Oshkosh, a Meca dos aviadores

Participar do maior encontro mundial de entusiastas da aviação é como um rito de passagem: "ou você foi, ou ainda não foi"

Ruy Flemming/ | Fotos Ricardo Beccari Publicado em 04/09/2012, às 12h23 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45

A FESTA EM OSHKOSH ENCHE OS OLHOS DO PÚBLICO COM AS MAIS OUSADAS ACROBACIAS. NESTE ANO DE CELEBRAÇÕES, A ESQUADRILHA DA FUMAÇA FEZ FALTA

Você olha para cima sempre que ouve o som de um motor cruzando os céus? Reconhece e distingue alguns desses sons? Não sabe ao certo se vive para a aviação ou da aviação? Se sua resposta é "sim" para qualquer uma dessas questões, certamente a palavra "Oshkosh" lhe soa familiar. A festa que a EAA (Experimental Aircraft Association) promove anualmente em torno da pequena cidade de Oshkosh, no estado de Wisconsin, nos Estados Unidos, é uma ocasião definitivamente especial para os aviadores. Um encontro fraterno entre iguais onde se respira aviação. Daí a constatação de algumas premissas que sempre são mencionadas quando se fala da EAA AirVenture Oshkosh. Toda pessoa que gosta de aviação tem de participar desse encontro pelo menos uma vez na vida. É a Meca dos aviadores. Ir ao AirVenture é como um rito de passagem. Algo como "foi, ou ainda não foi; conhece, ou ainda não conhece".

Segundo a EAA, pelo menos 216 brasileiros participaram do evento de Oshkosh neste ano, colocando o Brasil na honrosa terceira colocação dentre os países estrangeiros que reuniram maior número de visitantes, atrás de Canadá (479) e Austrália (286). Contudo, no meio de 508.000 pessoas, havia diversos brasileiros, dando a impressão de que talvez os números oficiais estivessem defasados. Um dos que lá estavam era o coronel Marcelo Gobbet, próximo comandante da Esquadrilha da Fumaça, que planejara sua primeira viagem para Oshkosh atraído pelo anúncio de que a festa teria neste ano as cores do mais famoso esquadrão de demonstração aérea do Brasil - o que acabou não acontecendo.

10 MIL AERONAVES
Começando pelos números, tudo lá impressiona. Embora as pessoas insistissem em dizer que este ano foi um "ano fraco", ainda reflexo da crise que abate as principais economias do mundo, mais de 10.000 aeronaves pousaram nos aeroportos que dão suporte ao evento, sendo o principal o Regional de Wittman. Estiveram por lá 897 representantes da imprensa de cinco continentes. Quem quer visibilidade para um produto que possa de alguma forma interessar o meio aeronáutico deve, obrigatoriamente, marcar presença dentre os 802 expositores. A Embraer estava lá, fazendo sucesso com os Phenom 100 e 300 e o Super Tucano. O Demoiselle também, rendendo uma significativa homenagem a Fernando Arruda Botelho com a conquista de uma Menção Honrosa na categoria ultraleve. Já a Cessna lançou durante a EAA AirVenture Oshkosh o Grand Caravan EX, com o novo motor PT6A-140, de 867 HP, 25% mais potente do que seu antecessor, e o Skylane NXT, com motor mais econômico movido a querosene de aviação.

No meio desses números todos, impressiona a civilidade do povo, a organização do evento e o controle do tráfego aéreo. Não há lixo jogado nas áreas públicas, poucos congestionamentos de automóveis e filas pequenas para comprar água ou um sanduíche e nenhuma para usar os banheiros, sempre muito limpos. Não há cordão de isolamento para praticamente nada. Quem delimita esse espaço são cones separados em intervalos não menores que uns dez metros. As pessoas que chegam até os aviões em exposição ou estacionados podem tocar neles, mas não o fazem; apenas observam e fotografam as máquinas.

Na torre de controle há uma faixa enorme com a sugestiva frase: "A torre de controle mais ocupada do mundo". Esquadrões de Warbirds, clássicos, experimentais se exibindo, diversos ultraleves, aviões e helicópteros que transportavam passageiros para voos panorâmicos, aviões saindo e chegando. Dá para contar pelo menos quarenta aeronaves voando simultaneamente. E tudo funciona. Áreas enormes são disponibilizadas para aeronaves estacionarem. É virtualmente impossível ir a todos esses lugares nos dias do evento. São visitantes que chegam de todos os cantos dos EUA para reverenciar a paixão pela aviação. Alguns alugam casas, outros vão para hotéis, mas o que chama a atenção é o número de campistas por lá... São visitantes que optam por usar a infraestrutura local, que inclui banheiros e pontos de eletricidade próprios para eles. O espírito da grande festa pode perfeitamente ser traduzido pela quantidade enorme de pessoas que vão até lá com suas famílias, armam barracas ao lado de seus aviões e secam roupa em varais improvisados estendidos cuidadosamente debaixo das asas.

