Oportunidade Regional

Fabricantes de aviões de até 130 assentos voltam suas atenções para o Brasil enquanto acompanham os debates sobre os modelos de fomento ao setor no Congresso Nacional

Por Giuliano Agmont e Carlos Eduardo Pellegrino Publicado em 13/12/2014, às 00h00 - Atualizado em 14/12/2014, às 23h34


Turbo-hélice Q400, da Bombardier

O ano de 2015 promete ser de oportunidades para a indústria aeronáutica no Brasil. Com a perspectiva de expansão das rotas de menor densidade em um país de dimensões continentais, fabricantes ao redor do globo voltam suas atenções para os planos de operadores locais enquanto aguardam o desfecho dos debates no Congresso Nacional em torno das políticas de fomento para a aviação regional. Uma demonstração expressiva do interesse pelo mercado brasileiro em particular, e o latino-americano em geral, aconteceu no final de novembro último quando a Bombardier, que tem um total de 2.590 aeronaves comerciais voando pelo mundo, abriu seu escritório de Vendas e Marketing em São Paulo. “As perspectivas para o Brasil são bastante promissoras considerando a natureza geográfica do país”, explica Alex Glock, vice-presidente regional de Vendas para América Latina e Caribe da Bombardier. “A demanda hoje ainda é muito baixa, na faixa de 0,5 viagem per capita por ano. Em mercados tradicionais da Bombardier a proporção é de 2 viagens per capita por ano”. Segundo a Anac, o número de passageiros pagos transportados no mercado doméstico brasileiro em outubro de 2014 atingiu 8,5 milhões de pessoas, o maior para o mês nos últimos 10 anos, com alta de 6,8% em relação ao mesmo período de 2013.

Expansão e polêmica

De acordo com a Bombardier, o mercado brasileiro é o maior da América Latina, com estimativa de entrega de 1.100 novas aeronaves comerciais entre 2014 e 2033, sendo 54% de modelos com 100-149 assentos, 41% de aviões da categoria de 60-99 assentos e 5% de aeronaves de 20-59 assentos. “O avanço do Plano de Desenvolvimento da Aviação Regional também vem a contribuir para melhor integração das regiões, seja por meio de incentivos voltados ao aumento da acessibilidade ou pelo desenvolvimento da infraestrutura aeroportuária, com a iniciativa do governo para criação ou reforma de 270 aeroportos”, acrescenta Glock.


Família E-Jet E2 da Embraer

Principal concorrente global dos canadenses e mais bem posicionada no mercado brasileiro, a Embraer também se movimenta para atender ao aumento da demanda por aeronaves regionais no país. Existem hoje em operação no Brasil 83 aviões E-Jet dos mais de 1.000 entregues no mundo, todos voando pela Azul Linhas Aéreas, sendo cinco E175, 22 E190 e 56 E195. Atualmente, a empresa de São José dos Campos possui 10 pedidos firmes para o jato E195 da geração atual feitos pela Azul, com carta de intenções para a compra de até 50 jatos E195-E2, sendo 30 pedidos firmes e 20 direitos de compra. “Também estamos conversando com as principais empresas aéreas brasileiras”, revela Paulo Cesar Silva, presidente e CEO da Embraer Aviação Comercial. “Com cerca de 70 clientes em 50 países, a unidade de negócios da Embraer voltada para a aviação comercial obtém 90% de suas receitas no exterior. Temos a convicção de que conquistaremos uma parte importante das oportunidades que venham a se apresentar no mercado brasileiro”.

A Embraer prevê que as companhias aéreas na América Latina receberão cerca de 700 novos jatos no segmento de 70 a 130 assentos nos próximos 20 anos, o que representa 11% da demanda mundial no período para o segmento, sendo 63% dessas unidades para apoiar o crescimento e 37% para substituir aeronaves mais antigas. A frota de jatos de 70 a 130 assentos aumentará das atuais 280 unidades para 750 até 2033. Segundo o fabricante brasileiro, apesar do domínio de aviões maiores, a América Latina é principalmente composta por mercados de densidades baixa e média – 80% dos quais têm volumes de tráfego de até 300 passageiros por dia. “Em 2013, mais de 50% de todos os mercados intrarregionais tiveram um ou menos voos diários utilizando jatos narrow-body. Esse desequilíbrio entre capacidade e demanda pode criar ineficiência. O uso de aeronaves no segmento de 70 a 130 assentos pode melhorar efetivamente a conectividade em mercados de densidade menor, complementando voos narrow-body fora dos horários de pico em rotas principais”, diz Paulo César Silva.

