Hegemonia Regional

Associação entre Azul e Trip cria a terceira maior companhia aérea do país, com 112 aeronaves, 326 rotas, 96 cidades atendidas e 15% do mercado doméstico

Santiago Oliver | | Fotos Divulgação Publicado em 14/06/2012, às 13h47 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45

Combinação", "acordo de investimento", "acordo de associação". Designações como essas representam o passo prévio a uma fusão, como acaba de acontecer entre a Azul Linhas Aéreas Brasileiras, a terceira maior empresa aérea do país, e a Trip Linhas Aéreas, a principal companhia regional da América do Sul. No final de maio último, David Neeleman, presidente do Conselho da Azul, anunciou, ao lado de Renan Chieppe e José Mario Caprioli, respectivamente, presidente do Conselho e presidente executivo da Trip, a assinatura de um "acordo de investimento" para viabilizar, se Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) aprovarem, a consolidação entre ambas as empresas.

O acordo cria uma holding controladora, a Azul Trip S.A., que tem David Neeleman como presidente do Conselho de Administração e conta com um comitê, presidido por José Mario Caprioli, para coordenar a integração das duas companhias. Nesse processo, uma empresa tende a ser absorvida pela outra, deixando de existir. Considerando que a Azul fica com 80% da holding e a Trip, com os 20% restantes, parece evidente qual das duas sobreviverá. Sim, a Azul deve incorporar a Trip e fazer valer sua reputação de companhia aérea que alia competitividade a um alto padrão de serviços.

A nova empresa já mostra números expressivos. Juntas, Azul e Trip atendem a aproximadamente 15% do mercado doméstico, somam uma frota de 112 aeronaves (sendo 62 jatos Embraer e 50 turbo-hélices ATR), operam 837 voos diários (nada menos do que 29% de todas as decolagens realizadas a cada dia no Brasil) e 316 rotas, totalizando 96 cidades brasileiras. O número de funcionários (tripulantes, na Azul, e colaboradores, na Trip) chega a 8.700 e, no final de 2012, a frota combinada deverá ser de mais de 120 aeronaves.

Apesar de ver a sua participação na empresa cair de 100% para 80%, nenhum dos controladores da Azul sairá do negócio. Todos concordaram em ficar com uma parcela menor de uma empresa maior. Apesar do vigoroso crescimento da Azul, que conta com apenas quatro anos de existência, Gianfranco Beting, diretor de Marketing da companhia, descarta uma concorrência com TAM e Gol: "Não, o nosso objetivo não é esse, elas operam num setor diferente do nosso e voam com aviões maiores. Nós pretende COMERCIALmos continuar crescendo, mantendo-nos líderes no nosso mercado". Para David Neeleman, a parceria deverá trazer benefícios mútuos para as empresas. "Nossas culturas são muito semelhantes e vamos buscar sinergias. Sonhava que isso um dia pudesse acontecer", admite o fundador da Azul. "Os primeiros meses de adaptação serão imprescindíveis para garantir aos nossos passageiros um serviço mais adequado às suas necessidades, criando uma nova rede de rotas integradas, que facilitará as conexões entre as diferentes cidades brasileiras".


NOVA EMPRESA VAI MANTER O FOCO EM DESTINOS REGIONAIS, SEM COMPETIR DIRETAMENTE COM TAM E GOL, ALIANDO BAIXO CUSTO E QUALIDADE DE SERVIÇO

QUEM É QUEM NA FUSÃO

Fundada em 2008, a Azul Linhas Aéreas Brasileiras mudou o panorama da aviação comercial brasileira. Hoje conecta 48 destinos em 47 cidades, com mais de 400 voos diários. Somando-se às oito linhas de ônibus, são 52 cidades brasileiras atendidas pela companhia. Com mais de 19 milhões de passageiros transportados, a Azul tem o papel de estimular o tráfego aéreo e dinamizar a economia brasileira por meio de uma equação tão simples a preços baixos, com alta qualidade de serviços.


