Por que parou?

Uma pista de táxi homologada para operações de pousos e decolagens teria amenizado transtornos em Viracopos. Agora, governo promete revisar planos de emergência dos aeroportos brasileiros e estudar compra de equipamentos de remoção de aeronaves de gran...

Giuliano Agmont E Jorge Filipe Almeida Barros Publicado em 21/11/2012, às 15h29 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45

A Secretaria de Aviação Civil anunciou a criação do Grupo de Ação Conjunta (GAC) como resposta à interdição do Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas, no interior de São Paulo, durante o fim de semana prolongado pelo feriado de Nossa Senhora Aparecida deste ano. A comissão contará com representantes da SAC, da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) e do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes (Cenipa) e terá como missão "revisar planos de contingência, normas e procedimentos vigentes, assim como identificar os investimentos necessários em infraestrutura e equipamentos de modo que, quando necessário, os órgãos de governo possam ter uma atuação coordenada e rápida de resposta às contingências". Além disso, o grupo vai avaliar a logística dos processos de remoção de aeronaves, bem como a possibilidade de aquisição e de distribuição de novos equipamentos, de acordo com as dimensões e as características da malha aérea e infraestrutura aeroportuária brasileira.

No último dia 13 de outubro, a pista do Aeroporto Internacional de Campinas (SBKP) ficou impraticável como consequência do incidente ocorrido com uma aeronave cargueira MD-11 da empresa Centurion Cargo, que vinha de Miami, nos Estados Unidos. Os pneus do lado esquerdo estouraram e a perna do trem se partiu, obrigando o widebody da McDonnell Douglas a se apoiar no solo pelo motor esquerdo. Enquanto o trijato mantinha bloqueada a única pista de um dos mais importantes aeroportos do país, mais de 500 voos foram cancelados em plena volta do feriado. A aeronave permaneceu na pista durante quase 45 horas, tempo considerado demasiado por especialistas nesse tipo de procedimento. Mas não precisaria ter sido assim. A falta de equipamento em Viracopos, aliada à inexperiência do staff responsável pela remoção, teria gerado um atraso de pelo menos 15 horas na operação. A ausência de uma segunda pista também se mostrou decisiva no agravamento do problema, que prejudicou mais de 30.000 passageiros. O episódio fez acionar mais uma vez um alerta para a falta de infraestrutura aeroportuária brasileira, que possui apenas três aeroportos com mais de uma pista em boas condições operacionais para todas as categorias de jatos comerciais: o de Guarulhos, em São Paulo, o Galeão (no momento, uma das pistas está em obras), no Rio de Janeiro, e o de Brasília, no Distrito Federal.

INCIDENTE RARO, MAS PROVÁVEL
Esse tipo de incidente, embora raro, é considerado como provável na maior parte dos grandes aeroportos do mundo. O assunto é tratado com atenção na hora de se planejar o atendimento a emergências no âmbito dos aeroportos. Segundo as normas do Cenipa, a responsabilidade de desinterdição da pista é do operador da aeronave. Porém, a mesma norma prevê que se o operador não o fizer, o administrador do aeroporto deve fazê-lo no menor espaço de tempo possível.

Prevendo esse tipo de ocorrência e outras, o administrador deve desenvolver e manter atualizado um plano de emergência. Nele, precisam ser consideradas as providências a serem tomadas e seus atores, para o caso de haver algum incidente ou acidente dentro ou até algumas milhas náuticas fora dos limites do aeroporto, a critério de cada administração. Para isso, são considerados alguns tipos de sinistros, tais como incêndios nas instalações do aeroporto, nos reservatórios de combustível, casos de destruição por forças da natureza, como vendavais, enchentes ou raios, acidentes aeronáuticos com atendimento na pista ou fora dela, sob neblina, chuva ou escuridão, e até caso de segurança pública, como sequestros de aviões.