Outras empresas também disputam esse mercado, como a ATR, com mais de 50 aeronaves em operação no país, nas cores de Azul e Passaredo. Desenvolvidos na década de 1980 pela então Aerospatiale e Aeritalia, os turbo-hélices da família ATR se tornaram referência no mercado. Hoje parte do Airbus Group, a ATR lidera com ampla vantagem o mercado brasileiro, que supera o número de aviões em operação nos EUA e na Índia. No Brasil, a estratégia de Azul é utilizar o ATR como complemento a operação dos E-Jets, levando o tráfego das pequenas e médias cidades do interior para seus principais hubs em Campinas, Belo Horizonte ou Brasília. A Passaredo, que chegou a operar uma frota considerável da família Embraer ERJ-145, optou pela substituição com os modelos ATR 72. Embora sejam mais rápidos e silenciosos, os jatos regionais de até 80 assentos se tornam onerosos demais com o preço do barril do petróleo elevado.

Neste momento, porém, a principal questão que se coloca, a despeito da disputa econômica, é política. Há muita polêmica em torno de um eventual favorecimento ou não à Embraer na definição do modelo da política de fomento da aviação regional. “A criação de um programa para desenvolvimento da aviação regional é bastante válida, mas não necessariamente ótima dada a forma de aplicação da proposta”, acredita Alex Glock, da Bombardier. “Por que não subsidiar o melhor atendimento e a acessibilidade a mercados menores com incentivos diretos aos custos das empresas aéreas em itens como carga tributária ou combustível? Dessa forma você dedicaria os incentivos diretamente ao custo das empresas aéreas sem necessidade de burocracia e controle, dando à empresa aérea a flexibilidade e a oportunidade de escolher o equipamento que julgar mais apropriado para cada mercado, sem tendências na sua decisão”.


subvenções não são novidade. EUA têm seu programa de incentivo para regiões como Alasca

Para a Embraer, é fundamental que o Plano de Desenvolvimento de Aviação Regional incentive a utilização de aeronaves de porte adequado à demanda das rotas regionais. “O custo de se utilizar um avião de maior porte nestas rotas será bem mais elevado, pois as aeronaves voarão com uma grande quantidade de assentos vazios, aumentando a necessidade de apoio para que sua operação seja economicamente viável”, sustenta Paulo César Silva, da Embraer. “Claro que o programa pode gerar demanda por jatos regionais da Embraer, mas nenhum protecionismo está previsto, pois inexiste qualquer barreira, tarifária ou não tarifária, à importação de aviões no Brasil, o que significa que essa potencial demanda será disputada pela Em braer e seus concorrentes globais, exatamente como ocorre em todos os outros mercados do planeta”.

Política de subsídios

Diante das polêmicas, a Medida Provisória número 652, de 25 de julho de 2014, caducou em 24 de novembro último sem a decisão final do Congresso sobre o tema de subsídios para a aviação regional. O governo deverá apresentar uma nova versão da política pública no próximo ano, visando desenvolver o “Programa de Investimentos em Logística (PIL): Aeroportos”, lançado em dezembro de 2012, que possui, também, ações de melhoria em 270 aeroportos regionais.

O objetivo da proposta é proporcionar o acesso da população brasileira ao transporte aéreo regular em locais atualmente desatendidos, seja para o desenvolvimento econômico ou para finalidades sociais, como é o caso de algumas cidades na Amazônia Legal, onde durante a época de chuvas não há outro meio de transporte.

Dentro da ideia apresentada pela Secretaria de Aviação Civil em consulta pública, receberão auxílio governamental as rotas de densidades baixa (até 50 mil passageiros ano) e média (até 800 mil passageiros ano) ligando a aeroportos regionais ou das capitais, atendendo às empresas aéreas regulares e os táxis-aéreos que fazem ligações sistemáticas dentro de um contrato de cinco anos de duração.

Dois tipos de fomento estão em jogo na regra: tarifas e subvenção. O incentivo tarifário será realizado com a isenção de tarifas aeroportuárias e de navegação aérea, excetuando-se as tarifas de capatazia (alfandegária) e armazenamento. Já o subsídio será realizado pelo pagamento de parte dos custos do voo realizado dividido em duas partes. Uma fixa no evento do voo e outra variável, que dependerá do número de passageiros.

Em 2010, o estudo do setor de transporte aéreo do Brasil, elaborado pela McKinsey&Company e custeado pelo BNDES, já apresentava a proposta de subsídios com critérios objetivos para se eleger municípios e, principalmente, para a sua saída do programa, visando ao atendimento das rotas de baixa densidade com a meta de transformá-las em autossuficientes.

