Com cabine de 1,98 m de altura e capacidade de viajar sem escalas de Guarulhos a Heathrow, Falcon 5X, o mais avançado jato de negócios da Dassault, deve iniciar testes em voo nas próximas semanas
Por Christian Burgos, de Bordeaux-Mérignac Publicado em 15/07/2015, às 00h00 - Atualizado em 17/10/2016, às 16h28
No universo da aviação de negócios, o alcance tem se revelado a premissa inicial para a escolha de um jato no processo anterior à sua aquisição. Logo em seguida, o grupo de compradores se divide entre os que priorizam a velocidade e aqueles que dão mais importância ao conforto. Pesam na decisão, a partir daí, outros inúmeros fatores, como custos operacionais, pistas onde opera a aeronave, rede de manutenção e solidez (inclusive financeira) do fabricante. No início de junho, fomos à França para o roll-out de uma aeronave cujo programa não apenas incorpora essa diretriz como, também, e principalmente, promete embaralhar as cartas no mercado dos jatos super mid-size ao oferecer longo alcance, o Dassault Falcon 5X. O novo jato tem como principais concorrentes o Bombardier Global 5000 e os Gulfstream G450, G500 e G600, embora possa ser equiparado a outros modelos conforme o critério de comparação.
No ano passado, já havíamos visitado a fábrica de Bordeaux-Mérignac da Dassault Aviation para conhecer o 8X, e pudemos ver ambos, o 5X e o 8X, lado a lado na linha de produção. Desta vez, cruzamos a imponente linha de produção do Rafale com várias aeronaves perfiladas para nos escoltar até o hangar preparado para a celebração do roll-out. Lá, finalmente, vimos o 5X montado, ainda em configuração para os testes de voo que começam no início deste “verão” (no hemisfério norte) com certificação esperada para o final de 2016.
A cerimônia de roll-out transcorreu com a presença de autoridades, grandes clientes e membros da imprensa e foi seguida de um elegante coquetel de confraternização que serviu foie gras com champanhe e o belo tinto de Saint Emilion, Chateau Dassault, uma excelente ocasião para celebrar e relembrar a visita da véspera que fizemos com um pequeno grupo composto por membros dos principais veículos de comunicação do mundo ao headquarter da Dassault em Paris. Nesse tour, assistimos a uma apresentação 3D da aeronave que veríamos ao vivo no dia seguinte. Visitamos o simulador de voo e também a sala onde pudemos experimentar o poder do sistema CATIA, da coirmã Dassault Systèmes. Vestindo óculos e sensores, pudemos interagir com o cockpit e simular a manutenção de sistemas embaixo da aeronave. Luzes brilham avisando que você “esbarrou” em algo que não deveria ou “bateu a cabeça” na estrutura, mas, com um pouco de treino, melhoramos na interação com a aeronave. Segundo a equipe de engenharia que opera o sistema CATIA, o mais importante é que não interagimos com desenhos, mas com a representação exata em 3D de todas as peças reais do 5X, que interatuam da maneira como fariam se houvesse ali uma aeronave montada. “Dificuldades e melhorias do projeto são identificadas e realizadas ainda antes da produção. Com isso, não existe mais um protótipo, mas, sim, uma aeronave serial desde a número 1”, explicam os engenheiros. Graças a toda essa estrutura de desenvolvimento, a Dassault conseguiu tratar de dois projetos simultaneamente, o 8X e o 5X.
Com alcance de 5.200 milhas náuticas, o Falcon 5X apresenta a maior cabine de sua categoria (capaz de suplantar até competidores ultra long range) com 1,98 m de altura e 2,18 m de largura. Quando entramos pela primeira vez no mock up do novo jato da Dassault, há quase dois anos, já sentíamos a imponência dos 50 metros cúbicos de cabine (excluindo bagageiro e cockpit), mas, ao ver a aeronave pronta, o volume interno fica ainda mais evidente.
Outra característica que captura a atenção no avião são suas asas. A Dassault sempre se destacou no meio aeronáutico por seus projetos aerodinâmicos, em especial os de asa, que contribuem para melhorar não só o desempenho dos aviões como, também, as características de voo, além de reduzir o consumo de combustível. Entre os destaques das asas do 5X está o novo projeto de perfil supercrítico. Com 33 graus de bordo de ataque, curvatura mais acentuada do bordo de fuga e winglets incorporados ao desenho das asas, o novo desenho tornou a superfície alar mais eficiente. O resultado é uma maior relação entre sustentação e arrasto do que a encontrada em qualquer outro Falcon, o que é um dos trunfos para melhorar a eficiência e a performance.
A Dassault também criou para o 5X um novo desenho aerodinâmico, inspirado nos modelos 7X e 8X, com perfil da fuselagem projetado de modo a não interromper o fluxo de ar e para-brisa desenhado de forma que sua montagem permitisse uma integração contínua à fuselagem – até mesmo a câmera do enhanced vision system foi instalada rente ao nariz para reduzir ao máximo qualquer pequena fonte de arrasto. Algumas das interações mais complexas de fluxo de ar, como a que ocorre entre a nacele do motor e a fuselagem, exigiram cuidado extra. Utilizando a chamada regra de área, os engenheiros conseguiram reduzir consideravelmente o arrasto na região.
Eric Trappier, chairman e CEO da Dassault Aviation, destaca a nova versão, evoluída, do DFCS (Digital Flight Control System), inaugurado no Falcon 7X. “Esse novo controle complementa a nova e ultraeficiente asa. No 5X, o sistema integra todas as superfícies móveis de controle da aeronave, incluindo flaperons e novas superfícies multirole, estes nunca vistos numa aeronave civil da Dassault ou numa aeronave de negócios. Isso vai oferecer uma experiência de voo mais suave, e prover acesso a pistas mais curtas e desafiadoras”, diz o executivo.
