LSA com tecnologia reversa

Convertido com auxílio de um software 3D e fabricado nas novas instalações da Inpaer, o novo Conquest 180 Light Sport já cumpre as exigências da recém-criada categoria ALE

André Danita/ | Fotos Ricardo Beccari Publicado em 04/09/2012, às 11h53 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


A história das Light Sport Aircrafts remonta ao início da década passada, quando a Federal Aviation Administration (FAA) norte-americana estudava criar uma nova categoria de aeronaves. A ideia era flexibilizar os critérios de homologação do FAR 23, regra por meio da qual a maioria dos aviões leves é certificada, sem abrir mão de padrões de segurança, e ao mesmo tempo simplificar o processo de habilitação de pilotos nessa categoria. Em outras palavras, o objetivo seria fomentar esse segmento. O regulamento final, publicado em 2004, abriu as portas para os aviões LSA, que poderiam ser voados por sport pilots, com requisitos menos restritivos de treinamento. Em uma decisão inédita, a FAA entregou à própria indústria a responsabilidade de criar os critérios de homologação, reunidos na chamada Norma Consensual, elaborada pela ASTM International. Em troca dessas concessões, as aeronaves deveriam atender a parâmetros bastante específicos, como conter no máximo dois assentos, ter baixa velocidade de estol, contar com trem de pouso fixo e desempenhar velocidade máxima em voo nivelado de 120 nós, para enumerar apenas alguns deles. A reação do mercado a essa novidade foi uma verdadeira febre, seguida de uma enxurrada de modelos das mais diversas origens, incluindo projetos de países europeus, que resolveram brigar por essa promissora fatia do mercado. Fabricantes tradicionais de aeronaves homologadas, como Cessna e Cirrus, também entraram na disputa, lançando seus representantes na categoria.

Anos se passaram, fabricantes reavaliaram seus reais custos de produção e preços de revenda, enquanto o mercado acomodava-se em demandas mais realistas. No Brasil, a ausência de legislação específica para essa categoria, aliada a uma alta demanda por aeronaves experimentais avançadas, fez crescer a atividade de empresas que montam kits advindos de outros países. Diante dessa realidade, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) viu-se obrigada a estabelecer regras equivalentes às das LSA, aqui chamadas de ALE (Aeronaves Leves Esportivas), com o objetivo de melhorar o controle sobre os processos de fabricação seriada, manutenção e aeronavegabilida de. Até o fim de 2016, todas as aeronaves com peso máximo de decolagem abaixo de 600 kg deverão ser adaptadas para essa nova norma, em um período de transição. E é nesse novo cenário que fomos convidados a conhecer, nas recém-inauguradas instalações da Inpaer, em São João da Boa Vista, a 239 km da capital paulista, sua mais nova aeronave, o Conquest 180 Light Sport, que concluiu sua certificação definitiva como ALE e custa hoje no Brasil aproximadamente R$ 185 mil.

Manche tipo yoke revestido em couro tem empunhadura mais ergonômica

A Inpaer contabiliza mais de 300 aeronaves entregues, produzidos desde 2002 na base da empresa localizada no Aeroporto Campo dos Amarais, em Campinas (SP). Além do Conquest 180, fazem parte da família o Conquest 160, o Excel e o Explorer, este último com quatro lugares. Quem nos recebe na porta da nova fábrica é o fundador da empresa, o goiano Caio Jordão. Segundo ele, os aprimoramentos fabris vão muito além das instalações físicas. O primeiro deles está no departamento de Engenharia. Nele a Inpaer utiliza a suíte de software SolidWorks, um moderníssimo recurso empregado nas mais diversas áreas da indústria mundial. Em um extenso trabalho de engenharia reversa, o projeto do clássico Conquest 180 sofreu uma conversão de desenhos em papel e medidas extraídas da aeronave real para completos modelos em 3D. Em pouco tempo, toda a experiência do projeto estava catalogada e refinada pelo software, com suas estruturas otimizadas, o que resultou em uma nova aeronave 150 kg mais leve do que o Conquest de quem herdou o nome. Já o módulo de CAE (Computer Aided Engineering) permitiu a simulação de peças críticas, diminuindo o tempo de desenvolvimento e agregando qualidade aos processos de fabricação. Mas a gama de benefícios é ainda mais extensa. Para a manutenção dessas aeronaves, por exemplo, a Inpaer está criando um site dedicado ao suporte do cliente, com catálogo de peças e descrição dos procedimentos de manutenção ilustrados por imagens geradas e animadas por módulos do SolidWorks, a exemplo do que fazem os maiores fabricantes mundiais de aeronaves.

