As especificações técnicas de uma aeronave têm particularidades que podem levar a interpretações equivocadas
Redação Publicado em 29/09/2023, às 08h00
Os dados apresentados nas especificações técnicas genéricas de uma aeronave nem sempre correspondem à realidade de um voo. Em geral são dados obtidos sob as melhores condições durante a campanha de testes em voo.
Parece primário tratar desse assunto, mas acredite, muitos pilotos ainda usam essas especificações técnicas genéricas, geralmente oferecida em brochuras comerciais ou nos websites dos fabricantes, como referência para realizar um voo.
Esses dados podem variar conforme as circunstâncias, o que vale sobretudo para as informações de performance. Por isso é importante relativizar o que está lendo antes de avaliar se um avião ou helicóptero serve para sua missão, seja antes de uma compra ou, principalmente, de um voo.
Na AERO Magazine dizemos que a aviação não é Super Trunfo, o clássico jogo de cartas onde os dados técnicos eram a referência absoluta. E aqui vale uma outra comparação com o que acontece com a medicina. Em vez de consultar um médico, muita gente recorre ao "Doutor Google" ao apresentar algum sintoma de doença e coloca a saúde em risco tirando conclusões precipitadas ou lançando mão da automedicação.
Na aviação, há quem busque nas fichas técnicas genéricas respostas para saber a capacidade real de uma aeronave e avaliar se a máquina se encaixa ou não em uma missão específica.
Existem até casos de operadores que tentam calcular se é possível realizar um voo com esses dados crus disponíveis para o público em geral – especialmente sobre capacidade de longa distância (pense na autonomia de um Citation Jet Longitude, um Dassault Falcon 8X ou um Gulfstream 650ER).
Além disso, muito piloto usa o Google Earth para calcular a distância entre dois pontos e tem a falsa impressão de que um voo pode ser realizado.
Esse tipo de cálculo não estaria errado se vivêssemos sempre nas condições atmosféricas consideradas padrão para a aviação, a chamada ISA (International Standard Atmosphere): 1.013,2 hectopascais de pressão atmosférica, 15 graus Celsius de temperatura, ar seco, ao nível do mar e na latitude 45 graus com a média dos ventos em 80% do ano.
Isso sem considerar procedimentos de decolagem, aerovias, aproximação e pouso, que aumentam a distância percorrida por impor trajetórias de voo distintas de uma linha reta do ponto A para o ponto B.
Na vida real, dificilmente estaremos nessa condição. É comum encontrarmos temperaturas mais quentes do que aquela definida como padrão, pressão atmosférica sempre variável e operação em altitudes acima do nível do mar, além da grande variação da velocidade e direção dos ventos, órbitas de espera em aeroportos congestionados, desvios em rota por mau tempo e assim por diante.
Ou seja, é de extrema importância que se calcule primordialmente a performance da aeronave levando sempre em conta as condições apontadas acima para não ter surpresas desagradáveis e perigosas, como a falta de potência ou impossibilidade de decolagem ou pouso de uma aeronave já em movimento.
Em aviação não existe “pagar para ver”. Até porque, graças aos cálculos de engenharia, existem gráficos disponíveis em todos os manuais de voo que nos permitem calcular com precisão nossa performance e avaliar se podemos ou não realizar o voo na distância pretendida, com a quantidade de passageiros, o peso e o combustível que desejamos.
Não é porque um determinado voo foi realizado em um dia, que será possível realizá-lo novamente em outro. Imagine-se decolando de São Paulo, em qualquer aeronave, para qualquer lugar, com o peso máximo de decolagem e temperatura ambiente de 10 graus Celsius. Agora, imagine a mesma condição com 35 graus Celsius de temperatura. Seja um helicóptero ou um avião, a performance será muito diferente.
Portanto, sempre se lembre de personalizar cada operação de modo a considerar todas as variáveis envolvidas em cálculos de performance para não ter surpresas desagradáveis ou frustrações evitáveis.