Aproximação estabilizada é a regra básica durante o pouso para evitar sustos desnecessários e até prevenir um acidente grave
Robert Zwerdling, Comandante De Aeronaves A320 | Foto Rodrigo Cozzato Publicado em 28/02/2012, às 13h56 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
Recentemente, estávamos no ponto de espera para decolar da pista 17R do Aeroporto de Congonhas, na capital paulista, aguardando a liberação da Torre São Paulo, que trabalhava um sequenciamento para pousos. O teto estava muito baixo, chovia sobre o campo, o que exigia bastante atenção por parte dos aeronautas durante a aproximação final e o pouso. Chamou-nos a atenção a controladora de voo da Torre de Controle, que tentava se comunicar com uma aeronave de pequeno porte do modelo King Air, executando o procedimento ILS (Hotel 3). Ela não obtinha nenhum retorno dos pilotos. Segundos depois, escutamos a ordem emitida pela torre ao King Air para arremeter.
Naquele momento, vimos atônitos o bimotor saindo da camada de nuvens entre as duas cabeceiras (17R e 17L), completamente desestabilizado e acima da rampa ideal. Surpreendentemente, um dos pilotos do King Air, que ainda não havia respondido às chamadas da controladora de voo, pronunciou-se dizendo: “Estou avistando”. A Torre São Paulo acabou permitindo o pouso do bimotor, que tocou a pista 17R praticamente na metade. Os pilotos não levaram em consideração o estado da pista molhada, a chuva sobre o campo e, principalmente, o velho conceito de segurança de voo: pouso somente com a aproximação estabilizada.
COM VENTO DE CAUDA ACIMA DO LIMITE, NÃO RESTA ALTERNATIVA SENÃO ARREMETER
Quando vejo uma situação como essa ou leio sobre acidentes aeronáuticos que continuam acontecendo pela insistência nos velhos tipos de erros, fico perplexo e muito preocupado. Não é por falta de campanhas de conscientização das autoridades aeronáuticas e dos próprios operadores que os pilotos deixam de receber informações inerentes aos princípios básicos da operação segura de um voo. Diria que executar uma aproximação estabilizada é a maior ferramenta de prevenção de acidentes ou incidentes que tem um piloto durante a fase do pouso. Aliás, gostaria de abrir um parêntese para render elogios às companhias aéreas que trabalham com o sistema FOQA (Flight operational quality assurance). Graças ao módulo de captura e análise dos diversos dados do voo, os pilotos que antes não seguiam os procedimentos padronizados estabelecidos pelo fabricante da aeronave e pelo operador, assim como não se atentavam rigorosamente aos conceitos básicos da segurança, passaram a trabalhar de forma mais padronizada e responsável. Vale lembrar que a implementação de um sistema como esse não tem caráter punitivo, mas de alerta e correção para que as falhas não voltem a acontecer.
VENTO DE CAUDA
Um dos parâmetros que podem ser monitorados pelo FOQA, por exemplo, é a intensidade do vento de cauda com que um piloto executa uma aproximação. Como esse tipo de procedimento não é corriqueiro, muito menos ideal durante o pouso, as companhias aéreas estabeleceram limites. Se forem ultrapassados, serão apontados pelo sistema de coleta de dados. O pouso com vento de cauda pode ser orientado pela Torre de Controle por uma série de fatores, incluindo, por exemplo, regras de atenuação de ruído sobre um centro metropolitano, procedimento muito adotado em cidades europeias. Também a ausência de pistas de táxi para saída rápida em um dos lados da pista pode acabar motivando os controladores de voo a manter a operação com vento de cauda numa determinada cabeceira com o intuito de agilizar o fluxo de pousos. São várias as variantes.
Logicamente, existe um limite. Ele pode vir descrito nas cartas aéreas de aeródromo, pode ser o estabelecido pelo fabricante da aeronave ou o da companhia aérea, que é apresentado ao piloto em um dos capítulos do manual geral de operações ou em boletins baixados pelo departamento de Flight Standards e Segurança de Voo. A regra é clara: com vento de cauda acima do limite, não resta alternativa ao piloto senão arremeter.