Os novos controles de rolagem por flaperon advêm da divisão militar da Dassault. Embora usual na aviação comercial de grande porte, a tecnologia é inédita na aviação de negócios. Os projetistas utilizaram um sistema de controle ativo derivado do Rafale e do veículo aéreo não tripulado nEUROn. O projeto incorporou ao projeto a nova versão do Digital Flight Control System citada por Trappier, que atua em todas as superfícies de controle, incluindo o nose whell steering. O sistema provê uma proteção completa ao envelope de voo, prevenindo o ingresso inadvertido em situações que possam comprometer o limite estrutural ou levar a uma situação de perda de controle, o que também vale para estol de velocidades alta e baixa. Ainda que não seja inédito, o sistema conta com melhorias que impedem o piloto de exceder qualquer parâmetro de voo, além de automaticamente recolocar a aeronave numa condição segura. Outro destaque é a trimagem automática, que dispensa qualquer ação por parte do piloto.
O Falcon 5X se beneficia também dos últimos avanços em materiais, tendo sua estrutura construída em ligas de titânio, magnésio e compósito, além de novas ligas metálicas híbridas. O resultado é uma estrutura mais leve e resistente à fadiga e à corrosão.
Motor Safran-Snecma Silvercrest promete operar na faixa dos USD 2,7 mil por hora de voo. Na p. oposta, inovações aerodinâmicas do avião
O motor Safran-Snecma Silvercrest promete oferecer ao 5X um padrão de conforto diferenciado na categoria em termos de ruído e vibração sem abrir mão de operar a 0.90 Mach. “Além disso, o Silvercrest possui a melhor by pass ratio na sua classe, possibilitando 15% mais eficiência no consumo de combustível e operando na faixa de 2.700 dólares por hora de voo”, diz Patrick Parnis, diretor da Dassault Aviation.
Os primeiros estudos da Snema para conceber sua nova geração de propulsores de alto desempenho voltada para a aviação de negócios surgiram em 2006, quando os engenheiros passaram a trabalhar no design de um novo núcleo do motor. Considerando a demanda dos fabricantes por mais empuxo, menos consumo e menor emissão tanto de ruído quanto de poluentes, a ideia era desenvolver um motor com potência entre 9.000 lbf e 12.000 lbf para jatos de longo alcance e cabine larga, podendo, ainda, atender a alguns projetos super mid-size que necessitassem de elevado desempenho.
O projeto incorporou novo design aerodinâmico, aperfeiçoado com uso de novos conceitos 3D, o que permitiu a construção de palhetas com elevado desempenho e maior resistência a danos por objetos estranhos (FOD), assim como a concepção de um compressor de baixa pressão (de quatro estágios, inédito nessa categoria de motor), que se tornou ainda mais eficiente em todos os regimes de potência. O compressor de alta pressão conta com quatro estágios axiais e um estágio centrífugo, além de ser mais compacto quando comparado ao de motores da mesma classe. A turbina de alta pressão conta com sistema avançado de refrigeração, mantendo o controle da temperatura de forma mais eficiente. Por fim, o mixer, que faz parte do sistema de exaustão do motor, foi projetado para oferecer maior eficiência na redução de ruídos.
Falcon 5X conta com a terceira geração da suíte EASy
O novo Falcon 5X conta com a terceira geração da suíte EASy de aviônicos, que trouxe uma série de melhorias à consagrada arquitetura criada pela Dassault sobre a plataforma Honeywell Primus EPIC. A nova aviônica incorpora algumas soluções inéditas e outras aperfeiçoadas, como o SmartView Synthetic Vision System, que exibe em alta resolução uma imagem 3D do terreno sobrevoado, incluindo cores e contrastes mais nítidos. O sistema é integrado ao radar meteorológico. Ele conta com o recurso IntuVue RDR-4000, que escaneia o espaço aéreo e exibe em 3D as condições meteorológicas em rota, melhorando a consciência situacional do piloto mesmo em condições meteorológicas críticas.
A Dassault também aperfeiçoou o sistema Graphical Datalink, que permite aos pilotos gerenciarem as comunicações com um cursor point-and-click no lugar do sistema tradicional de texto e digitação de dados. O FMS (Flight Management System) foi completamente reprojetado, dando lugar ao que a Dassault chamou de NGFMS (Next Generation FMS), que oferece novos recursos para o planejamento da navegação e apoia de forma mais efetiva os pilotos ao contribuir para um voo mais seguro e econômico, já que permite alterar facilmente o nível de voo e a rota. Mais um destaque é permitir aos pilotos operarem de forma eficiente dentro do RNP (Required Navigation Performance), voando para o aeroporto pelo melhor caminho. Já o INAV (Integrated Navigation) exibe em tempo real informações de tráfego, meteorologia, terreno, dados de rota, região sobrevoada, entre outros, de forma integrada e fácil de ser assimilada.
É impossível deixar de imaginar qual o próximo desenvolvimento da Dassault para “aproveitar” o potencial da estrutura montada para conceber o 5X e o 8X. Especulações dão conta de que os avanços do 5X serão aplicados em uma nova aeronave na categoria ultra long range, carinhosamente apelidada 9X. Fontes dentro da Dassault negam o nome 9X, mas não a existência do projeto. E, sim, este novo programa seguiria as características principais do 5X, embora a decisão se o modelo será um bijato como o 5X ou um trijato como os vitoriosos 7X e 8X ainda esteja sendo debatida calorosamente na companhia. O certo é que tudo leva a crer que o 5X, a mais avançada aeronave de negócios já produzida pela Dassault, tenham tudo para replicar e até suplantar o sucesso do 7X e sua derivação 8X.
Colaborou Edmundo Ubiratan