Os impactos do PBN para a operação de pilotos de aeronaves de pequeno porte
Por Jorge Filipe Almeida Barros Publicado em 29/01/2014, às 00h00 - Atualizado em 30/01/2014, às 00h19
Desde que a ICAO lançou o manual de PBN (Performance Based Navigation), em 2008, o mundo da aviação corre para colocar em prática o seu conteúdo. O crescimento econômico global nas últimas décadas gerou demandas de transporte aéreo que vêm colocando em xeque o antigo sistema de circulação de aeronaves.
Até cinco anos atrás, a organização do tráfego aéreo era praticamente a mesma do pós-guerra. Com a derrota da Alemanha em 1945, o país foi dividido em dois territórios, que passaram a ser governados pelos vencedores. Pelo acordo, Estados Unidos, França e Inglaterra dominariam o oeste enquanto o lado leste permaneceria com a URSS (antiga União Soviética). No entanto, Berlim, capital política do antigo governo, permaneceria nas mãos dos soviéticos, a contragosto dos norte-americanos. Por pressão dos EUA, a URSS aceitou dividir Berlim em duas áreas de administração.
O problema era que, para ter acesso à sua metade, os aliados ocidentais dispunham de apenas uma estrada precária, com aproximadamente 110 km. Para complicar ainda mais a situação, em 1948, o recrudescimento da Guerra Fria acabou por azedar de vez as relações políticas e os soviéticos fecharam a estrada. Com a intenção de evitar que a provocação pudesse se transformar em uma nova guerra, os EUA optaram por se manter ligados a Berlim via conexão aérea. Passaram a planejar uma operação de aeroabastecimento, que ficaria conhecida como “Airlift”. Eram voos diuturnos, de carga, partindo de três pontos no lado ocidental, em direção ao aeroporto de Tempelhof, fluindo em rotas espaçadas verticalmente em 150 m (500 pés), um avião atrás do outro, separados por intervalos de 15 minutos, e apenas três minutos dentro da terminal de Berlim. Isso aconteceu em um cenário de infraestrutura caótica e com a meteorologia sempre ruim.
Após 11 meses de operações, os soviéticos se deram conta de que a restrição, além de inútil, servia como inspiração para o desenvolvimento de aeronaves maiores e métodos de navegação mais precisos por parte principalmente dos norte-americanos. Decidiram, então, reabrir a estrada e o “Airlift” foi encerrado. Mas o legado permaneceu nas técnicas de circulação aérea que a futura Icao utilizaria por décadas. Vários recursos, ainda ativos hoje em dia, foram desenvolvidos naquela época, com destaque para aerovias que bloqueiam auxílios, antenas repetidoras de VHF e que utilizam antenas de NDB, com a ajuda de radares. Esse modelo se chamaria “radionavegação” e daria os primeiros sinais de esgotamento já nos anos 1970.
Em 1983, a Icao criou um comitê de especialistas para propor um novo sistema. Nomeado CNS-ATM, começou a ser implantado em todo o planeta em 1991. A partir de então, a maneira de se comunicar (C), navegar (N) e visualizar os aviões em voo (S) sofreria uma mudança progressiva nas duas décadas seguintes. Até 2020, a Icao espera que o mundo já esteja integrado de forma homogênea. Em 2008, o novo sistema de navegação (N) passaria, e passou, a ser conhecido como PBN, no qual há rotas de dois tipos: RNAV (Area Navigation) e RNP (Required Navigation Performance).
O que difere as capacidades RNAV e RNP da radionavegação é o fato de que o piloto conta com um computador a bordo para processar dados de navegação de forma automática, poupando seu cérebro da raciocinar com ponteiros de ADF, VOR e ILS para localizar-se em um mapa de papel. Esse computador deve estar interligado a um piloto automático e receber informações de sensores de navegação capazes de captar sinais de antenas de VOR/DME, UHF remotas e satélites de navegação ou que utilizem sistemas inerciais. O processamento é sempre automático, de forma a fornecer ao piloto basicamente a sua posição de navegação, em coordenadas geográficas ou de forma gráfica, desenhada em um “moving map”.
