Proa ascendente

América Latina consolida em uma década maior crescimento de tráfego aéreo do mundo, mas ainda representa apenas 5% do movimento global de passageiros

Texto E | Fotos Edmundo Ubiratan, Do Rio De Janeiro Publicado em 08/12/2011, às 13h21 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45

O ALTA Airline Leaders Forum 2011, promovido pela ALTA (Asociación Latinoamericana de Transporte Aéreo), celebra o crescimento da aviação regular no continente de olho nos desafios do setor para os próximos anos. O evento, que aconteceu durante o mês de novembro, no Rio de Janeiro, mostrou a nova fase do transporte aéreo da América Latina, que, em uma década, deixou de ser um mercado combalido para se tornar um dos mais pujantes do globo. Somente entre 2008 e 2011, o movimento doméstico na região dobrou e fez com que o bloco consolidasse o maior crescimento mundial. Além dos ótimos índices, a América Latina também confirmou a força estrutural de suas organizações, que, mesmo diante da crise financeira, se mantêm lucrativas. Contudo, ainda que concentre pouco mais de 10% da população global, a porção centro-sul do continente representa apenas 5% do tráfego aéreo mundial, índice muito abaixo da média de Europa, América do Norte e países emergentes do Sudeste asiático.

A SuperJet Internacional, um consórcio entre a Sukhoi e a Alenia, apresentou seu
SuperJet 100

As consolidações
As incertezas relacionadas à economia na Europa parecem não arrefecer os ânimos dos líderes do transporte aéreo da América Latina. No evento da ALTA, o que se viu desde o primeiro dia foi um ambiente motivado pelas boas notícias da aviação na região, com bons números e o surgimento de grandes grupos a partir da criação da Avianca-TACA, em 2009, da fusão das gigantes TAM e LAN em 2010 (leia mais na matéria da p. 50), e este ano a aquisição da Webjet pela Gol. A previsão é a de que nos próximos anos os três grupos detenham 64% do mercado latino.

Quem se movimenta para não perder espaço para as novas gigantes é Copa Airlines, que detém grande parte do mercado doméstico na região, com uma vasta malha que liga as três Américas e o Caribe. Oficialmente a empresa não comenta possíveis parcerias, mas não nega que estuda uma série de oportunidades, até mesmo com os grupos já formados.

O potencial da América Latina tem despertado o interesse de diversos grupos internacionais, como o da irlandesa Ryanair, que estaria negociando a aquisição da peruana Peruvian Airlines, numa operação estimada em US$ 50 milhões. Em outubro último, o presidente da Peruvian Airlines, César Cataño, afirmou que o controle da empresa passará a ser do consórcio europeu formado por Ryanair e Aergo, que terão 65% das ações. A Peruvian é a principal concorrente da LAN Peru e da Taca Peru, detendo pouco mais de 16% do mercado

O potencial da América Latina despertou o interesse da irlandesa Ryanair

Executivos do setor não acreditam que a Ryanair obtenha grandes resultados na região. “O Peru é um país muito mais difícil do que a Irlanda, as coisas não funcionam tão rapidamente quanto exige o modelo da Ryanair”, afirmou o dirigente de uma grande empresa aérea brasileira. “Além disso, ser competitivo apenas no preço não é um trunfo na América Latina, hoje temos preços acessíveis em todas as empresas latinas”. Mesmo diante das incertezas, a presença da Ryanair incomoda muitos executivos, pois o modelo adotado pela irlandesa é bastante audacioso e pode atrair novos gigantes europeus.

Diante das gigantes, a TRIP Linhas Aéreas vem mantendo ótimos índices de crescimento, se consolidando como a empresa brasileira com a maior malha doméstica. Sua forte presença no interior brasileiro é um dos maiores atrativos para uma maior aproximação com a TAM, que busca firmar sua posição de empresa de bandeira no Brasil e que necessita de capilaridade de malha. “A parceria com a TRIP permite a um passageiro que vive numa cidade de 10 mil habitantes no interior do país chegar a Pequim”, argumenta Líbano Barroso, presidente da TAM. “Poderemos deter até 33% do capital da TRIP, isso depende de uma série de análises, mas não estamos adquirindo a empresa”, acrescenta Marco Bologna, CEO da TAM S.A. O presidente da TRIP, José Mario Caprioli, confirma que o controle continuará com os grupos Águia Branca e Caprioli: “As famílias continuarão no controle, hoje a TAM é uma parceira e que poderá se tornar uma sócia”, afirma.

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CSeries, da Bombardier: motor mais eficiente do que o da família E-Jet

Os gargalos
Considerada uma das regiões mais caras para se voar, a América Latina continua enfrentando graves problemas com questões tributárias, elevado preço dos combustíveis e taxas aeroportuárias acima da média mundial, além dos entraves de infraestrutura. Durante o Fórum da ALTA, os temas foram recorrentes.

No Brasil, entre os problemas enumerados estão o colapso da infraestrutura aeroportuária e o preço do combustível “inflado artificialmente pelo governo”, segundo alguns executivos, para equiparar os valores aos praticados no mercado internacional. “A maior parte do custo do petróleo no Brasil é referente à carga tributária que incide sobre o combustível, uma das mais elevadas do mundo”, reclamam os dirigentes de empresas aéreas, resignadas com a ideia de que a desoneração parcial do combustível é algo improvável.