No sentido horário, o Museu EAA, o lago com os aviões anfíbios e os homenageados Piper Cub J-3, que completam 75 anos de existência

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Havia até um A36 Bonanza com matrícula brasileira estacionado numa área nobre do aeroporto. Eugênio Krum, proprietário do avião, com seu filho, Eduardo, "comandante para a região dos EUA", pois tem habilitação norte-americana, com os amigos Adriano Sabião e José Torres. Todos pilotos e aficionados. Saíram de Cascavel, no Paraná, e depois de voarem 34 horas ao longo de cinco dias, estavam em Oshkosh simplesmente pelo prazer de celebrar a aviação. No meio dessa aventura, sobrevoaram grandes extensões de selva, paisagens paradisíacas do Caribe e pousaram nos dois aeroportos mais congestionados do mundo: Atlanta e Chicago O'Hare. "Nenhum problema, sempre fomos muito bem-recebidos", fez questão de frisar Eduardo, que pretende prosseguir na carreira como piloto comercial. O que eles dizem, na verdade, é que os controladores de voo ficavam surpresos com a matrícula brasileira para um avião daquele porte, tão longe de sua base. "Como vocês chegaram até aqui? Vão para onde?". Mas quando eles ouviam a palavra "Oshkosh", entendiam quem estava dentro do avião e o que os motivava a fazer uma viagem tão longa.

AS ESTRELAS DA FESTA
É difícil eleger quais são as estrelas da festa em Oshkosh. Começar pelo público que passa os dias atrás de novidades é uma boa dica, mas também há um "mercado de pulgas" no qual é possível encontrar uma boa pechincha num equipamento eletrônico usado qualquer, ou levar uma hélice descartada ou um pedaço de fuselagem e usar como objeto de decoração. O Museu EAA é outro candidato à estrela do evento. Conta, de forma organizada, uma história de 59 anos de voos, cambalhotas e festas. Uma estrela que as pessoas costumam não dar muita importância são as aeronaves anfíbias, que ficam aportadas numa enseada nos arredores do ponto principal, mas que formam uma comunidade de pequenos aviões que compõem uma atraente paisagem bucólica, digna de um quadro. As estrelas proclamadas pela direção do evento foram os Piper Cub J-3, reunidos em grande número para comemorar os 75 anos dessa simpática aeronave que ensinou o mundo a voar.

As palestras de Oshkosh são muito interessantes e diversos conceitos que hoje são regulamentos nasceram ali. Há de tudo, desde pioneiros e heróis de guerra contando suas aventuras, workshops tratando de segurança de voo e procedimentos, até fabricantes e representantes de produtos e aviões explicando o que estão fazendo de interessante. Todos estão lá e quem tem alguma novidade sabe bem que aquele é o momento mais adequado para exibir as qualidades do seu produto.

Os aviões, porém, certamente são as estrelas que mais brilham, começando pela aviação experimental, que originou tudo aquilo, passando pela aviação geral, clássicos, militares de hoje e de ontem, helicópteros e, sem dúvida, os shows aéreos. Os shows são extraordinários. A começar pelas simples passagens das mais diversas e variadas aeronaves em formação ou isoladas e os paraquedistas do Canadian SkyHawks e os norte-americanos do Liberty Parachute Team, que abrem o show com uma enorme bandeira, embalados pelo hino nacional. As aeronaves mais antigas são definitivamente muito especiais. Havia um grande número dos P-51 Mustang, T-28 Trojan, B-25, B-26 dentre outros. Os NA T-6 fazem a encenação do filme Tora! Tora! Tora! com efeitos pirotécnicos de explosões e fogo, acompanhadas de uma narração entusiasmada do locutor, que vai explicando cada fase da batalha.

Shows aéreos durante o dia (no alto) e à noite na festa de Oshkosh. Na foto menor, a turma da Candiota Turismo, que levou 162 dos mais de 200 brasileiros que visitaram a feira

Diversas feras consagradas exibem suas habilidades em controlar suas aeronaves durante o evento, passando baixo, muito baixo, em voo normal, de cabeça para baixo, de lado, ou girando freneticamente. Sean Tucker e seu Pitts S2B, Mike Goulian com seu Extra330SC, Melissa Pemberton com um Zivko Edge 540, Jonh Mohr com um Stearman PT-17 de 1943, Kirk Chambliss também com um Zivko Edge 540. Os Iron Eagles fazem um show muito bonito e coordenado com dois Super Christen Eagle. O Team RV lembra nossa versão de voo em grupo de RV 7, a Esquadrilha Céu. Gene Soucy e Teresa Stokes num showcat lembram nossa querida wingwalker Marta Bognar. Alguns são completamente inusitados, como o show de acrobacias que Chuck Aaron faz com um helicóptero BO-105 da Red Bull. Doug Rozendaal, com um Shrike Commander, homenageia o consagrado Bob Hoover. E há também o divertido e impressionante show do Kyle Franklin, com um Super Cub PA-18A. Ele interpreta um bêbado que pega um avião e faz loucuras. O AeroShell Aerobatic Team faz uma apresentação belíssima com os NA T-6 e lembram o show da Esquadrilha Extreme, liderada pelo nosso carismático comandante Carlos Edo. Só que lá eles fazem o show de dia e à noite. Sim, os shows noturnos de acrobacia são bastante concorridos e as pessoas se recusam a sair do evento até que a última cambalhota seja concluída e o último canhão pirotécnico de fogos, queimado.