Sistema GNSS (Global Navigation Satellite System) | |
GPS – 24 satélites (operacional para voos IFR) | EUA |
GLONASS – 27 satélites (em teste) | Rússia |
Campass – 17 satélites (em teste) | China |
Galileo – 4 satélites (em teste) | Europa |
A navegação baseada em desempenho (PBN) deve respeitar a extensão da cobertura e a qualidade do sistema que provê os sinais de navegação. Dessa maneira, se em alguma parte do globo o sinal de satélites não atende aos requisitos da navegação, as rotas ou procedimentos ATS serão estabelecidas por outros recursos, tais como sistemas inerciais (que não necessitam de sinal externo) ou antenas de UHF, ainda que estas estejam instaladas bem longe da rota a ser voada. O respeito à capacidade de navegação deve vir acompanhado de parâmetros conservadores, incluindo valores de alcance de visibilidade, altitudes mínimas de descida e perfil dos procedimentos. Ou seja, o sistema não pode permitir à aeronave que voe em condições que exijam uma navegação precisa em ambientes onde os sistemas de navegação não oferecem tal precisão.
Essa premissa justifica a lógica de permitir que uma aeronave possa errar sua navegação lateral em até cinco milhas para cada lado se ela voa em rota a elevadas altitudes. Tal erro, no entanto, não seria aceito se a mesma aeronave estivesse executando uma STAR, dentro de uma Terminal. Por isso, as STAR no Brasil exigem capacidade de navegação (do avião e do sistema que provê os sinais) que limite o erro horizontal a apenas uma milha. Nada mais lógico! Existindo outras STAR próximas, em ambientes de alta densidade de tráfego, não se pode permitir às aeronaves que errem mais do que esse valor, sob a pena de colisão em voo. Por isso, as capacidades de navegação vêm sempre descritas por um valor numérico que define o erro lateral máximo permitido. Uma rota RNAV 1, por exemplo, exige capacidade PBN com erros laterais menores do que 1.800 m (1 milha náutica). Essa informação deve estar contida na carta e perfeitamente compreendida por pilotos e controladores de tráfego aéreo.
Na mesma carta, devem estar claros os recursos externos mínimos para a navegação. Geralmente há apenas dois deles, o GNSS e o VOR/DME. Se a carta prevê o uso do GNSS, a aeronave e seu piloto devem ser capazes de utilizar corretamente os sinais de satélites de navegação.
Mas é oportuno lembrar que a ICAO sempre dispendeu mais atenção à aviação comercial. E quase todas as tecnologias vêm sendo desenvolvidas pelas indústrias produtoras de grandes aeronaves. Fábricas como Boeing, Airbus e Embraer possuem a cadeia de recursos necessários para colocar no mercado aeronaves que atendam aos requisitos de aeronavegabildiade. Seus centros de pesquisas e ensaios são suficientes para não depender em nada dos órgãos reguladores. Estes, sim, muitas vezes se valem do conhecimento das grandes para estabelecer normas que deverão ser cumpridas por todos. Inclusive pelos pequenos. E aí reside uma grande dificuldade para a aviação geral no mundo todo. Se, por um lado, os pequenos aviões usufruem das tecnologias dos grandes, por outro, são cobrados a desempenhar como os grandes.
Aprovação PBNAs exigências da Anac para voar RNAV e RNP Desde 2012, a Anac passou a exigir dos operadores privados que obtenham aprovações PBN para voarem rotas RNAV e RNP. Isso porque não basta que a aeronave tenha capacidade para tal. É necessário que a base de dados do sistema de navegação tenha a qualidade exigida pela ICAO. E que os tripulantes tenham conhecimento suficiente para reconhecer a nova simbologia das cartas, as vulnerabilidades de seus sistemas de navegação PBN e, principalmente, os detalhes de operação de sua aviônica avançada. Ainda que as aeronaves tenham capacidade de voar PBN, os operadores privados estão condicionados a obter da Anac uma autorização operacional chamada de LOA (Letter of Authorization). |
Um exemplo claro são as novas rotas RNAV 5, implantadas pelo Decea. Ligam os grandes centros econômicos do país, em linha reta, sem a necessidade de bloqueios de auxílios de NDB ou VOR. Diferente das rotas RNP, as rotas RNAV somente podem ser voadas se houver visualização ATS (com radar de vigilância ou sistemas ADS-B). Isso porque as aeronaves não precisam estar equipadas com alarmes que alertem o piloto de erro lateral de navegação excessivo. No seu lugar, um controlador vigia o voo e previne que erros de navegação possam criar riscos de colisão. O espaço aéreo superior já está praticamente traçado com rotas RNAV5. No entanto, no espaço aéreo inferior elas começam a partir do nível de voo 150 (FL150). Isso porque, abaixo desse nível, ainda não há qualidade de visualização ATS que garanta a continuidade do serviço. Assim, a maioria das aeronaves da aviação geral ainda não se beneficia delas. A depender do aumento de qualidade de visualização ATS, a aviação geral continuará fora das RNAV 5 por algum tempo. Isso porque a técnica de vigilância ATS por meio de radares está sendo abolida nos países desenvolvidos. Nos EUA e na Europa, o novo sistema ADS-B (Automatic Dependant Surveillance Broadcast) os está substituindo. Mas a vigilância ADS-B depende de aviônicos modernos instalados a bordo. E o Brasil segue no mesmo sentido. A área da Bacia de Campos passará a operar ADS-B a partir deste mês de fevereiro de 2014 e os helicópteros que voam para as plataformas marítimas serão vistos pelo APP de Macaé por meio dos sinais que as próprias aeronaves emitem.
