Com upgrade de motor Blackhawk XP42A o Cessna Grand Caravan decola curto, sobe rápido e voa pesado
Por Carlos Edo, de Boituva Publicado em 06/11/2013, às 00h00 - Atualizado em 26/08/2024, às 11h00
Confesso que fiquei tão surpreso quanto lisonjeado ao receber do Giuliano, o editor-chefe de AERO Magazine, um telefonema me convidando para fazer o voo de ensaio do Blackhawk XP42A da frota da Skydive4Fun de Boituva (SP), o primeiro Cessna Grand Caravan a receber esse upgrade, instalado com presteza pela Remaer, de Sorocaba (SP).
Nesses quase 35 anos de aviação, foi a primeira vez que isso aconteceu. Fiquei satisfeito de saber que teria como fotógrafo o meu amigo Ricardo Beccari, o Becca, com quem levo anos fotografando aviões da Embraer e de nossa Esquadrilha (a Extreme), ou seja, entrosamento total.
O piloto da aeronave paquera será o Paulinho Berggren, que, em vez de sangue, tem combustível de aviação nas veias, pedigree herdado do velho amigo Ulisses “Alemão”, o maior piloto lançador de PQD (paraquedistas) do Brasil. O homem voa desde cabo de vassoura de bruxa até tapete persa. Com ele, tive o prazer e a honra de completar dois traslados entre os Estados Unidos e o Brasil: um de Beech Staggerwing 1936 (o do Fábio Cerioni) e outro de Howard DGA 1944, junto com o saudoso Fernando Botelho. Equipe definida, marcamos o encontro para as 7h30 de uma terça-feira no hangar do Ulisses.
O dia amanhece feio, mas Ulisses, com a família, nos espera para um belo café da manhã. Conosco comparecem o Mauricio Melro, diretor de Marketing e Vendas da Blackhawk do Brasil, e o Bobby Patton, vice-presidente de Vendas Internacionais da matriz norte-americana, que também participarão do voo.
Apesar de o céu estar 100% encoberto, eu e o Paulinho temos a impressão de que o topo da camada de nuvens está bem definido e atingível, dentro dos limites do NOTAM. Para descobrir, sugiro realizarmos um primeiro voo que servirá também para refrescar minha memória em relação à pilotagem do Caravan, já que faz alguns anos que não voo a máquina (o último foi o PT-OGX).
Abastecemos 365 kg (800 lb), o suficiente para os dois voos, e “ripa na chulipa”. Partida idêntica ao Grand: master ON, booster pump ON, starter ON, checar Ignition, 14% de Ng, abrir combustível, monitorar pressão de óleo e ITT, gerador ON, avionics ON e listo!
Alinhados na cabeceira 24, full power (2.230 lbf de torque contra 1.865 lbf do Grand Caravan, ITT máximo de 800º e 101,6% de Ng). Flap 20º. Solto os freios e começam as diferenças: o avião parece um potro desembestado, acelera para 71 kt (130 km/h) e decola tão curto que ao passar em frente do hangar do Alemão já está com climb positivo.
Velocidade de 105/115 kias e nariz em cima: hélice a 2.000 rpm e climb em 550 m/min (1.800 pés/min, sim, 1.800 fpm!). Chegamos à base da camada aos 10.000 pés (3.050 m) em 5 min, furamos e saímos no topo a 13.500 pés (4.114 m), o que nos dará suficientes 1.000 pés (305 m) disponíveis para as fotos.
Na descida, comandamos um step para testar o comportamento do avião em baixa velocidade, além de estóis, velocidade de cruzeiro e demais características. O estol é um caso sério, porque simplesmente não acontece.
Tentamos com o motor em idle, compensador completamente cabrado e “nicas”: afunda, mas o nariz não cai. Paulinho me pergunta se quero tentar no bandeira e lá vamos nós: tudo cabrado de novo, o nariz pesa tanto que dá medo de quebrar um cabo, e nada de estolar como a gente está acostumado.
O bicho afunda, mas não cede a “napa”. E a velocímetro indicada incríveis 50 KIAS (90 km/h) ... Para sair da situação, só alivio a “puxada” e pronto, já está voando de novo.
Nas curvas de grande angulação a baixa velocidade, temos de usar o pitch trim (elétrico), já que o nariz também fica pesado. O cruzeiro com 1.900 lb de torque e 1.900 rpm mostra 165 KIAS, o que, traduzido em TAS no FL100, dá quase 200 nós (370 km/h), ou seja, ao redor de 15% mais rápido do que o Grand normal.