Outro grande problema apontado no Brasil é a limitação do tráfego aéreo, cujo gerenciamento ainda é considerado obsoleto. Mesmo sendo um dos mais seguros do mundo, contando com equipamentos modernos, o modelo é um dos mais problemáticos da região. Um executivo ironiza dizendo que, no Brasil, a menor distância entre dois pontos é um “&”, fazendo referência às inúmeras mudanças de rumo e às órbitas existentes. “No Brasil, a separação [entre aeronaves] é de 5 milhas [náuticas] enquanto nos EUA chega a 3 milhas [náuticas], é uma grande diferença”, compara David Neeleman, fundador da Azul Linhas Aéreas. “Estamos trabalhando com o Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo) para melhorar essa situação, queremos manter um tráfego aéreo seguro e eficiente”.

O gerenciamento do tráfego aéreo no Brasil ainda é considerado obsoleto

A questão aeroportuária é o principal desafio do Brasil, que estuda modelos de privatização para tentar solucionar nos próximos anos a questão. A América Latina é uma das regiões com o maior número de privatizações no setor aeroportuário, mas a transferência dos aeroportos para empresas privadas não determinou a eliminação dos problemas, pelo contrário. Para o presidente da Avianca, Fabio Villegas, um dos maiores entraves é que muitos aeroportos privados têm taxas aeroportuárias extremamente elevadas. Um dos exemplos é o México, onde as altas tarifas aeroportuárias cobradas atualmente impedem o crescimento da aviação doméstica. Para o executivo, o modelo de privatização adotado no México e em boa parte da América Latina e Caribe não deu resultado. Além de não melhorar de maneira eficiente a infraestrutura, as empresas operadoras dos aeroportos passaram a cobrar tarifas acima da média mundial. O excesso de regulação, no outro extremo, também é um problema, como mostra o exemplo venezuelano, que impõe regras e interferência estatais e pode simplesmente banir a aviação do país. Atualmente, a aviação comercial da Venezuela tem uma participação inexpressiva até mesmo no mercado interno.

De olho na região, os principais fabricantes participaram do evento

A situação dos aeroportos na região é um alerta para o modelo que deverá ser adotado no Brasil. Especialistas acreditam que o país deve criar mecanismos para garantir que os custos sejam menores do que os atuais, já que a elevação das taxas aeroportuárias complicaria seriamente o desenvolvimento da aviação brasileira. Segundo eles, o modelo de concessão com prazos que variam de 20 a 30 anos torna o negócio caro e arriscado, pois os operadores têm de investir bilhões de reais a serem recuperados em duas ou três décadas.

A falta de infraestrutura também afeta a segurança operacional da região, mesmo com a renovação da frota das principais companhias, e gera prejuízos às empresas aéreas. Pesam no balanço voos mais longos, esperas imprevistas durante os procedimentos de pouso e, não raro, filas para estacionamento das aeronaves no pátio. Muitos já debatem a criação de um marco regulatório para América Latina, que estabeleceria normas e condições comuns na região. Hoje, muitos países têm regras próprias.

Novos fabricantes
Os principais fabricantes estiveram presentes no Forum da ALTA, todos de olho no potencial de crescimento da região. Para a Airbus, que atualmente detém a maior parte das encomendas de aviões novos, o mercado latino deverá manter um crescimento constante na próxima década (leia mais nas p. 58 e 59). Sua tradicional rival, a Boeing, também acredita que o mercado latino continuará crescendo em ritmo intenso nos próximos anos. Mesmo perdendo espaço a cada ano para a Airbus no mercado narrowbody, o fabricante norte-americano acredita que, ao longo dos próximos anos, a tendência é que o mercado na América Latina fique equilibrado, com cerca de 50% de market share para cada um.
Para a Bombardier, o mercado mais promissor na região é para seus aviões turbo- -hélices da família QSeries, pois disputam mercado apenas com os ATR. Entre os jatos, mesmo sem realizar grandes negócios no bloco, o fabricante canadense também vê com bons olhos o potencial de venda do CSeries, que figura entre o Embraer 190 e os Boeing 737-700 e o Airbus A319. Segundo a Bombardier, o motor dos CSeries é mais eficiente do que o da família E-Jet e isso deve abrir oportunidades na região, principalmente se a Embraer não modernizar seus propulsores.

A SuperJet Internacional, um consórcio entre a Sukhoi e a Alenia, apresentou seu SuperJet 100 no evento da ALTA. Para o fabricante ítalo-russo, o mercado latino é bastante promissor ao avião, que apresenta índices de economia superior aos modelos existentes no mercado e conta com uma cabine mais ampla do que a de seus concorrentes diretos. Embora tenha firmado um contrato com a mexicana Interjet, um dos entraves do modelo é sua origem russa. O país ficou mundialmente famoso pela falta de assistência técnica a seus produtos. Carlo Logli, CEO da SuperJet Internacional, garante que o modelo não apenas será barato e econômico de operar, mas terá toda a assistência técnica garantida. “O SSJ100 é um avião muito mais ocidental do que russo, principalmente por conta de seus sistemas”, diz o executivo. A SuperJet deverá focar sua atenção em mercados menores e emergentes, como alguns países da América Central e outros da América do Sul com forte presença de equipamentos russos, como Venezuela, Peru e Bolívia. “Temos negociado com algumas empresas da região nos últimos seis meses”, completa Logli.