RNAV | RNP |
Necessita vigilância ATS | Não necessita vigilância ATS |
Não exige alarmes de erro lateral excessivo | Exige alarmes a bordo, que deixem claro ao piloto que a aeronave chegou ao limite de erro lateral permitido ou já o ultrapassou |
Curvas são executadas pelos padrões que atendam ao desempenho ótimo da aeronave | Curvas devem ser executadas segundo um padrão estabelecido pela autoridade aeronáutica de modo a evitar alterar a separação lateral entre duas aeronaves que voem rotas próximas entre si. |
Pernas de navegação sempre retilíneas | Capacidade de executar pernas de navegação em trajetórias curvas, chamadas Radius To Fix (RF) |
Rotas continentais | Rotas remotas ou oceânicas |
Se as rotas RNAV 5 ainda não estão disponíveis para quem voa com motores de baixa potência, as demais rotas RNAV 1 e RNP APCH já podem ser operadas nos principais aeroportos do país.
As RNAV 1 são aplicadas em procedimentos ATS de subida (SID) e chegadas (STAR). Elas garantem maior versatilidade no uso dos congestionados espaços das Terminais. Como não exigem bloqueios de auxílios, podem ser desenhadas em múltiplas trajetórias que dependem mais da criatividade do técnico que as escreve do que de infraestrutura disponível. Nas Terminais, o uso de radares de vigilância é intenso. Não somente porque há uma concentração de tráfegos, mas também porque as vetorações podem encurtar caminhos e dar mais agilidade à circulação aérea. A visualização é produzida por um conjunto de antenas de radar, posicionadas para permitir uma boa triangulação. E a maior parte das aeronaves de pequeno porte, produzidas a partir de 2000, já possuem equipamentos capazes de voar RNAV1.
A norma |
Já as aproximações ATS no conceito PBN, normalmente, são desenhadas dentro de Terminais em uma altitude que dificulta a continuidade da visualização radar. Por isso, devem ser baseadas nos critérios de RNP. São chamadas de RNP APCH (RNP Approach) e no Brasil foram estabelecidos para utilizar apenas o GNSS como sensor de navegação. Como tal, dispensam a visualização radar, mas obrigam o piloto a estar atento aos avisos internos de erros laterais excessivos. Uma de suas atribuições é conferir cuidadosamente se sua base de dados (de onde vai obter o procedimento a ser carregado na tela de plano de voo) está correta se comparada às cartas do Decea. Isso precisa ser feito rapidamente e exige do piloto habilidade em operar sua aviônica. Os erros laterais máximos estabelecidos na aproximação final podem ser de 555 m a 185 m (0,3 a 0,1 milha náutica). Difícil, portanto, de serem mantidos sem o uso de piloto automático.
Para segmentos oceânicos, onde a visualização radar muitas vezes é impossível, também são utilizados critérios RNP. Quem já voou do Rio de Janeiro diretamente para Florianópolis deve lembrar-se de que a antiga aerovia (conhecida como “rota do tubarão feliz”) em algumas partes chega a mais de 165 km (90 milhas) de distância da costa. Hoje, ela é uma rota RNP4, ou seja, a aeronave não poderá ultrapassar 7,5 km (4 milhas náuticas) de erro lateral e, se o fizer, o piloto dependerá do disparo de avisos de seu equipamento, porque não estará sendo vigiado pelo ACC.
Recentemente, o Decea expandiu a circulação PBN para todo o Sudeste, onde há o maior volume de tráfego do país. Terminais mudaram de formato, novos procedimentos RNP foram introduzidos, corredores visuais alterados e tudo isso a poucos meses da Copa de 2014.