Retornamos para o circuito. Na perna do vento com 100 KIAS (185 km/h), Paulinho me recomenda usar flap 20. O motivo é justamente amaciar o pouso perante a atitude que o avião toma com flap full. Cruzamos a cabeceira 06 com 85 KIAS, toque bem macio e passo da hélice em beta para evitar ingestão de poeira no reverso – já que me esqueci de abrir o separador inercial (manual) antes do toque. Táxi de retorno ao hangar para executar o briefing do voo das fotos e comentar as primeiras impressões com a turma.
Se a opção for operar carga ou passageiros, há também vantagens inquestionáveis. O avião decola muito mais curto (cerca de 40% menos, aumentando a margem de segurança), leva mais carga paga (4 a 5% mais) e voa mais rápido (15%).
Além disso, a diferença de máximo ITT (temperatura interna da turbina) no Brasil significa um ganho evidente em durabilidade e confiabilidade do motor, fora o fato de estar voando um GMP (grupo motopropulsor) “zero bala” de fábrica.
O avião decididamente é outro. O climb é “animal” e permite ao operador realizar quatro lançamentos por hora com 18 paraquedistas a bordo (72 slots), contra quatro lançamentos e 15 PQD no Grand normal (45 slots). Portanto, apesar do maior consumo – que, em cruzeiro, no Blackhawk é de 160 kg/h (350 lb/h) contra 135 kg/h (300 lb/h) no “normal” –, o lucro operacional é evidente.
Vejamos, numa visão bem simplista, o balanço, com slot vendido a R$ 100: o Blackhawk fatura R$ 7.200 por hora e o normal R$ 4.500. A diferença atinge R$ 2.700 que, na cotação de hoje*, significa quase US$ 1,200 por hora de “lucro”. Trocando em miúdos, e sem querer dar uma de diretor financeiro de nada, mesmo com o maior consumo específico e de mais uma decolagem/hora, a conversão se paga em 700/800 horas de voo, restando mais de 2.800 para auferir lucro real.
Obviamente, esses valores só se aplicam numa operação em que há número de atletas suficiente para preencher todas as vagas (slots) disponíveis, como é o caso da Skydive, em Boituva, Centro Nacional de Paraquedismo.
Chega o momento de nosso voo para fotos, que merece umas linhas especialmente dedicadas ao Becca e ao Bobby. Conforme “brifado”, damos partida (tudo certinho!) simultaneamente.
O Paulinho decola na frente e, assim que a poeira baixa, sigo na sequência. Poucos instantes depois, entro na ala esquerda enquanto o Becca se acomoda para a subida com a porta aberta. O Mauricio está no meu assento do 2P e é evidente que nunca voou na ala. Faço um parêntese: a mão de veludo do Paulinho é radicalmente notável, como voa macio esse piloto, é muito fácil de acompanhá-lo.
Veja que comparação interessante. Podemos escolher entre voar no Best Economy praticamente com mesma velocidade e consumo ou, no Max Cruise, 35 minutos a menos, gastando 75 litros de querosene a mais, que, divididos pelo tempo total de motor acionado, dá 18,3 litros/hora a R$ 4,50/litro, o que significa R$ 82,35/hora acionada.
O TBO do motor é 3.600 horas a um custo de US$ 200,000 para OH e HSI, demanda uma reserva de US$ 55,55/hora ou R$ 133,33/hora na cotação de hoje. Ainda assim, tem uma margem positiva de R$ 51/hora.
Uma segunda comparação igualmente interessante: dois operadores têm um contrato de cinco pernas, como a do exemplo, por semana, ou seja, um total de 310.00 km/ano (168.000 nm/ano).
O primeiro opera um 208B e, para cumprir o contrato, precisa voar 1.128 h (incluindo todas as fases de voo, 4,7 h x 5 pernas/semana x 4 semanas/mês x 12 meses). O segundo opera um XP42A e, pela maior velocidade, precisa voar 984 horas, ou seja, “economiza” 144 horas por ano.
Embora vá gastar 18.000 litros a mais de combustível, ainda assim, a economia é notável na maioria dos aeroportos, mas não todos. Com TBO de 3.600 horas vai poder voar quase seis meses a mais do que o operador do 208B antes de vencer o TBO.
Isso sem contar com a possibilidade de instalar o opcional de Trend Monitoring, oferecido pela Blackhawk, que permite estender o TBO para 5.000 horas.
Vamos subindo no ritmo do Grand “normal”, para nós ITT de 620/640º. É como roubar doce de criança: 305 m/min (1.000 fpm). Quase na camada, o Mauricio pergunta: “Poxa, e se perdermos ele de vista?”. Tranquilizo-o: “Já foi ‘brifado’, ele 30º pra direita subindo e nós 30º pra esquerda em leve descida”. Mas nada disso acontece, furamos a camada na ala sem qualquer problema. O sol está magnífico e a camada parece a Groenlândia, um manto branco liso e definido.
