O futuro da aviação leve

Dos óculos com informações do voo nas lentes ao avião que vira carro, as novidades do mercado de aeronaves de pequeno porte para os próximos anos

Por Edmundo Ubiratan Publicado em 02/10/2014, às 00h00 - Atualizado às 23h50

Avidyne IFD540

A aviação geral evoluiu com o advento da era digital. Ao contrário do que se via até o início deste século, uma série de aviões a pistão já conta com suítes de aviônicos tão modernas quanto a do novo Airbus A350 ou a do moderno Dassault Falcon 7X. São sistemas mais simples, é verdade, mas que representam um inédito salto tecnológico na aviação privada. E as evoluções continuam em ritmo acelerado. Nesta reportagem, compilamos algumas das novidades que despontam no mercado e prometem incrementar a rotina de quem voa

Painéis digitais

A Avidyne, considerada uma das pioneiras no fornecimento do cockpit digital para a aviação geral, acaba de lançar o IFD540, sistema integrado de FMS/GPS/NAV/COM. O novo equipamento simplifica a interface do usuário ao realizar a comunicação e a navegação LPV. O sistema se destaca por criar uma interface híbrida, entre os tradicionais knobs e as funções touchscreen. Segundo o fabricante, a intenção é oferecer ao piloto a opção de utilizar o método tradicional, tornando a migração para as telas sensíveis ao toque mais natural, especialmente para veteranos, acostumados a painéis analógicos.

O IFD540 foi projetado para atender às condições de precisão e integridade dentro do chamado espaço aéreo de nova geração (NextGen airspace), atendendo aos requisitos ADS-B. Um dos destaques dessa série é sua compatibilidade com sistemas elétricos e de aviônica já instalados na aeronave, incluindo o Garmin GNS530 e GNS430, além de manter o padrão plug and play.

A concorrente Garmin, por sua vez, continua trabalhando para manter a preferência dos pilotos-proprietários ao oferecer diversas opções específicas para a aviação geral, como a suíte G900X, bastante similar ao G1000, só que criada para aeronaves experimentais ou leves que não necessitam de todos os recursos de suítes mais complexas. Com foco na aviação experimental, incluindo os modelos RV, o pacote G900X, com instalação simples e direta, possui desde GPS, WAAS, transponder e sensores AHRS até o painel de áudio.

De olho em operadores de aeronaves antigas, e experimentais simples, a L-3 Avionics Systems oferece o Lynx MultiLink Surveillance System (MSS), uma solução ADS-B única. O Lynx NGT-9000 é um sistema one-box, montado literalmente numa única caixa que reúne os recursos necessários dentro da filosofia ADS-B, prometendo, assim, eliminar a complexidade inerente aos atuais sistemas e oferecendo um conjunto integrado ao GPS, de simples instalação, segundo o fabricante. Em fase final de desenvolvimento, a L-3 espera lançar o Lynx até o final do ano. A L-3 planeja, ainda, lançar um aplicativo para iPad e Android para que potenciais clientes possam conhecer o NGT-9000, incluindo o processo básico de instalação.

Óculos para pilotar

Aero Glass oferece realidade aumentada em 360º

Uma das grandes inovações desta década promete ser o Aero Glass. Similar ao HUD (Head-up Display), ele mostra as informações de voo num HMD (Head-Mounted Displays), que é o nome técnico dos óculos de realidade aumentada. Com o Aero Glass, os pilotos dispõem de realidade aumentada em 360​ °, tendo acesso a informações de terreno, navegação, tráfego (ADS-B), instrumentos de voo, tempo e espaço aéreo, para citar as principais, através das lentes. O sistema é baseado em plataformas em desenvolvimento, como o Epson Moverio e o Google Glass. No futuro, o Aero Glass deverá ser compatível com qualquer plataforma HMD.

Ainda na linha futurista, não é de hoje que a aviação experimental deseja criar veículos híbridos com múltiplas funções, como acontece com as aeronaves de combate multirole. No passado, dezenas de tentativas foram feitas para integrar os conceitos de automóvel e aeronave em uma mesma máquina. Até então, a falta de materiais leves e sistemas eletrônicos inviabilizaram os projetos. Agora, porém, alguns fabricantes apostam em veículos híbridos ou simplificados que possam ser levados de casa para o aeroporto sem grandes dificuldades.

Avião na garagem

O híbrido Switchblade

Um dos destaques é o Switchblade, um veículo de três rodas totalmente fechado que promete ser homologado para trafegar como carro ou voar como aeronave, atingindo até 250 km/h (155 mph) a 3.050 m (10.000 ft). Segundo o fabricante, a ideia é possibilitar que o piloto tire da garagem de casa o Switchblade, vá até o aeroporto, decole, pouse e continue rodando até o destino final. Trata-se de uma proposta audaciosa, considerando o histórico dos projetos anteriores com mesmo objetivo. A Samson, fabricante do modelo, garante, no entanto, que o projeto incorpora novas técnicas de construção e materiais capazes de tornar realidade esse antigo sonho.

