Apesar do frio, maior feira de aviação executiva da América Latina mantém aquecidos os negócios no Brasil e apresenta novidades para os operadores nacionais
Por Giuliano Agmont e Edmundo Ubiratan / Fotos Maurício Lanza Publicado em 03/09/2013, às 00h00 - Atualizado às 22h28
Em uma semana de frio e garoa, o trade da aviação executiva compareceu em peso à 10ª edição da Labace (Latin American Business Aviation Conference & Exhibition), segunda maior feira internacional de aviões e helicópteros privativos. Executivos do mundo todo circularam pelos corredores vermelhos montados no aeroporto de Congonhas durante o mês de agosto e viram um evento ainda mais consistente do que o de anos anteriores. Segundo a organização, foram 14.000 visitantes, 180 expositores e 68 aeronaves. Um dos sinais emblemáticos da maturidade do mercado brasileiro neste segmento foi a vinda da família completa de jatos Gulfstream, incluindo os novos G650 e G280, assim como a estreia do Legacy 500, da Embraer, que também levou seu portfólio completo, com exceção do Legacy 450. “A aviação geral brasileira cresce porque complementa a aviação regular, interligando de forma sistemática os grandes centros a localidades com baixa densidade de tráfego, além de dar aos executivos de companhias com atuação global a opção de fazer voos corporativos intercontinentais ou chegar mais rápido a destinos próximos”, avalia Eduardo Marson, presidente do Conselho de Administração da Abag (Associação Brasileira de Aviação Civil), organizadora da Labace.
De acordo com dados da Embraer, o mercado nacional está caminhando para se tornar o segundo maior do mundo num período curto de tempo. A maior frota é a americana, seguida da mexicana, mas o Brasil se tornou, nos últimos três anos, o maior mercado para novos jatos executivos depois dos Estados Unidos. “O rápido crescimento do mercado brasileiro de jatos executivos é sinal de amadurecimento”, avalia Augusto Salgado, gerente de Estratégia de Produto da Embraer Aviação Executiva. Ele chama a atenção para dois aspectos relevantes do mercado brasileiro.
Um é que em 2012 a frota de jatos ultrapassou a de turbo-hélices, hoje são 770 jatos contra 750 turbo-hélices, e o outro é que há um desaquecimento do mercado de aeronaves usadas. “Nos próximos 10 anos, o mercado nacional deve movimentar cerca de
US$ 8.4 bilhões com a aquisição de 532 jatos executivos”.
O debate em torno da infraestrutura aeroportuária permeou algumas das conversas logo após a abertura da Labace, já que o principal gargalo nos aeroportos do país durante grandes eventos se dá justamente com jatos de autoridades, patrocinadores e VIP em geral. A Secretaria de Aviação Civil acaba de conceder outorgas a dois aeroportos privados para explorar comercialmente voos da aviação geral. Um deles em São Paulo, batizado Aeródromo Privado Rodoanel, em Parelheiros, e outro em São Roque, chamado Novo Aeroporto Internacional Executivo Metropolitano de São Paulo. Os empreendimentos ainda aguardam autorizações ambientais para serem oficializados, mas o de São Roque deve ter pista e pátio inaugurados antes da Copa de 2014 e o de Parelheiros ficará pronto provavelmente em 2015. Segundo o ministro-chefe da SAC Moreira Franco, esses aeroportos poderão atender voos internacionais. “Essa é a ideia”, garantiu o ministro. Paralelamente o governo de São Paulo espera privatizar aeroportos paulistas, como o de Jundiaí, e a União promete injetar recursos nos chamados aeroportos regionais. A Abag acredita no potencial dos novos aeródromos para desafogar aeroportos centrais em São Paulo, mas não abre mão de continuar tendo acesso a Congonhas, por exemplo. “Discordamos de qualquer restrição à operação da aviação executiva em aeroportos centrais”, defende Ricardo Nogueira, diretor-executivo da Abag.
Uma das principais novidades da Labace 2013 foi a oficialização da parceria entre a Bombardier e a Líder Aviação. O fabricante canadense passa a ter como representante exclusivo no Brasil a empresa que trouxe os primeiros Learjet ao país. “Temos presença em todo o território nacional com múltiplas soluções para os operadores da aviação geral em 23 bases”, diz Eduardo Vaz, presidente da Líder Aviação. “Além de vender aeronaves, fretamos, gerenciamos, treinamos pilotos, fazemos manutenção, administramos aeronaves fracionadas, enfim, temos uma estrutura consolidada para dar suporte à Bombardier no Brasil”. O contrato entre as empresas é de três anos, mas Fábio Rebello, vice-presidente de Vendas para a América Latina da Bombardier, garante que a parceria será duradoura. “É um investimento com critério, de longo prazo”, diz o executivo. Hoje a Bombardier conta com estrutura própria para treinar seus pilotos, mas a Líder espera oferecer seus simuladores para diferentes modelos de aeronaves.
