão do sistema de navegação global
A Honeywell já implantou o SmartPath em mais de 25 aeroportos em todo o mundo, incluindo Houston, Newark, Sydney, Málaga, Bremen e no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro (Galeão), que ainda mantém o equipamento de ILS como recurso primário para aproximações. Na Índia, a Airports Authority of India (AAI) acaba de selecionar o sistema SmartPath para o desenvolvimento de 26 procedimentos distintos de aproximação para as quatro pistas em Chennai. É o terceiro aeroporto mais movimentado naquele país e hoje responde por um movimento da ordem de 10,5 milhões de passageiros por ano.
A aproximação por GBAS recebe a designação de GLS (GBAS Landing System). No Rio de Janeiro, ainda não há procedimentos desse tipo, mas nem todos os aviões contam com equipamentos próprios para a execução desse tipo de aproximação. Apenas o Boeing 747-8 e o 787 já saem de fábrica com o sistema GLS enquanto os modelos 737NG e Airbus A320 podem receber kits para upgrade. O próximo passo, segundo a FAA, será aprimorar o sistema GBAS para que também trabalhe com os mínimos de visibilidade reduzidos encontrados nas aproximações do tipo ILS de categorias 2 e 3.
Robert Zwerdling é comandante de aeronaves Airbus A320