#Q#Temos um exemplo claro de um acidente recente na aviação comercial causado pela insistência da tripulação em executar o pouso com vento de cauda muito forte. Não levaram em conta o coeficiente de frenagem da pista, reduzido por condições operacionais marginais e pela chuva sobre o aeroporto. O relatório foi divulgado pela internet e traz detalhes sobre a ocorrência registrada em 22 de dezembro de 2009, no Aeroporto Internacional de Kingston, na Jamaica. O Boeing 737-800 (N977AN), da American Airlines, executando o voo 331 procedente de Washington e Miami, ultrapassou o final da pista e partiu em três pedaços. Felizmente ninguém perdeu a vida. O piloto em comando optou por continuar uma aproximação não estabilizada, na qual o avião só tocou o solo 1.200 metros depois de cruzar a cabeceira – a pista tem 2.670 metros.
Conjugados os fatores de a pista não apresentar bom coeficiente de atrito e do vento de cauda estar com intensidade média de 14 nós, temos a fórmula perfeita para a ocorrência de um acidente aeronáutico. Na American Airlines, o limite para pouso com vento de cauda é de 16 nós. Os tripulantes, porém, devem tocar a pista entre os primeiros 240 metros e, no máximo, nos 450 metros após o cruzamento da cabeceira, seguindo as normas de aproximação estabilizada descritas no manual de voo da companhia. Ou seja, jamais insistir no pouso se a aeronave passou o limite seguro para pouso, ainda mais com pista molhada, chuva forte sobre o campo e vento de cauda, que também aumentava substancialmente a velocidade de solo – a manobra de arremetida era imperiosa naquele momento. A título de curiosidade, a intensidade máxima para pouso com vento de cauda para o Boeing 737 estabelecida pela norte-americana Southwest é de 10 nós e, de cinco nós se a pista estiver contaminada (gelo, neve, água etc).
REGRAS BÁSICAS |
De acordo com estudos da Flight Safety Foundation, aproximadamente 56% dos acidentes envolvendo jatos comerciais ocorreram durante as fases de aproximação e pouso, que representam apenas 16% do tempo total do voo. Por isso, a organização realiza constantemente campanhas de conscientização voltadas para os aeronautas, ressaltando a importância de se executar sempre aproximações estabilizadas. Algumas regras básicas foram inseridas numa espécie de cartilha que deve estar na memória de cada aviador, dos que estão começando nas escolas de aviação aos mais experientes comandantes de linhas aéreas. Para não esquecer:
1. Aproximação estabilizada a 1.000 pés (instrumentos) ou 500 pés (visual);
2. Apenas pequenas alterações de rumo e pitch são necessárias para manter a trajetória;
3. Desvios não superiores a um “dot” tanto no eixo do localizador como na rampa do glide-slope na aproximação ILS;
4. Razão de descida não superior a 1.000 pés;
5. A altitude recomendada para cruzar a cabeceira no pouso deve ser de 50 pés;
6. A velocidade ao cruzar a cabeceira não pode ser superior à Vref + 10 nós ou menor que a Vref;
7. O vento de cauda não deve ser superior a 10 nós (pista não contaminada) e zero (pista contaminada);
8. Toque de pneus na centerline e na área demarcada de segurança. A FAA considera a marca de 1.000 pés (300 metros) além da cabeceira e a OACI considera uma área flexível, cujas faixas de toque são demarcadas de acordo com o comprimento da pista disponível;
9. Após o pouso, frenagem completa: freios das rodas, spoilers e reversos ou equivalentes (lift dump);
10. Velocidade inferior a 80 nós ao atingir os últimos 610 metros de pista.
Essas regras foram estabelecidas pela FSF em seu programa de redução de acidentes em aproximações e pouso (ALAR). Os operadores podem utilizá-las ou incorporar algumas modificações, seguindo o manual de procedimentos padronizados do fabricante (SOP) ou estabelecendo suas próprias recomendações operacionais ao grupo de voo.