Consórcio Aeroportos Brasil acaba de assumir Viracopos. O plano de investimento, que considera a possibilidade de compra de um recovery kit, prevê a oferta de quatro pistas, com a entrega da segunda em 2017

O documento deve levantar e catalogar os recursos que serão utilizados em cada tipo de emergência. Na elaboração do plano do aeroporto de Guarulhos, por exemplo, levantou-se a capacidade de leitos na rede hospitalar da cidade e vizinhanças, inclusive leitos para queimados, além dos meios de evacuação. O número de ambulâncias dos hospitais públicos e privados, os recursos de defesa civil, dos bombeiros das cidades do entorno e demais recursos que possam ser necessários. A elaboração do plano deve antecipadamente tratar da legalidade do acesso a esses meios. Portanto, contratos, convênios ou acordos devem ser firmados entre a administração do aeroporto e os seus detentores. Não há necessidade de que todos os recursos permaneçam à disposição da administração aeroportuária, mas é vital que o plano contenha, de forma atualizada, os contatos, com número de telefones, horário de funcionamento de cada ente provedor e, principalmente, seja posto em prática de vez em quando, na forma de treinamentos.


#Q#

REVISÃO DOS PLEM
Uma das primeiras medidas do GAC foi justamente solicitar à rede de aeroportos administrados pela Infraero que revise e atualize o Plano de Emergência em Aeródromo (PLEM) no anexo correspondente à desinterdição de pista (PRAI - Plano de Remoção de Aeronaves Inoperantes e Desinterdição de Pista). O PRAI estabelece os procedimentos e equipamentos disponíveis, a indicação da empresa detentora do conjunto de remoção para aeronaves de grande porte, com os seus respectivos contatos para acionamento a qualquer hora. A Infraero garante fazer sistematicamente essa revisão e informa: "Em novembro de 2011, foi efetuado o Exercício Simulado de Emergência em Aeródromo em Viracopos". O PRAI do aeroporto de Campinas previa o acionamento da TAM, que possui o único equipamento de remoção de aeronave do país, o chamado recovery kit, avaliado em R$ 2 milhões.

Os treinamentos de emergência em aeroportos como o de Guarulhos e o Galeão são conhecidos. No Rio, por exemplo, a Infraero mantém barcos e refletores potentes para o caso de uma aeronave cair no mar. Durante os treinamentos, são postos em ação as polícias rodoviárias para facilitar o acesso por estrada de meios de socorro, os bombeiros da cidade, os recursos da marinha e assim por diante. Se o treinamento causa algum transtorno para a cidade, pior seria se um acidente fosse atendido de forma improvisada. Mas o que aconteceu em Campinas?

Retirar um avião da pista não é uma tarefa desconhecida, por mais grave que tenha sido o motivo da parada. Os meios físicos, guindastes ou kits de remoção, devem estar previstos no plano de emergência, com local determinado e contatos dos operadores. O tempo de latência entre os sinistros conspira contra a eficácia dos entes envolvidos. Há, portanto, uma tendência de esquecimento de como agir, de alteração dos dados de quem deve ser acionado e de vencimento de contratos. Considerando que o plano de emergência de Campinas foi treinado há menos de um ano, pouco provável que tenha sido esse o caso, a não ser que a interdição da pista não estivesse prevista na simulação.

REMOÇÃO SEGURA
Segundo a Infraero, a remoção da aeronave cargueira MD-11, de 130 toneladas de peso com 19 toneladas de combustível e mais 70 toneladas de cargas, foi uma operação complexa e executada de forma segura. "A aeronave não poderia ser retirada imediatamente da via. Primeiro, foi necessária a remoção da carga. Em seguida, foram feitos os procedimentos para a remoção da aeronave, o que envolveu o uso de equipamentos para erguer a turbina e a asa esquerda, seguido do rebocamento da aeronave. A quantidade de combustível em um nível que dificultaria a retirada (a aeronave tem capacidade para 70 toneladas de combustível), tomando ainda mais tempo, levou a opção pela remoção da aeronave com as 19 toneladas de combustível, o que exigiu mais prudência para evitar riscos adicionais. A remoção da aeronave foi feita de modo também a não danificar a pista, que foi liberada cerca de uma hora depois da remoção da aeronave, sem que houvesse dano. Caso a remoção fosse brusca, haveria grandes chances de danos à pista, que seria interditada, sem a possibilidade de recuperação imediata".

Outra questão que deve ser colocada é aquela que diz respeito à forma de mitigar o risco. Enquanto o atendimento da emergência ocorre, os contratempos devem ser atenuados com medidas previamente definidas. Por exemplo, em caso de necessidade de atendimento às vítimas de um acidente aéreo que não se feriram mas perderam a bagagem, a administração deve ter meios de comprar roupas e itens de primeira necessidade nas lojas do próprio aeroporto, caso existam. Um espaço sem símbolos religiosos deve ser improvisado para a realização de atos ecumênicos, nas religiões das vítimas de um acidente.

