Feito em Santa Catarina, o esguio asa baixa Wega 180 revela-se rápido e confortável para viagens longas, promete baixo custo por quilômetro voado e cumpre bem manobras acrobáticas
Por Lídio Bertolini, de Regente Feijó / Fotos Divulgação (Daniel Popinga) Publicado em 02/10/2014, às 00h00 - Atualizado às 23h50
O Brasil foi sempre associado ao país do “jeitinho”, do “quebra galho”, das coisas malfeitas, o que é uma injustiça. A genialidade sempre esteve presente em diferentes setores da nossa sociedade, principalmente na aviação. Basta lembrar-se de personagens como Santos Dumont, Bartolomeu de Gusmão, dentre tantos, uma tradição que jamais se perdeu, sobretudo na aviação experimental. Um exemplo recente da excelência brasileira é a aeronave Wega 180, produzido pela Wega Aircraft, em Palhoça, interior de Santa Catarina. Fundada em 2006, a empresa produz, além de aviões, também um modelo de aerobarco impulsionado por um motor aeronáutico.
Tive o primeiro contato com esta máquina em 2013, em São José dos Campos (SP), e a segunda, em Lakeland, na Flórida, Estados Unidos – sim, nessa última oportunidade, durante a exposição de Sun ‘n Fun 2014. Tamanha empreitada, voar com um experimental para fora do Brasil, denota a confiança do fabricante em seu produto. Com linhas elegantes e um acabamento primoroso, a aeronave se propõe a ser veloz e confortável, além de oferecer boa autonomia e capacidade acrobática. O avião chamava a atenção de todos, principalmente por ter vindo de tão longe, do Brasil. Seu criador: Jocelito Carlos Wildner, formado em Robótica e com diploma da Escola de Manutenção da Varig (um centro de referência na época). Solícito e incansável, dava explicações a todos, pilotos ou não.
Após alguns contatos, surgiu a oportunidade de nos encontrarmos em Regente Feijó, onde aconteceria a Avia Show, para conversar mais detalhadamente e, claro, voar a máquina, mesmo sabendo das dificuldades impostas pelo grande movimento da feira emergente. Para minha surpresa, apesar do grande assédio do público, sou muito bem atendido pelo Jocelito e pelo empresário João Batista Lemos, feliz proprietário de um Wega com quem teria o prazer de voar dali alguns instantes.
Leme não perde sua eficiência por conta de um “sombreamento” causado pelo estabilizador horizontal e profundor
O avião realmente impressiona. Com traços ímpares, aerodinâmica esguia e um acabamento impecável em cada detalhe, o Wega 180 é um monoplano de asa baixa, biplace lado a lado, com trem de pouso triciclo retrátil, construído em compósito, e capacidade acrobática (+6/-3). Ele vem equipado com motor Superior IO 360 e hélice MT tripá, alemã. A cabine revela-se ampla e larga, com boa ergonomia e visibilidade excelente, adequada para viagens longas. As portas/janelas laterais do tipo gaivota dão um ar de puro sangue ao avião. A entrada na cabine não requer esforço, senti falta apenas de um sistema de soltura dessas portas para o caso de evacuação de emergência, tanto em voo quanto no solo. O ajuste de pedal, que é feito por meio de uma “roldana” no assoalho, e que pode ser acionado manualmente ou com os pés, mostra-se robusto e apropriado para uma aeronave acrobática (evita, por exemplo, que os pedais se soltem ou se desregulem durante o voo). Muito prático, gostei!
Um painel moderno, bem projetado e distribuído, composto por duas telas EFIS Skyview, conferem modernidade, eficiência e praticidade. O acesso a switches e comandos é fácil e intuitivo. Chama particular atenção o sistema elétrico, que possui um gerador ligado através de um retificador a duas baterias e estas, a dois barramentos totalmente independentes, como nos aviões comerciais de grande porte. Esse sistema dispõe de alimentação cruzada que, em caso de falha de uma bateria ou barramento, mantém o fornecimento de energia através do outro barramento. Fantástico, nunca tinha visto algo assim num avião monomotor. O sistema de combustível composto por dois tanques de 110 litros em cada asa confere até 6h28 de voo sem reservas e impressionante alcance de 1.915 km (1.033 milhas náuticas).
As explicações do Jocelito sobre detalhes de construção e dos sistemas do Wega cativam, e o tempo passa rápido. Decidimos, então, fazer um voo no PU-ERW, uma das aeronaves em exposição. O João Batista se oferece para voar comigo e me cede o assento da esquerda. Com os cintos afivelados, a sensação é de se estar “vestindo” o avião. A partida é imediata, e sem problemas. O conjunto formado por motor Superior, hélice MT e dois magnetos eletrônicos garante um funcionamento suave e preciso. Durante o táxi, a visibilidade é excelente, os pedais proporcionam comandos precisos e um bom raio de curva.