Criada em 1988, em Campinas (SP), como Trip - Transportes Regionais do Interior Paulista, a pequena empresa que, como seu nome indicava, deveria fazer a ligação entre cidades do seu estado, atualmente vooa para 88 cidades de todo o país. A companhia aérea tem hoje um papel fundamental na aviação regional do Brasil e da América do Sul. Com seus 58 turbo-hélices ATR, é a maior operadora desse tipo de aeronave no mundo. A Trip é controlada pelos grupos Caprioli e Águia Branca, ambos com tradição no transporte de passageiros.

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José Mário Caprioli, da Trip, destaca a potência desse acordo. "As duas companhias são fortes em voos regionais, atendendo a aeroportos de pequeno porte com os aviões mais apropriados para isso. As duas empresas possuem rotas complementares e se focarão em destinos mais regionais, com o objetivo de aliar baixo custo com serviço de qualidade, já que nas grandes cidades é difícil brigar com a TAM e a Gol". Segundo o executivo, a ideia é focar em regiões de menor capilaridade. Já Renan Chieppe, presidente do Conselho da Trip, falou, ainda, sobre as ações que a empresa brasileira havia vendido há alguns anos à americana Skyjet. "Elas foram recentemente readquiridas pela Trip".

Tanto Trip quanto Azul continuarão operando suas frotas, equipes e marcas, de forma independente, até a aprovação da transação pelas autoridades que regulam o mercado e o setor aéreo no Brasil. O mesmo se aplica a suas respectivas divisões de carga, Trip Cargo e Azul Cargo, que igualmente vêm tendo um acelerado crescimento nos últimos meses.

O "acordo de associação" Azul-Trip foi um golpe de mestre do brasileiro David Neeleman, que admitiu que o "namoro" começou há mais ou menos dois meses. Nessa jogada, a Azul não apenas elimina sua concorrente - que opera os mesmos aviões que ela em rotas e destinos muito importantes - como a tornou sua aliada para ficar com um market share de 14,2%, respondendo quase sozinha pelas linhas regionais e se consolidando no terceiro lugar no mercado doméstico. Na briga por passageiros do Brasil há agora praticamente quatro companhias aéreas, conforme dados da Anac: Gol/Webjet/Passaredo (41,8%) na liderança, seguida pela TAM/Pantanal (38,2%), depois por Azul/Trip (14,2%) e, em quarto lugar, encontra- se a Avianca, com 5,5%. Todas as outras companhias aéreas brasileiras, juntas, têm uma participação de 0,3%. É importante destacar que a Passaredo não pertence à Gol, mas as duas empresas estão cada dia mais próximas, e a companhia de Ribeirão Preto tem até um contrato de parceria de interline exclusivo com a Gol.

Outro ponto importante da fusão, de acordo com consultores ouvidos por AERO Magazine, será o perfil da frota da nova companhia. Isso porque faz algum tempo que a Trip quer trocar seus jatos Embraer 175 pelo modelo 190, o que para a Azul seria ótimo, pois operaria apenas com dois modelos de igual desempenho e mesmos motores, o que não é o caso do Embraer 175. Durante algum tempo, a TAM esteve interessada em comprar a Trip, que já agia como feeder liner de e para o interior do Brasil, a fim de torná-la sua empresa regional, mas, após o acordo com a LAN, as negociações não avançaram, pois o grupo chileno não se interessou pela Trip e, agora, além de ficar sem regional, assim que o acordo da Azul com a Trip se transformar em fusão, a companhia aérea brasileira ficará sem uma grande empresa com quem compartilhar os voos dentro do Brasil.

O anúncio da intenção de fusão entre Azul e Trip aconteceu um dia antes da reformulação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). A nova legislação, desde o dia 29 de maio, exige uma submissão prévia ao Cade de fusões e aquisições de empresas que possam ter efeitos anticompetitivos. Pela lei anterior, que serviu de base para a associação de Azul e Trip, essas operações podiam ser comunicadas ao Cade depois de serem consumadas, o que fazia do Brasil um dos poucos países a adotar um controle a posteriori de estrutura.


Renan Chieppe, presidente do Conselho da Trip, David Neeleman, presidente do Conselho da Azul, José Mário Caprioli, presidente-executivo da Trip e Pedro Janot, presidente-executivo da Azul (da esq. para a dir.): intenção de fusão