Mas é na infraestrutura, sobretudo, que devem se concentrar os investimentos para amenizar as consequências dos sinistros. O caso de Campinas é emblemático, pois não há em Viracopos nenhuma pista de táxi homologada para operações de pousos e decolagens, pelo menos. Se houvesse, os atrasos e cancelamentos de outros voos poderiam ter sido atenuados. Atualmente, as condições da pavimentação da pista de taxiamento de Viracopos impedem que ela seja usada como opção para pousos e decolagens, e eventuais reparos interfeririam nas atividades da pista principal, segundo a Infraero.

A Anac divulgou que os prejuízos materiais para os usuários do aeroporto de Viracopos durante a interdição de outubro podem ter sido da ordem de R$ 3 milhões, sem contar os danos morais. Não por acaso a Infraero autuou a Centurion Cargo em R$ 2,8 milhões pelos transtornos causados. Segundo a Azul, que prestou atendimento aos passageiros de modo adequado, segundo a Anac, seus prejuízos podem chegar a R$ 20 milhões - a empresa opera aproximadamente 85% dos voos em Viracopos. Ora, tais valores não justificariam o preparo de pelo menos uma pista de táxi, ainda que com capacidade limitada, para absorver parte do tráfego aéreo em situações de emergência?

O aeroporto de Campinas está sendo entregue a Aeroportos Brasil, que obteve a concessão dos serviços. O consórcio vinha acompanhando a gestão de Viracopos sem intervir. Neste mês de novembro, o comando do aeródromo passa para o grupo privado, ainda com suporte da Infraero por 90 dias. A etapa final de transição acontece em 2013. Entre as medidas de segurança previstas está a possibilidade de aquisição do recovery kit. E o plano de investimentos prevê a oferta de quatro pistas em Campinas para 90 milhões de passageiros por ano. A segunda delas deve ser entregue em 2017.

COMO É LÁ FORA
Na Europa e nos Estados Unidos praticamente todos os aeroportos contam com mais de uma pista

Os aeroportos norte-americanos e europeus de grande porte operam mais de uma pista. É claro que no hemisfério norte o volume de tráfego é bem maior, mas alguns campos têm até sete pistas de rolamento, como é o caso de Chicago O´Hare e Dallas Fort Worth. Se uma pista ficar interditada, as outras dão conta, mesmo que haja um pequeno acúmulo de tráfego aéreo em um determinado setor. E graças a essa rica infraestrutura, as companhias também podem economizar combustível, com menos filas em terra para a decolagem, nas aproximações com menos vetores e órbitas, e com diversos aeroportos de alternativa à disposição dos tripulantes, todos bem servidos por pistas longas e equipadas com sistemas de aproximação por instrumentos do tipo ILS ou R-NAV. Só em Londres, por exemplo, os voos contam com quatro aeroportos de primeira linha: Heathrow, Gatwick, Stansted e Luton. E ainda há muitos outros em cidades vizinhas, como Manchester. Com uma hora de voo, chega-se a Schiphol, em Amsterdã (Holanda), que opera seis pistas, ou a Bruxelas (Bélgica), cujo aeroporto oferece três pistas para pousos e decolagens. As tripulações só precisam monitorar bem a meteorologia, especialmente em dias de nevascas no inverno, mas boa parte dos aeroportos bate recordes de tempo para liberar as pistas da neve, como é o caso do Aeroporto Internacional Vantaa, de Helsinki (Finlândia). Além disso, a grande maioria dos sítios aeroportuários oferece sistema de pouso por instrumentos do tipo ILS CAT. III, por meio do qual a aeronave toca a pista com visibilidade zero. No Brasil, além de Cumbica, Galeão e JK, outros três aeroportos possuem duas pistas ou mais: Natal (RN), Curitiba (PR) e Salvador (BA). Ainda assim, a pista 17/35 de Salvador e a 11/29 de Curitiba tem dimensões limitadas e, no caso do aeroporto paranaense, a pista auxiliar está com o piso em condições inadequadas de conservação, sendo praticamente proibitiva uma operação alternativa para os aviões de médio porte. Em Natal (RN), o único aeroporto do país que opera três pistas, herança dos norte-americanos que ali montaram uma base de apoio durante a Segunda Guerra Mundial, condições adequadas de pavimento para operação da aviação regular são encontradas apenas na pista 16L/34R.

Por Robert Zwerdling