Durante a Labace, a Líder vendeu dois aviões Beechcraft Bonanza G36, cada um negociado por US$ 790 mil (sem impostos), além de fechar o contrato de início da construção de um hangar de cinco mil m² em Itanhaém, no litoral paulista. “O investimento será de R$ 10 milhões, e a obra deverá ser concluída até o final de março de 2014”, assegura a superintendente da Líder, Júnia Hermont. “Também realizamos durante a feira a entrega do primeiro Bonanza G36 a operar no Brasil com novo interior”. O presidente da Beechcraft para as Américas, Keith Nodolski, diz que a Labace tem um percentual “muito bom” de compradores reais. Segundo ele, voam na América Latina mais de 1.000 aviões King Air. A percepção do executivo é um termômetro do atual momento do Brasil: “As vendas continuam, mesmo com a crise internacional”.
As oscilações do câmbio e a queda do crescimento econômico do país preocupam, mas os pedidos de aviões e helicópteros crescem mais que o PIB. Os investimentos da Helibras confirmam esse otimismo. A subsidiária da Eurocopter, que tem 650 helicópteros em operação no Brasil, sendo 150 militares, 120 parapúblico e 330 civis e offshore, desembolsou US$ 8 milhões na construção de um centro de logística para fazer o atendimento pós venda 365 dias por ano 24 horas por dia. A principal novidade do fabricante de Itajubá foi a vinda pela primeira vez ao Brasil do EC 130 T2, um helicóptero de US$ 4,5 milhões nacionalizado que deve começar a ser entregue no país no primeiro trimestre de 2014. “Já existem três modelos T2 vendidos para operadores brasileiros”, informa François Arnaud, vice-presidente de Vendas e Marketing da Helibras.
Fabricantes como Honeywell e Rockwell Collins também marcaram presença na Labace, de olho principalmente no mercado de upgrade. “Nosso target está em aeronaves com 8 a 15 anos de vida”, diz Fernando dos Santos, diretor de Vendas e Serviços da Rockwell Collins para as Américas. Segundo ele, um upgrade completo de um King Air com o Pro Line 21 fica em torno de US$ 600 mil no Brasil. “O upgrade dá ao operador a oportunidade de melhorar a performance da aeronave, além de oferecer segurança, conforto e até conectividade”, diz Ben Driggs, presidente da Honeywell para o Brasil.
A despeito de sua vocação para o business, como uma grande vitrine de produtos, a Labace vai muito além de uma feira de negócios. O evento é também um importante palco para o setor debater problemas e apontar soluções, assim como é uma oportunidade para pilotos terem acesso a uma série de novidades, como novas aeronaves, tecnologias, produtos e serviços. Neste ano, a feira reuniu boas surpresas para o aviador. Ao entrar no evento, o visitante tinha logo a oportunidade de comparar, pela primeira vez no Brasil, dois grandes concorrentes no segmento leve, o Cirrus SR22, líder absoluto de vendas na categoria, e o recém-chegado Cessna TTx, o mais rápido entre os monomotores a pistão.
A Cessna, que por décadas foi sinônimo de avião leve, tem perdido espaço para novatas como a Cirrus. Após adquirir o Columbia Aircraft, em 2005, a Cessna não obteve o crescimento esperado na categoria, com o Cessna 400 TT Corvalis. Em 2011, a empresa anunciou o chamado Cessna TTx, que, mantendo o projeto básico do modelo anterior, traria uma série de upgrades na aviônica, interior e performance. O interior ganhou novas cores e uma maior atenção em relação à ergonomia, ainda que para quem viaja no banco de trás o espaço continue deixando a desejar. O motivo é que, diferente do Cirrus, que é voltado para o conforto, o Cessna TTx teve como base de projeto a performance. Com isso, o modelo possui um desenho aerodinâmico que acaba por sacrificar o espaço interno. Porém, os dois destaques do novo TTx estão escondidos no interior, o primeiro sob o capô, com o novo motor Continental TSIO-550-C turboalimentado, que gera 310 hp mesmo em elevadas altitudes, algo fundamental para o modelo que tem teto máximo operacional de 25 mil pés. A segunda novidade é a inclusão da suíte Garmin G2000, a primeira a contar com a função touchscreen. Visualmente o G2000 manteve a interface similar à de seu irmão mais velho, o G1000, o que facilita o treinamento de pilotos habituados à suíte.