O projeto é inspirado em linhas italianas, com desenho limpo e fluído. O veículo tem suas asas guardadas dentro do próprio corpo, o que garante leveza e segurança, já que evita problemas de avarias enquanto roda como um veículo terrestre. O modelo terá capacidade para duas pessoas, lado a lado, além de capacidade para transportar até 20 kg de bagagem. O projeto atual prevê uma cabine com largura superior a encontrada no Jaguar XK8. Enquanto estiver configurado como veículo terrestre, as asas e o estabilizador ficam embutidos na estrutura. Ao ser convertido para aeronave, um sistema automático posiciona as superfícies de voo e o motor passa a contar com força total. Por ora, o protótipo está sendo montado numa estrutura metálica reforçada em materiais compostos. O motor inicial é um Motus MST V4, com 1.645 cc. O modelo final provavelmente contará com mudanças significativas no grupo motopropulsor.

Um projeto menos audacioso é o Icon A5, uma aeronave anfíbia que vem sendo desenvolvida pela americana Icon Aircraft desde 2008. O A5 é um avião monoplano de asa alta com estrutura produzida em fibra de carbono e impulsionado por um motor Rotax 912 de 74,6 kW (100 hp). O projeto básico lembra o 3I Sky Arrow, produzido na década de 1990, mas o conceito atual é quase uma fusão entre uma moto aquática, um carro esporte e um hidroavião. O casco foi projetado para obter máxima estabilidade hidrodinâmica, assim como dispor de espaço suficiente para acomodar o trem de pouso retraído. É um concorrente direto do premiado anfíbio brasileiro SeaMax, que agora também conta com versão de asas dobráveis.

Icon A5, fusão entre moto aquática e avião (acima),
e motor Rotax 912 iS Sport


Construído para se adequar às regras americanas da categoria LSA, o Icon A5 promete oferecer as qualidades de um avião experimental, com a segurança de uma aeronave homologada, aliada à praticidade de poder ser transportado sem grandes restrições por via terrestre. Isso porque, ainda que o programa não preveja uma aeronave híbrida entre automóvel e aeronave, o A5 pode dobrar suas asas, que ficam rente à fuselagem, o que permite ser guardado numa garagem padrão. No quesito segurança de voo, a cabine recebeu um indicador de ângulo de ataque, recurso não usual em aeronaves de aviação geral. Há, ainda, a opção para a instalação de um paraquedas balístico. O A5 foi a aeronave básica do Microsoft Flight, a última versão do Flight Simulator.

Motor injetado

Na área de propulsão, a BRP-Powertrain apresentou recentemente o Rotax 912 iS Sport, o mais novo membro da série Rotax 912. A mudança do carburador para um sistema de injeção eletrônica, em combinação com uma unidade de controle digital do motor (ECU), resultou num motor mais econômico e que exige menor manutenção. Muitos acreditam que esse é o futuro da aviação leve. Segundo o fabricante, a série iS é 36% mais econômica do que a série 912 ULS, além de eliminar a exigência de regular o carburador a cada 200 horas de voo. No Brasil, a Edra Aeronáutica está testando esta nova versão do motor em seu anfíbio Super Petrel. 

Os pilotos também se beneficiam dos novos recursos de verificação pré-voo e do novo procedimento de partida. Com a instalação do ECU, os parâmetros do motor podem ser exibidos em um painel digital de instrumentos. Um sistema de diagnóstico eletrônico gerencia os dados do motor e permite ao operador realizar verificações e correções rápidas. O sistema elétrico do motor foi aumentado para 430 watts, para fornecer energia suficiente a todas as suítes de aviônicos modernos. A BRP-Powertrain afirma que as melhorias no motor permitiram uma redução de até 70% nos níveis de emissão de CO2, quando comparados aos de motores similares.

Já a sino-americana Continental Motors Group tem trabalhado continuamente na expansão de sua linha de motores a diesel desde que adquiriu a TAE (Thielert Aircraft Engines), em 2013. A linha atual, batizada CD (Continental Diesel), substitui a antiga linha Centurion e oferece inovações quando comparada a motores similares. A nova série buscou no setor automotivo grande parte de sua tecnologia, incluindo melhorias na eficiência e no processo construtivo. A nova família é composta pelos motores CD-100, CD-200 e CD-300, sendo que o primeiro recebeu recentemente a certificação da EASA para a instalação no Piper Archer.

O recém-anunciado CD-300 é um motor V6 turbo, três litros, de 310 hp (a 2.300 rpm), com injeção direta, taxa de compressão de 15.5:1, gerenciamento eletrônico e refrigeração líquida. O motor manteve a parceria da TAE e utiliza componentes desenvolvidos pela Mercedes-Benz. Segundo a Continental, os primeiros protótipos do CD-300 estarão disponíveis para fabricantes (OEM) em 2016, e a certificação de tipo é esperada para o início de 2017.

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