CONVERSÃO DE DESENHOS EM PAPEL E MEDIDAS REAIS EM MODELOS 3D PERMITIU A CONCEPÇÃO DE UM AVIÃO NOVO, 150 KG MAIS LEVE

No passeio pela fábrica, passamos da engenharia para a área de construção, na qual Caio nos apresenta com orgulho seu parque de usinagem CNC. Ali os desenhos gerados são diretamente carregados nas máquinas automatizadas, e a mágica da produção seriada de peças acontece sem a interferência humana. As chapas que revestem as asas, por exemplo, já saem precisamente cortadas e furadas para os rebites, o que agiliza e dá uniformidade à montagem.

O Conquest 180 Light Sport é composto de uma fuselagem em fibra de vidro e kevlar, moldada em duas metades, que recebe a célula de sobrevivência em aço inox. Fixos nessa célula estão asas, montantes, trens de pouso, berço do motor e assentos, visando robustez e segurança para os ocupantes. As asas de alumínio, dotadas de duas longarinas cada, acolhem tanques metálicos com capacidade para 60 litros de combustível. Uma novidade em relação ao Conquest 180 clássico é a adoção de ailerons tipo frise, de melhor eficiência de rolamento, e que reduzem a tendência de guinada adversa. Outra melhoria aerodinâmica é o recuo do centro de pressão da asa em 60 mm, com objetivo de atender aos requisitos de estabilidade e amortecimento. A deriva é integral à fuselagem, enquanto o estabilizador horizontal, o profundor (de novo perfil) e o leme são construídos em alumínio e atendem aos mais rigorosos testes de flutter. É essa máquina que vamos voar, em uma sessão de fotos e ensaio.

Hélice Warp Drive tripá de passo fixo

UMA AERONAVE DÓCIL
Tenho ao meu lado o comandante Júlio Giovaneli, piloto de demonstrações e entregas da Inpaer. Participamos de um briefing com a equipe do avião paquera, o comandante Diego Jordão, filho de Caio e piloto de desenvolvimento da fábrica, e o fotógrafo Ricardo Beccari. Detalhes acertados, seguimos para uma inspeção externa no PU-MBU, o primeiro protótipo do modelo 180 Light Sport. Um belo trabalho de design deixou o Conquest ainda mais bonito, com as janelas laterais harmonizadas às linhas da aeronave. O capô também foi redesenhado e se integra melhor ao para-brisa que, em breve, também ganhará novo desenho, aumentando o campo de visão a partir do cockpit - mais tarde, durante o voo de fotografias, eu notaria que essa será uma mudança bem-vinda. Um olhar mais técnico percebe também a redução no número de rebites nas asas, tornando-as mais limpas do ponto de vista aerodinâmico. O ângulo de incidência das asas também foi modificado de 6 para 3 graus, mudando significativamente a atitude em voo.


#Q#

O acesso à cabine é facilitado pelas duas portas do tipo "asa de gaivota". Acomodo-me sem dificuldades no confortável assento. A cabine ganhou um piso mais baixo e um assento que agora comporta pilotos de maior estatura. Vale notar que o interior é refinado, com bancos em couro, apoio para o braço, manche tipo yoke revestido em couro com empunhadura mais ergonômica, e todo o acabamento pode ser configurado ao gosto do proprietário diretamente no site do fabricante, assim como o esquema de cores externo. Com os cintos passados, sigo na simples operação da aeronave desde a partida: com as três válvulas de combustível abertas e o master, a bomba luz anticolisão e a bomba elétrica de combustível ligadas, checo a área da hélice e comando o starter. O Rotax acorda de imediato, e o estabilizamos em 2.500 rpm para aquecimento. A hélice, uma Warp Drive tripá de passo fixo, é girada à razão de 2.43:1 com relação ao motor. Iniciamos o táxi até o ponto de espera e o controle no solo é firme e responsivo, por meio do comando nos pedais.

