Qual o futuro da TAP?

Brasileiro deve ficar com a estatal portuguesa, mas controvérsias políticas podem inviabilizar a privatização

Por Alexandre Coutinho, de Lisboa, e Edmundo Ubiratan, de São Paulo Publicado em 11/06/2015, às 00h00

A privatização da TAP promete mudar o cenário da aviação regular em Portugal e no Brasil. Dona do maior número de voos interligando os dois países, a estatal portuguesa se tornou uma das maiores transportadoras entre a América do Sul e a Europa. Deter seu controle significa ter acesso imediato a rotas transatlânticas que conectam cidades brasileiras a Lisboa, com voos que costumam partir cheios, além de uma considerável malha europeia. Apesar da condição estratégica, a TAP vem acumulando dívidas há mais de uma década e deve estar vendida antes do fim deste mês de junho para um brasileiro.

Além de assumir o passivo da TAP, no valor de cerca de 1 bilhão de euros, o comprador da empresa terá de fazer um aporte superior a 500 milhões de euros, para repor os capitais da companhia (negativos em 512 milhões de euros) e ter capacidade para financiar o plano estratégico, que passa pelo reforço da frota com 12 novos Airbus A350 XWB. Avianca e Azul estão na disputa.

Dívidas históricas

No inicio dos anos 2000, o executivo Fernando Pinto deixou o controle da Varig e assumiu a presidência da TAP, passando a realizar uma série de melhorias administrativas ao longo dos anos. Fatores diversos, incluindo embates políticos e interesses pessoais, levaram a companhia a uma situação caótica nos últimos meses, ficando à beira da falência. Em 2012, o governo português iniciou o processo de privatização, e o cancelou em seguida. Na ocasião, a única oferta aceita foi a do empresário brasileiro German Efromovich e, de acordo com o governo português, não existiam garantias reais para a formalização do contrato, o que gerou controvérsias. “Como um grupo que detém a Avianca pode ser considerado pouco confiável ou sem garantias?”, questiona João Villalobos, ex-piloto da companhia. A Azul chegou a ser sondada.

Empresários naturalizados brasileiros Germán Efromovich e David Neeleman disputam o controle da TAP

Embora a venda da companhia faça parte do programa eleitoral do PSD, o processo tem sido um dos mais difíceis para o governo, que sofre uma série de pressões a favor e contra a privatização. No final de 2014 o governo português iniciou novo estudo para a venda da TAP. O modelo de privatização aprovado pelo Conselho de Ministros prevê a venda de 66% do capital da empresa, mantendo 34% nas mãos do Estado, pelo menos durante dois anos. Porém, seguindo a lei de privatizações vigente em Portugal, na prática, o interessado terá 61% do controle, já que 5% ficarão reservados aos trabalhadores do grupo TAP. Além disso, o Estado poderá vender futuramente as ações que detém, ainda que o modelo de venda desse restante não esteja definido.

Brasileiros na disputa

Com as constantes pressões para salvar a companhia, o governo reabriu o processo de venda e recebeu no início de maio três propostas que foram apresentadas na Parpública, empresa estatal que é a acionista da TAP. Entre as ofertas estão a do fundador da jetBlue e da Azul, David Neeleman, que se associou a um grupo de empresários, incluindo Humberto Pedrosa, presidente da portuguesa Barraqueiro, e teria a preferência da presidente brasileira Dilma Rousseff, segundo revelou o jornal Folha de São Paulo. Já o brasileiro Germán Efromovich, que detém o controle do grupo Avianca, fez nova oferta para compra de 66% da TAP. A última oferta foi a de um empresário português, Pais do Amaral, que estaria, de acordo com a imprensa europeia, associado ao investidor norte-americano Frank Lorenzo.

Após uma série de análises, os responsáveis pelo processo de privatização anunciaram que apenas as propostas de Neeleman e Efromovich passaram para a segunda fase. O secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, afirmou na ocasião que o governo português excluiu a proposta da Quifel, a holding pessoal do empresário Pais do Amaral, devido ao não cumprimento dos requisitos legais. De acordo com o ministro, a privatização deverá ser finalizada em junho, mas não há um prazo fixo.

Contra a privatização

Mesmo que seja urgente a capitalização da TAP, o governo enfrenta uma série de desafios de curto prazo. Com dívida de € 1 bilhão e patrimônio negativo superior aos € 500 milhões, a empresa necessita de um aporte financeiro de curtíssimo prazo apenas para manter seu funcionamento até o segundo semestre do ano. Além disso, uma recente greve de pilotos, que durou 10 dias, provocou um prejuízo adicional de € 35 milhões nas contas da empresa, que se vê mais próxima do colapso financeiro a cada dia. No entanto, o Estado português não pode realizar um empréstimo à companhia, em razão das restrições da legislação da União Europeia.

O processo de venda ocorre num momento político delicado, já que Portugal está a meses das eleições legislativas, e o partido do governo, de centro-direita, vem sofrendo uma série de críticas do Partido Socialista, que é veementemente contra a privatização, e que possui grande aceitação por parte do eleitorado. Outro problema além-mar: dias após a entrega das propostas de compra, a Assembleia Regional dos Açores publicamente se mostrou contra a privatização da TAP, que, de acordo com os parlamentares, “levanta grandes interrogações e preocupações em termos de defesa do bem público e dos interesses nacionais”. A resolução contra a venda da companhia teve amplo apoio dos partidos de esquerda dos Açores e se tornou mais um entrave político em todo o processo.

Outro problema diante da TAP é a legislação europeia que não permite que um investidor não-europeu detenha mais de 49,9% das ações de qualquer companhia aérea com sede num dos países da União Europeia. As autoridades se mostram preocupadas com as múltiplas nacionalidades dos dois interessados na compra da TAP. O empresário David Neeleman é brasileiro e norte-americano, e conta com o apoio de acionistas locais para manter a proposta em curso. Já o boliviano Germán Efromovich possui cidadania polaca, o que é uma vantagem competitiva, além da cidadania brasileira e colombiana.

As propostas

Em entrevista a AERO, o ministro da Economia, Pires de Lima, garante que o processo não sofrerá nenhuma mudança significativa e que os dois interessados devem garantir que tenham condições de assumir a TAP caso sejam declarados vencedores. “Espero que durante o mês de junho estejamos em condições de apresentar uma proposta no Conselho de Ministros, mas para isso é fundamental que os dois candidatos que passaram à última fase melhorem suas propostas”, afirmou.

A proposta de Gérman Efromovich inclui uma recapitalização imediata de 250 milhões de euros e a incorporação de 12 novos aviões a TAP – a Avianca Internacional tem estocados na Espanha 12 modelos A330-200 usados –, além da renovação da frota da Portugália com aviões da Embraer até 2016. Já a oferta de David Neeleman, conta com a sociedade do português Humberto Pedrosa, do grupo Barraqueiro, que inclui o aporte de 350 milhões de euros num curto prazo e a compra de 53 novos aviões.

O embate entre as duas propostas poderá ter impacto direto no mercado brasileiro, já que permitirá a ampliação do acesso brasileiro e sul-americano ao mercado europeu. Para a Avianca (Internacional e Brasil) significa ampliar seus domínios num mercado pouco explorado, permitindo ainda uma interconectividade entre as Américas e a Europa, num modelo até hoje inexplorado. Para a Azul, a proposta de Neeleman permitirá alcançar a Europa sem a necessidade de ampliar a frota ou mudar o plano de negócios internacional, hoje focado no mercado norte-americano.

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