O Becca começa a sessão me passando os comandos via VHF. “Mais pra cobrinha, afasta, sobe, desce, mais perto, afasta na lateral, curva pra direita, curva pra esquerda...” e o Paulinho “mãos de veludo” atendendo. Que prazer voar com quem sabe!
Daqui a pouco, o “Gordito Becca” começa a reclamar do frio. A 4.265 m (14.000 pés) a temperatura está “ma ou meno” 4 a 5º C. Some-se a isso o vento com a porta aberta. Resultado: o Becca joga a toalha junto com o Bobby. Estão praticamente congelados! Já eu e o Mauricio permanecemos confortavelmente aquecidos no Black (hehehe).
Descemos como pedra, quase 1.830 m/min (6.000 fpm), e logo estamos na do vento. Pouso longo sem reverso (com inercial aberta desta vez, sim, lembrei) para facilitar pro Paulinho. Mas nem precisava, ele livra na frente do hangar (300 m de ground roll). Corte dos motores e nova confraternização. Realmente Boituva é um lugar muito especial e cheio de boas lembranças para mim. Os dois voos de hoje, com certeza, farão parte dessas lembranças.
O Caravan “normal” já considero um dos melhores e mais prazerosos “placenteiros”, como dizia o Rolim, aviões que já pilotei na vida e já foram mais de 80 tipos diferentes até hoje. O Blackhawk, então, me deixa uma marca indelével e ingressa no meu clubinho de preferidos, junto ao T-6, LR20, T-28, BE-18, E-110 e PT-19.
ComparativoA contraposição de desempenho entre o 208B e o Blackhawk XP42A Além da comparação (bem simplista) exposta no texto, que foi baseada numa operação de lançamento de paraquedistas, preparamos abaixo um pequeno quadro de uma operação típica de táxi-aéreo numa perna de 1.295 km (700 nm), com dados extraídos dos Manuais de Operação de ambos os modelos:
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São mais de três décadas* de história do monomotor turbo-hélice da Cessna
Projeto original da Cessna da década de 1980, o Caravan nasceu como um robusto utilitário para transporte de pessoas e carga, muito usado também para lançamento de paraquedistas. Equipado com o confiável Pratt & Whitney PT-6A, o motor turbo-hélice mais vendido do mundo, o avião pode operar em pistas bem precárias e despreparadas, levando 1.000 kg de carga paga a quase 300 km/h.
O primeiro modelo, Caravan l - 208A, a versão curta original, voou em 1982, equipada com motor -114 de 600 shp. Em 1986, surge o 208B, versão alongada e com motor mais potente (-114A) de 445 kW e 675 shp.
Para ambos, existe a aplicação de bagageiro externo (na barriga). Há também as versões Cargomaster A e B, sem janelas, piso reforçado e portas mais largas, além de uma versão anfíbia, muito vista na região de Manaus (AM).
A partir de 2005, a família Caravan começa a sair de fábrica com suíte Garmin 1000. Os preços atuais (site da Cessna)* variam de U$S 1,8 a U$S 2,2 milhões. Segundo o Blue Book, o preço médio de um modelo do início de 1990 gira ao redor de U$S 750.000 (nos USA), ideal para investir no upgrade da Blackhawk.
Cessna Grand Caravan Blackhawk XP42A |
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Upgrade Preço: US$ 637 mil + US$ 25 mil de instalação Inclui: Kit com uma turbina PT6A-42A, hélice quadripa Hartzell e spinner, carenagem de fibra de carbono, escapamentos duplos, jogo completo de instrumentos de motor (itens novos de fábrica). A turbina vem com garantia da P&W e possibilidade de extensão de TBO para 5.000 horas. Não inclui: Kit APE e custos de importação e impostos no Brasil DIMENSÕES Comprimento: 12,78 m Envergadura: 15,88 m Área das asas: 25,84 m² PESOS Vazio: 2.075 kg Máximo de decolagem: 4.114 kg Máximo de pouso: 4.086 kg Combustível: 1.010 kg Carga útil: 2.055 kg DESEMPENHO Velocidade máxima de cruzeiro: 345 km/h (187 kts) (com compartimento de carga, a 3.050 m ou 10.000 pés, ISA + 10) Alcance (a 3.050 m ou 10.000 pés): 1.815 m (980 mn) Distância de decolagem sobre 15 m (4.115 kg, nível do mar, 30ºC): 650 m Razão de subida: 365 m/min (1.195 ft/min) MOTORIZAÇÃO Motor: 1x P&WC PT6A-52 Potência: 635 kW (850 shp) Hélice: Hartzell quadripá, velocidade constante, 2.000 rpm |
* Publicado originalmente na AERO Magazine 234 · Novembro/2013