Checamos magnetos e parâmetros a 4.000 rpm, e logo estamos prontos para ingressar e decolar da pista 04. Com flaps elétricos configurados em 10 graus pelo Júlio alinho, inicio a corrida, e, a 50 nós (92 km/h), o 180 Light Sport sai quase sozinho do chão. A tarde de julho é turbulenta, mas a máquina tem comandos de sobra para manter qualquer trajetória, exigindo finesse na pilotagem. Logo, Diego se junta a nós, e rumamos para o setor sudeste para fotos. O Conquest é muito liso, e precisa de pouco motor para manter-se junto ao Skylane paquera. Mesmo para um iniciante na máquina, o handling de voo é muito simples, e manter a ala torna-se tarefa fácil.

GOSTEI
- Simplicidade de operação
- Handling de voo
- Suporte e documentação técnica

NÃO GOSTEI
- Campo de visão do para-brisa
- Posição do yoke

Depois de alguns minutos em retas e curvas para as fotos, resolvo experimentar um pouco mais da máquina. Trago o Conquest para o estol, que acontece próximo dos 35 nós (65 km/h) e sem tendências. Na minha insistência em segurar o manche todo cabrado, a máquina reclama, mas não cede, e basta aliviar a pressão para ela voltar a voar de imediato. Um doce! As curvas são também um deleite, e a sensação é de ter o Conquest nas pontas dos dedos o tempo todo. O trabalho do compensador de profundor elétrico também é bastante suave, e apenas pequenos ajustes são necessários para zerar os já baixos esforços de arfagem. Seguimos para o pouso em São João, e a alta razão de planeio, de 15:1, se faz sentir na pouquíssima potência requerida para manter a máquina voando na final. Os 65 nós (120 km/h) parecem fazer sobrar sustentação nas asas, e o toque demora a acontecer, já com o nariz alto, lá próximo dos 45 nós (85 km/h) indicados. Seguimos de volta para o hangar e termino o voo impressionado com a facilidade que um piloto iniciante terá de operar o Conquest 180 Light Sport, enquanto satisfará pilotos mais experientes com boa velocidade de cruzeiro, baixo consumo e as configurações de painel avançadas, dotadas opcionalmente de EFIS, GPS, piloto automático, entre outros. Com o processo de certificação na categoria ALE já concluído, o Conquest 180 Light Sport se mostra pronto para disputar também o mercado internacional dos LSA.

De volta a Campinas, sou convidado por Diego a aproveitar o espetacular final de tarde e experimentar a primeira aeronave de série do Conquest 180 Light Sport. Sem o vento nem a turbulência do início da tarde, a máquina voa por si, e fica mais evidente a suavização de seus comandos, outra novidade dessa versão. Noto que o redesenho da posição dos assentos trouxe mais conforto à cabine, embora ache que um reposicionamento da altura do yoke melhor acompanharia a nova ergonomia. Experimento algumas emergências simuladas, e o avião parece um planador nas aproximações. O arredondamento exige algum trabalho de minha parte, mas os toques vão gradativamente melhorando e logo me sinto muito à vontade. Com sua promissora reengenharia de processos de design e fabricação, a Inpaer diz que já tem mais de vinte aeronaves do novo modelo vendidas em território nacional.

CONQUEST 180 LIGHT SPORT

Fabricante: Inpaer (Indústria Paulista de Aeronáutica)
Preço básico: R$ 184.900,00
Motor: Rotax 912 S
Potência: 100 hp
Capacidade: 1 tripulante + 1 passageiro
Certificação: aeronave leve esportiva (ALE)

Comprimento: 6,75 m
Envergadura: 9,70 m
Altura: 2,36 m

Peso vazio (típico): 390 kg
Peso máximo de decolagem: 600 kg
Carga útil (típico): 210 kg

Capacidade de combustível (utilizável): 120 litros
Alcance: 1.200 km

Velocidade máxima de cruzeiro: 110 nós (205 km/h)

Teto operacional: 15.000 pés (4.570 m)

Distância de decolagem*: 240 m
Distância de pouso*: 350 m