O que chama atenção à primeira vista é que o G2000 finalmente ficou livre do excesso de knobs, algo que já havia sido adotado no Garmin Perspective, a versão customizadas do G1000 utilizada pela Cirrus. Além disso, as funções sensíveis ao toque são restritas ao controlador touchscreen GTC-570. Esse controlador lembra o tradicional FMC (Flight Management System), encontrado em diversos aviões. Na verdade, o GTC 570 é uma fusão de FMC com controlador de multimídia. Numa analogia simples, lembra bastante o conceito adotado pela Ford no new Fusion, em que a tela principal permite acessar diversos sistemas do carro, assim como controlar o entretenimento.
Aparentemente o controle é simples e intuitivo, porém, resta saber como será o seu uso em ambientes turbulentos ou com a tela oleosa devido à transpiração da mão. Ainda assim, a Garmin manteve alguns knobs nos PFD (Primary Flight Display) e MFD (Multi-Function Display), o que pode ser sinal de que essa primeira geração ainda não atingiu níveis de confiabilidade que permitam eliminar completamente qualquer botão físico.
Essa foi a justificativa oficial dada pela Cirrus para não adotar o G2000 na sua quinta geração. No entanto, funções sensíveis ao toque representam um caminho sem volta, pois permitem reduzir significativamente o peso ao integrar o maior número de funções num único sistema. Não por acaso o novo Cessna Sovering adotou o Garmin 5000, que, embora ainda esteja em fase de certificação, é uma continuidade dessa tecnologia. O G5000 pode ser considerado uma versão mais completa do G2000, voltado para aeronaves executivas a jato. Outra aviônica que deverá em breve contar com funções touchscreen é a Rockwell Collins Pro Line Fusion, que foi escolhida para equipar o Embraer KC390.
Monomotor executivo Epic LT
Ainda dentro da perspectiva de aviônicos, o visitante tinha na Labace a oportunidade de comparar a solução empregada por dois fabricantes para a mesma aviônica. A Dassault Falcon e a Gulfstream utilizam, em alguns modelos, o Honeywell Primus Epic. Ainda que baseado na mesma plataforma, cada fabricante adotou soluções diferentes para suas aeronaves. A Dassault criou o EASy (Enhanced Avionics System), que inclui quatro telas de 14.1 polegadas, com uma interface intuitiva e visualmente limpa. O controle das diversas funções é feito por dois CCD (Cursor Control Devices) e dois MKB (Multifunction Keyboards) instalados no pedestal. Já a Gulfstream criou o Planeview, que integra também o Enhanced Vision System e inclui quatro telas de 14 polegadas. Visualmente a Gulfstream trabalhou com a possibilidade de os pilotos terem a opção de configurar as telas de diversas formas, exibindo em página inteira, exibição 2/3 com duas janelas e 1/6 adicionais. Ainda que o EASy permita diversas configurações, a interface da Gulfstream possibilita ao piloto incluir mais dados na tela – algo que pode ser visto de forma positiva ou negativa, dependendo do piloto. Alguns preferem uma aparência mais limpa, outros se sentem mais confortáveis com um maior número de dados sendo exibidos.
Outra diferença visível é que os controles de praticamente todos os recursos do Planeview estão dispostos lateralmente, num arranjo que lembra bastante o sidestick dos Airbus. A posição permite um controle mais preciso mesmo em casos de turbulência, já que o piloto está segurando o controle do cursor. O Planeview foi ainda a primeira suíte a oferecer gráficos e mapas da Jeppesen Flight Deck integrados. O G650, que se destacava por sua primeira aparição pública no país, trouxe uma série de inovações para dentro do cockpit. Utilizando o Planeview II, que conta com o Enhanced Vision System II, Head-Up Display II e Visão Sintética no PFD, o modelo ainda inclui um Sistema de Gerenciamento de Voo Triplo, Modo de Descida de Emergência Automática e Radar Meteorológico em 3D, numa série de soluções que melhoram a consciência situacional do piloto e a segurança.
Outra novidade foi o Epic LT, o monomotor executivo desenvolvido pela Epic Aicraft. O modelo teve um começo de vida conturbado, quando a Epic LLC, especializada em aeronaves experimentais, lançou o que deveria ser seu modelo mais revolucionário, o LT. O avião construído em material composto, impulsionado por um motor Pratt&Whitney PT-6, com capacidade para oito passageiros, em cabine pressurizada, mesmo tendo um excelente potencial de mercado, não sobreviveu à crise de sua fabricante, que entrou em colapso. Mais tarde, a empresa ressurgiu com o nome de Epic Aircraft, retomando o projeto, que ganhou algumas melhorias, especialmente no interior e a opção das suítes Garmin G900x e Avidyne R9. A atual Epic herdou não apenas os projetos, mas também a unidade de produção, que possui atualmente uma das mais complexas estruturas para manipulação de fibra de carbono dos Estados Unidos. O LT é impulsionado por um motor PT6A-67A, com 1.200 shp, que gera uma relação peso/potência de 3,40 kg/shp. Relação considerada excelente na categoria, e obtida especialmente devido à construção em materiais compostos.
