Por Shailon Ian, especial para AERO Magazine Publicado em 05/07/2018, às 17h53 - Atualizado às 18h26
O anúncio da joint venture entre a Boeing e a Embraer não é exatamente uma surpresa. Dentre as diversas possibilidades de negócio existentes, essa talvez fosse a que menos encontrava obstáculos por parte do governo. Isso não quer dizer que seja o melhor, ou que seja simples. É apenas o possível. A entrada da Airbus no mercado de jatos regionais por meio de um acordo semelhante com a Bombardier mudou as regras do jogo, e tanto a Boeing como a Embraer precisavam se posicionar frente a essa nova ameaça.
Numa indústria na qual nem sempre ter o melhor produto – com as melhores características técnicas, ou com o estado da arte em projeto e engenharia – representa o sucesso nas vendas, ter um competidor dezenas de vezes maior do que sua empresa, apoiado por recursos centenas de vezes maiores do que os que sua empresa, com acesso a taxas muito menores, faz com que a sobrevivência do seu negócio fique seriamente ameaçada.
A própria Embraer usufruiu disso ao decidir entrar no mercado de jatos executivos, onde “chegou chegando” e em relativamente pouco tempo se estabeleceu como uma das líderes do setor com um avião liderando as entregas por vários anos consecutivamente. A Joint Venture é o acordo possível pois:
1) Permite o anúncio da parceria – encerrando as especulações – e deixa livre o caminho para que as equipes das duas empresas tratem dos detalhes operacionais. E como dizem no mundo dos negócios: “O diabo está nos detalhes”. O anúncio traz uma certeza – 60% do faturamento da Embraer vai para a JV – o que o mercado não consegue saber ainda é quanto do custo será transferido para a JV e esse detalhe, esse diabo desse detalhe, é fundamental para a saúde do que sobra da Embraer – sua divisão de defesa e a nova joia da coroa: a Embraer Business Jets, que passa a responder por parte significativa das margens da nova Embraer focada no mercado de alto luxo.
Atualmente, a área de aviões executivos representa 25% da receita da Embraer, seguida de 13% do setor de defesa se segurança.
2) Captura o valor que a divisão de jatos regionais da Embraer ainda possui, valor que tende a diminuir com a entrada a Airbus e os movimentos dos chineses e russos em direção ao desenvolvimento de jatos regionais. Embora não exista um risco real para os E-Jet E2 em relação aos concorrentes do oriente, a parceria com a Boeing pode ser fundamental na briga por facilidades de financiamento a potenciais compradores.
O valor (de US$ 3,8 bilhões) pago foi justo? Isso só saberemos depois que ficarem estabelecidas quais as margens de lucro da nova Embraer. Esta margem só será definida depois que soubermos o que vai sobrar, como será a relação entre a Embraer e a JV, o que vai ficar por conta da Embraer e o que fica por conta da JV, dentre outras coisas. Somente depois de ter a resposta destes detalhes poderemos dizer se o valor avaliado foi justo ou não.
A Embraer tem agora dinheiro em caixa e material humano de altíssima qualidade para fazer valer sua vocação inovadora, pensando nos próximos 50 anos. A empresa, por exemplo, pode valer-se de sua penetração e experiência no mercado aeroagrícola, e liderar o desenvolvimento de drones para esse mercado, se reinventando, e, quem sabe no futuro, fazendo o movimento inverso, comprando empresas estrangeiras do setor.
Mais que olhar para o passado, a JV pode liberar a Embraer para criar valor para seus acionistas, para seus colaboradores e para o país, basta deixar as paixões de lado e observar friamente o que o mercado apresenta.