Histórico

O Brasil já proporcionou subsídios para a aviação em duas oportunidades. Em ambos os casos os objetivos previstos na política não foram atingidos. A primeira foi na década de 1960, com a criação da Rede de Integração Nacional (RIN), que ficou válida até 1968, voltada para as empresas que operavam as aeronaves DC-3, Catalina ou C-46, o Curtiss Commando. Naquela época, cerca de 300 cidades eram atendidas pela aviação regular.

A segunda, a de maior duração, foi o Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional (Sitar), criado em 1975. Nela o país foi dividido em cinco regiões: Norte, Nordeste, Centro, Centro-Oeste e Sudeste e Sul (veja a tabela na p. oposta). O DAC autorizou uma empresa a ser responsável por cada região, sem poder fazer voos fora dela. Foi a base para a criação de companhias aéreas, várias delas oriundas de empresas de táxi-aéreo.

O subsídio do tipo cruzado era realizado por suplementação tarifária de 3%, recolhida das passagens aéreas das empresas domésticas, sendo o Departamento de Aviação Civil responsável pela administração desses recursos, conforme a IAC 1302. O Sitar terminou quando as propostas de flexibilização e desregulamentação do setor, discutidas e aprovadas durante a V Conac, foram aplicadas em 1992, bem como quando foram emitidas as liminares para suspender o recolhimento da suplementação tarifária no final da década de 1990 e com a Portaria número 569/GC5, de 5 de setembro de 2000, que classificou as linhas aéreas como internacionais ou domésticas.

Experiência internacional

Alavancar com subvenções rotas de baixa densidade de interesse público não é uma ideia nova. Os Estados Unidos possuem o programa chamado de Serviços Aéreos Essenciais (EAS), que funciona desde 1978, uma contrapartida à desregulamentação do setor de aviação civil. Esse auxílio, controlado pelo Departamento de Transportes, possui um orçamento de US$ 241 milhões para 2014 e atende a 160 comunidades, sendo que 43 delas estão situadas no estado do Alasca.

A União Europeia também possui o seu programa de incentivos chamado de Obrigações de Serviço Público (PSO). A decisão de ofertar uma rota no programa é sempre tomada ao nível do país membro, porém, o processo é formalizado pela Comissão Europeia via licitação pública, cujo vencedor é a empresa que apresenta menor custo operacional total. Esse modelo de subsídio é aplicado, também, aos transportes terrestres e marítimos.


Turbo-hélice ATR para rotas de menor densidade da Azul

O que está em jogo?

Muito se discute se o programa da aviação regional é voltado para estimular a venda das aeronaves regionais da Embraer e proporcionar um auxílio financeiro às empresas aéreas. Seria essa a melhor resposta para empresas, cidades e aeroportos regionais no Brasil? O que mais está em pauta?

Como exemplo de análise, considere a cidade de Barcelos, no interior do Amazonas, com 27.000 habitantes, pelas informações de 2013 do IBGE, localizada a 405 km de Manaus em linha reta e 625 km por vias fluviais. Ela é servida por um aeródromo com uma pista de 1.200 m de comprimento e 30 m de largura, que não opera por instrumentos nem possui informações meteorológicas.

No contexto atual, o turismo da pesca desportiva é uma das fortes atrações locais, pois Barcelos faz parte do circuito de Fly Fishing no Brasil. Foram transportados 3.273 passageiros em 2013, quando a localidade era atendida pela Trip Linhas Aéreas, hoje Azul, usando o ATR 42-500, conforme dados do Anuário 2013 da Anac.

No portal do Banco do Brasil encontram-se os processos de licitação para as melhorias nos aeroportos regionais incluídos no PIL Aeroportos. Para Barcelos, está previsto um aeroporto de médio porte, código 4C, voltado para uma aeronave Boeing 737-800 ou similar, e como alternativa o código 3C, voltado para uma aeronave Airbus A 319 ou similar.

Empresas e Regiões do Sitar

Empresa Região
TABA Transportes Aéreos da Bacia Amazônica S.A. Norte
Nordeste Linhas Aéreas S.A. Nordeste, incluindo o norte dos estados de MG e ES.
Nordeste Linhas Aéreas S.A. GO, TO, DF e partes dos estados do PA, MA e MG.
Rio-Sul Serviços Aéreos Regionais S.A. Sul e partes dos estados do RJ, ES e SP.
TAM Transportes Aéreos Regionais S.A. MS e partes dos estados do MT e SP.

Fonte: “Aviação Regional Brasileira”, artigo do Informe de Infraestrutura de novembro de 2002 do BNDES (http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/infra/Inf02-50.pdf)

Além disso, estima-se o transporte de 134.000 passageiros por ano e o pico de 100 passageiros por hora para o ano 2025, a implantação de um terminal de passageiros, uma torre de controle e estação meteorológica de superfície.