Um diferencial do projeto é o trem de pouso triciclo retrátil
Quando um piloto se propõe a voar uma aeronave nova, a referência a ser usada são os dados de performance fornecidos pelo fabricante, e os números do Wega chamam a atenção. Diante do demorado táxi causado pelo movimento de aeronaves, solicito ao João que relembremos alguns dados. Com uma envergadura de menos de oito metros (7,86 m) e peso máximo de 910 kg (550 kg vazio), a VNE (Velocidade Nunca Exceder) é de impressionantes 250 KIAS. Com 135 kW (180 hp), a velocidade máxima de cruzeiro (Vmh) é de 190 KIAS. Já a velocidade de estol com trem e flaps estendidos é de apenas 55 KIAS e, com flaps recolhidos, chega a 65 KIAS. O Wega 180 tem velocidade de manobra de 140 KIAS (velocidade de manobra é a velocidade máxima que se pode defletir um dos comandos, normalmente o aileron ou o profundor) e velocidade máxima com flaps estendidos de 100 KIAS. Outro número surpreendente é a razão de planeio de 15/1 (distância horizontal percorrida supera em 15 vezes a perda de altura). O flap com quatro posições, quando recolhido (up), deflete ailerons e flaps para 10º negativos em voo de cruzeiro (diminuindo o arrasto e o momento picador e aumentando velocidade), na posição de decolagem deflete para 10o e nas duas posições para pouso para 15º e 27º, respectivamente.
Tudo checado, flap selecionado, chega nossa vez para a decolagem. Alinho na pista, solto os freios aplicando potência máxima e uso o pedal direito para manter a reta sem dificuldades. Com 40 KIAS, alivio o manche e o Wega deixa o solo praticamente sozinho. Com aproximadamente 65 KIAS, recolho o trem e a aceleração é imediata. Tráfego congestionado, difícil definir uma razão constante de subida, mas, com certeza, ultrapassa os 1.600 fpm. Fico imaginando qual seria a performance com o modelo com motor de 156 kW (210 hp).
Por conta do horário, a turbulência dificulta o voo, o que não me impede de experimentar vários regimes de potência e configurações. Aqui algumas considerações se fazem necessárias: com tão pouco tempo de voo, e diante de condições meteorológicas fora do ideal, fica difícil emitir opiniões precisas. Portanto, interpretem apontamentos como “características” da aeronave baseadas em minhas impressões ao voar. Em outras palavras, um “papo” de piloto para piloto.
A configuração básica do painel conta com dois EFIS Dynon Skyview
Os comandos são muito leves em quase todas as configurações (gradiente de força por g baixo, e com o aumento da velocidade o manche não fica tão “pesado”), e levemente divergentes dinamicamente. Talvez um CG mais dianteiro melhorasse essa característica. Como exemplo, para aqueles que já voaram um, tem um comportamento muito semelhante ao do Lancair. Executo algumas pernas de oito e tunôs e estimo uma razão de giro de pelo menos 200º por segundo. Portanto, não seria exagero considerá-lo um acrobático. Em função da aerodinâmica refinada, um piloto desatento poderia facilmente ultrapassar velocidades. Pelo mesmo motivo, as manobras acrobáticas só devem ser executadas por pilotos com a devida experiência e treino, como em qualquer avião. Nos estóis observa-se um leve “buffet” e a recuperação é convencional, sem grandes dificuldades. No regresso para o pouso, comprovo o excelente planeio e a capacidade do avião de manter energia, ou seja, a velocidade demora a drenar (diminuir). Muito bom! Tráfego intenso, perfazemos uma final longa, e o pouso acontece de modo nada trabalhoso, sem grandes dificuldades, com boa visibilidade.
Para avaliar o avião, devemos levar em conta sua filosofia de projeto. Trata-se de uma aeronave projetada para viagens longas e lazer, mas com capacidade acrobática e excelente custo/benefício. Segundo o fabricante, o Wega 180 tem um custo por quilometro voado competitivo, “faz uma media de 12 km por litro”, garante Jocelito. O preço está estimado em cerca de US$ 200.000, dependendo dos equipamentos. Na configuração básica, o painel do avião conta com dois EFIS Dynon Skyview, piloto automático, radio, transponder e instrumentos analógicos, além de trem de pouso retrátil eletro hidráulico, freio de alto desempenho e forração e bancos em couro. Como opções, a empresa oferece duas versões mais potentes: o Wega 215, com motor XP-IO-400 Superior de 215 hp e preço na configuração básica de US$ 212.500, e o Wega 210, com motor XP-IO-390 Lycoming de 160 kW (210 hp) e preço na configuração básica US$ 219.000, ambos com TAS estimada de 390 km/h (210 kt) a 3.050 m (10.000 ft).
O desempenho e as características de voo do Wega pressupõem um piloto mais atento e preparado tecnicamente para comandá-lo – o que pode ser cumprido na hora da compra com um treinamento adequado, principalmente para pilotos com experiência somente em LSA (Light Sport Aircraft). Já vi muitos aviões serem injustiçados com fama de difíceis, quando na verdade os pilotos não estavam tecnicamente preparados para operá-los. O Wega cumpre e até supera a performance prometida, além de ostentar um design um tanto arrojado. Resta saber, com as novas regulações da Anac, como ele seria oferecido ao mercado e quanto de investimento seria ainda necessário. Os projetistas estudam lançar uma versão LSA que poderia ser oferecida pronta ao mercado. De qualquer forma, trata-se de uma linda joia, um diamante aguardando apenas as lapidações finais.