Caso cumpra o que promete, o PC-24 será uma opção versátil para os brasileiros
Ainda que apresentado apenas como uma maquete, o novo Pilatus PC-24, caso consiga cumprir o que promete, será uma opção interessante para muitos operadores brasileiros. Com capacidade de operar em pistas não preparadas, o novo jato possui capacidade para transportar até 10 passageiros. Na configuração para 4 passageiros e um piloto, o PC-24 possui autonomia de 1.950 nm, decolando com 17.650 libras e voando a 450 ktas a 30 mil pés. Outro diferencial é a cabine, que oferece um volume próximo ao PC-12, incluindo uma porta de cargas. Porém, o maior destaque está nos motores Williams International, que devem oferecer 3.435 libras de empuxo. Os motores terão um adicional de 5% de força, devido ao novo recurso de reserva de potência automática. Além de contar, pela primeira vez na aviação comercial, com um sistema de empuxo vetorado. Embora distante do modelo empregado pela aviação militar, os novos motores poderão “vetorar” o fluxo de ar em até 3 graus durante a decolagem, melhorando ainda mais a eficiência e a performance. A aviônica será a Honeywell Primus Apex, batizada de Pilatus Advanced Cockpit Environmet, que incluirá visão sintética, TCAS II, sistema Waas LPV, entre outros. Outra novidade é o INDS (Integrated Navigation Data Service), que será desenvolvido em parceria entre a Honeywell e a Jeppesen, simplifica a atualização do banco de dados, permitindo atualizações sem fio via iPad. A previsão é que o primeiro PC-24 inicie os voos de homologação até o final de 2014, com a certificação ocorrendo no primeiro semestre de 2017.
Estande de AERO Magazine
durante a Labace 2013
Mesmo aviões sendo a estrela da festa, diversas empresas ofereciam na Labace serviços e produtos voltados para pilotos e operadores. Um destaque interessante foi apresentado pela Training Port, que desenvolveu um inovador sistema de treinamento dentro do chamado SMS (Safety Management Systems). Com base nas recomendações da IS-BAO (International Standard for Business Aircraft Operations), a empresa oferece cursos on-line de treinamento para tripulantes e pessoal de solo. Diferente dos cursos de treinamento técnico, a Training Port oferece treinamento para segurança operacional e manutenção. Além disso, a empresa fornece aos clientes uma avaliação inicial para identificar as necessidades de treinamento.
Segundo a Training Port, seus cursos possuem uma abordagem voltada mais para o fator humano, ainda que todos os cursos sejam técnicos. Um dos diferenciais é oferecer todo o conteúdo on-line, que, além de poder ser acessado de diversos dispositivos, como tablets, ainda permite o acesso em locais distantes das bases, fornecendo aos pilotos maior flexibilidade de horários. Além disso, por ter sua base on-line, os cursos podem ser constantemente revisados e atualizados, possuindo ainda maior interatividade.
A MedAire, uma das principais empresas de emergências do setor, fechou uma parceria com a AeroSafety. O foco é aumentar a presença no país, com seus kits médicos, equipamentos de emergência e serviços de gerenciamento de riscos. Entre os serviços está o de emergência em voo, onde a tripulação em casos de necessidade passa a ter contato direto com uma equipe médica que auxilia nos primeiros socorros, fornecendo importantes informações de como estabilizar o paciente. Em solo, uma equipe credenciada realiza o transporte até um hospital. Outro serviço interessante, que é de bastante valia para quem viaja constantemente ao exterior, é o HealthMap. Basicamente foi catalogado um mapa com os índices de riscos à saúde em diversos países do mundo. Com isso, é possível avaliar corretamente os riscos em potencial existente em cada nação, incluindo a qualidade dos serviços prestados pelo serviço médico de cada destino, os riscos a doenças locais, exigências e riscos alimentares, tipos de vacinas exigidas e assim por diante. Por exemplo, segundo dados levantados por esse serviço, os países do BRIC são classificados como de risco médio/alto. Um dos motivos está no enorme abismo entre os serviços de saúde e de saneamento básico existente entre as grandes cidades e o interior do país. Para os pilotos-proprietários, a AeroSafety oferece uma série de pequenos kits médicos, que fornecem um maior apoio para situações de emergência em locais remotos ou em voo.