A licitação foi realizada e já existe uma empresa, o Consórcio PACS/ENAR, desde maio de 2014, autorizada a executar os serviços de planejamento e medições. No site do Banco do Brasil não foi encontrada, ainda, uma licitação para a execução dessas obras. Porém, somente essas obras, realizadas pelo governo federal, não seriam as únicas necessárias para dotar um aeroporto com aviação regular. Um dos gargalhos está no combustível para essas aeronaves. No caso de Barcelos, o combustível será trazido via balsas de Manaus e armazenado em local a ser criado pela distribuidora local. Esse investimento precisa de pelo menos 10 anos de consumo para cobrir os seus custos, segundo fontes do setor.

Assim, no caso de Barcelos, ao final da implantação das melhorias no aeródromo, além do ATR, que também estão presentes na MAP Linhas Aéreas, existem outros importantes concorrentes da Embraer na aviação regional como as aeronaves da Bombardier, as aeronaves das séries C, CRJ e Q, e a novidade da Mitsubishi e o seu MRJ.

Além desses fabricantes, outras empresas ainda não presentes no Brasil produzem aeronaves regionais com a capacidade de 70 a 100 passageiros. Na China, a Xi’an Aircraft Industries, com o MA700, na Índia, o recém-lançado projeto da Hindustan Aeronautics Limited para um turbo-hélice, e na Rússia, com o Antonov AN 158 e com o Sukhoi Superjet 100 (leia mais a partir da p. 68).


Bombardier aposta na família CSeries para uso regional

Capital estrangeiro

Dentro do tema de aeroportos regionais foram incluídos pelo relator da Medida Provisória número 652/2014 outros dois temas: a autorização de aeroportos privados e a retirada do limite do capital estrangeiro nas empresas aéreas brasileiras. A discussão de autorizar a construção de aeroportos privados, greenfield, voltados para a aviação regular é para capacitá-los para coletar tarifas aeroportuárias. Esse é o caso do Novo Aeroporto de São Paulo (NASP), um projeto da Camargo Correia e Andrade Gutierrez para a cidade de Caieiras, a cerca de 35 km de São Paulo. Na versão que não foi apreciada em plenário, o governo seria autorizado a lançar um chamamento público para autorizar as empresas interessadas, que iriam assumir a integralidade de custos e riscos da empreitada.

Sobre a retirada do limite do capital estrangeiro votante nas empresas aéreas, hoje limitado a 20% do capital com direito a voto (pelo artigo 181 da Lei 7.565/86, o Código Brasileiro de Aeronáutica), a proposta aprovada pela comissão mista do Senado e da Câmara retirou essa restrição. Esse é um tema importante que pode atrair investimentos externos para o setor, bem como proporcionar a entrada de novas empresas no Brasil. Em vários países, há uma barreira de entrada para a criação de empresas aéreas com o limite de capital estrangeiro. Nos Estados Unidos, esse limite é de 25% e na União Europeia o limite é de 49%, mas o protocolo de intenções entre os dois, assinado em 2010, já indica uma liberalização, desde que seja recíproca. Na América do Sul, o Chile é o país líder nessa quebra de paradigma. Sua política aeronáutica não impõe nenhuma restrição à entrada de empresas aéreas estrangeiras desde 1979 e libera completamente a cabotagem sem a necessidade de reciprocidade.

Por último e de grande importância para a comunidade aeronáutica, há o debate sobre a atualização da Lei do Aeronauta, em vigor desde 1984. O texto substitutivo do PLS número 432/2011 foi aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais, em 12 de novembro. O mesmo texto do Senado foi aprovado pela Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, em 26 de novembro, no substitutivo ao PL 4824/2012. Em ambos os casos, as principais melhorias estão na adoção do Sistema de Gerenciamento do Risco de Fadiga (Frms), no aumento do número de folgas mensais e nas alterações no repouso em voo. Na Câmara, a proposta ainda deve passar por duas comissões e pelo plenário para que possa ser encaminhada à sanção da presidente.

Comparação das principais aeronaves regionais no mercado

Fabricantes EMBRAER ATR BOMBARDIER
Modelos ERJ 175 E2 / 195 E2 42-600 / 72-600 C / CRJ / Q 400
Passageiros 88 / 132 50 / 74 100-35 / 70-100 / 86
Motor Turbofan Turbo-hélice Turbofan/turbo-hélice
MTOW (Ton) 44 / 58 18 / 23 58-65/33-41/ 29
Brasil Bombardier indústria aeronáutica Turbo-hélice Q400 Congresso Nacional fabricantes política de subsídios