Desenvolvimento dos eVTOL exige repensar as estruturas de transporte nas grandes cidades
Por Fabio Falkenburger e Vitor Barbosa, Especial para AERO Magazine Publicado em 28/09/2022, às 15h00
O conceito de mobilidade aérea urbana (UAM, na sigla em inglês) tem se tornado cada vez mais recorrente nas discussões e debates envolvendo o setor de transportes, o surgimento de novas tecnologias, a infraestrutura dos grandes centros urbanos e o crescimento exponencial da população.
O expressivo avanço tecnológico das aeronaves remotamente pilotadas (popularmente conhecidas como drones) e o desenvolvimento dos eVTOL, ou veículo elétrico de pouso e decolagem verticai), fez surgir a necessidade de repensarmos as estruturas de transporte nas grandes cidades e os novos modelos de negócio que estão sendo criados em decorrência de um novo padrão de comportamento do público consumidor, cada vez mais apegado à ideia de eficiência, rapidez, conforto e segurança.
A utilização dos drones no transporte de mercadorias e dos eVTOL no transporte de pessoas em curtas distâncias promete revolucionar a forma de deslocamento em ambientes urbanos, diminuindo de maneira significativa o tempo das viagens e com potencial para, quando da implementação em larga escala, diminuir o congestionamento de veículos e a necessidade de comutação – afetando direta e indiretamente os aspectos ambientais, sobretudo a emissão de CO2.
Esse contexto de revolução tecnológica no setor aéreo tem motivado o surgimento de novas regulamentações. A mais recente e promissora iniciativa do poder público está sendo liderada pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo do Comando da Aeronáutica (Decea), responsável pela publicação da Portaria Decea nº439/DNOR8, que aprovou a edição de uma diretriz do Comando da Aeronáutica estabelecendo a concepção operacional de um sistema nacional de gerenciamento de tráfego aéreo não tripulado (unmanned aircraft systems traffic management – UTM).
A Portaria, que entra em vigor em 3 de outubro de 2022, tem por principal objetivo estabelecer as diretrizes de implementação de um UTM nacional e apresentar, conforme disposto na DCA 351-6 (Concepção Operacional UTM Nacional), “uma definição de alto nível no que se refere aos conceitos, às capacidades, à infraestrutura e à visão do Decea para os próximos anos sobre a evolução do Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro (SISCEAB)”.
O Decea acredita que o aumento da frota de drones e a entrada em operação dos eVTOL num futuro próximo ocasionarão um incremento expressivo no volume de operações aéreas diárias, aumentando a demanda por serviços de espaço aéreo além da capacidade atual de processamento de informações. Essa mudança decorrente das novas tecnologias gera a necessidade de criação de um arcabouço de normas operacionais e desenvolvimento de uma estrutura normativo-regulatória específica que tenha, conforme idealizado pelo Decea, a missão de garantir a responsabilização dos envolvidos nas operações, bem como viabilizar o acesso ao espaço aéreo de maneira equitativa e eficiente a todos os operadores de equipamentos tripulados e não tripulados.
Conforme preconizado pelo Decea por meio da Portaria e do DCA 351-6, o sistema UTM servirá para apoiar as operações no espaço aéreo de baixa altitude, permitindo a utilização da capacidade do mercado de fornecer serviços de gerenciamento de tráfego, coordenação, execução e gerenciamento das operações aéreas sob a supervisão do Decea e das demais autoridades reguladoras envolvidas no processo. O UTM funcionará como um sistema de compartilhamento de informações e dados entre os operadores e autoridades, viabilizando a realização de operações seguras. O objetivo é permitir que os próprios envolvidos na operação compartilhem os dados dos respectivos voos e se coordenem de modo a evitar conflitos e operar com segurança nas trajetórias definidas.
O entendimento do Decea é que o sistema UTM permitirá o gerenciamento em larga escala das operações não tripuladas em espaço aéreo de baixa altitude, além de fornecer uma abordagem inovadora ao se aproveitar das próprias forças do mercado para atender à demanda crescente, fato que contribuirá para a menor oneração do poder público sem o comprometimento dos requisitos de segurança. Ademais, o modelo que se pretende propor possuirá características flexíveis, viabilizando a adaptação e a evolução do ambiente regulatório na mesma cadência da evolução tecnológica e de mercado, sem retirar do Decea a autoridade sobre o espaço aéreo.
O ecossistema UTM funcionará por meio da interação organizada de diferentes atores, incluindo Decea, operadores, autoridades policiais e demais agências e autoridades reguladoras, bem como os provedores de serviço (a quem foi atribuída a sigla USS – UAS Service Supplier), que se encarregarão da intermediação da comunicação entre os atores, do fornecimento das informações e do arquivamento dos dados.
A implementação de um sistema UTM no Brasil terá como principais norteadores os documentos e diretrizes emitidos pela Organização da Aviação Civil Internacional, incluindo o Conceito Operacional de Gestão Global do Tráfego Aéreo (Doc.9854), o Manual sobre Requisitos do Sistema de Gerenciamento de Tráfego Aéreo (Doc. 9882) e o Plano Global de Navegação Aérea (Doc. 9750).
O Decea está mais uma vez na vanguarda, antecipando tendências e mostrando sua capacidade de acompanhar o surgimento das novas tecnologias. A grande (e positiva) inovação que será trazida com a implementação de um sistema UTM no Brasil é a desburocratização do acesso ao espaço aéreo sem prejuízo da segurança operacional, com maior participação do setor privado e otimização dos recursos públicos. Um conjunto de medidas promissoras e que prometem revolucionar o transporte aéreo.
* Fabio Falkenburger e Vitor Barbosa são, respectivamente, sócio e advogado do escritório Machado Meyer Advogados