O dia em que o Coronel Braga perdeu o controle em solo
Décio Corrêa Publicado em 29/02/2012, às 07h47 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
O homem surge esbaforido em uma cadeira de rodas, manejando-a como um “abre alas” e bradando: “Com licença, com licença, coronel, coronel... coronel Braga!”. Atropelando quem surge por seu caminho, ele se posta na frente do Braga e, com grande intimidade, larga: “Grande coronel Braga, pensei que o senhor não viesse”. E, sem dar tempo para seu interlocutor respirar, emenda: “Coronel, lembra-se de mim?”. O Braga, um grande tímido, educadamente devolve: “Claro que me lembro”. O sujeito, sentindo-se prestigiado, “cola” ao lado do Braga e passa a segui-lo, empurrando com a cadeira quem tivesse a pretensão de tomar o seu lugar.
O coronel Arthur Braga, eterno “chefe” da Esquadrilha da Fumaça, acostumado a enfrentar o perigo em cada voo, tenta esconder o desconcerto diante da situação, comum e aterrorizante para qualquer um que se apresente para públicos de milhares de pessoas. Ali, naquele aeroclube mineiro, depois de sua apresentação com o famoso NA-T-6, todos o conheciam, mas ele não sabia quem eram mais do que algumas poucos velhos amigos. Diante da feição do inquiridor, fazendo aquela cara de pré-ofendido, a atração principal do show aéreo não poderia desapontar aquele senhor, principalmente diante do grande contingente que o cercava para dar as boas-vindas no pátio do aeroporto.
Braga segue dali para o restaurante do aeroclube, onde seria servido um almoço. Sem largar a “perna do macacão de voo” do coronel, o cadeirante ocupa o lado dele na mesa e passa a “alugar” seu ídolo com perguntas de antigos integrantes da Fumaça. “Como vai o Capitão Land? E o tenente fulano? E o capitão sicrano? O major beltrano?”. E não para mais de falar. Quem o ouvia perguntar com tanta intimidade, podia supor que era realmente uma pessoa muito próxima ao velho coronel. O Braga, vermelho como um pimentão, quando tentava responder alguma coisa, era interpelado pelo “artista”, que não o perdoava: “Coronel, o senhor lembra-se mesmo de mim?”.
O constrangimento é geral e todos tentam encontrar uma forma de tirar o Braga do sufoco. O almoço começa a ser servido e o homem não mexe na comida. Puxa o Braga pela manga do macacão e “sapeca”: “E o Coronel Delcio, como vai?”. Depois de mais uma dezena de perguntas, além de outras tantas, começa o martírio final: “O senhor lembra-se mesmo de mim?”. Enfim, a punhalada: “Coronel, vamos ver se o senhor tem tomado muito fosfato. De onde é que o senhor se lembra de mim?”. O famoso Braga, herói de toda uma geração de aviadores, mestre na pilotagem de um NA-T-6, está totalmente vencido por aquela figura de pessoa. Sem ter por onde sair, balbucia: “Claro que eu me lembro do senhor, só não lembro bem de onde”. O artista, olhando para a plateia com um olhar vencedor, arremata: “No dia 17 de maio de 1965, quando a Esquadrilha da Fumaça esteve aqui, exatamente há 25 anos, fui o motorista que levou vocês para o hotel. Só que naquele tempo eu pilotava uma Kombi e hoje piloto uma cadeira de rodas”. Se alguém pudesse ser fuzilado com os olhos, aquele homem cairia fulminado sobre o prato de comida.