Mais de cinco anos após o acidente com o voo 1907 da gol, pilotos ainda reclamam dos serviços ATC no Brasil e pedem que país busque referências nos EUA e na Europa para encontrar soluções
Por: Giuliano Agmont Publicado em 21/05/2012, às 13h28 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
Esse depoimento foi publicado recentemente na revista Flying pelo comandante Les Abend, que voa Boeing 777 pela American Airlines. Seu artigo traz alguns detalhes da operação sobre solo brasileiro, e aponta algumas deficiências do controle de tráfego aéreo. Em seu texto, o comandante Les Abend faz ressalvas importantes: "Nos Estados Unidos, cumprimos o perfil das cartas de aproximação do modo como estão publicadas. Já no Brasil, a confusão é grande. O controlador de voo autoriza descer 'via', mas acaba determinando altitudes e velocidades. Ou seja, na maior parte das vezes, não cumpre o que está previsto na carta STAR. No meu voo, fiquei em dúvida sobre a altitude autorizada e acabei nivelando a aeronave em um nível de voo superior ao autorizado. Quando tentei confirmar qual seria a correta instrução, simplesmente não consegui, pois o controlador atendia a outro voo, só que utilizando uma linguagem mais de bate-papo do que de fraseologia padrão. E em português. Nossa consciência situacional do que acontecia ao nosso redor era nula", desabafou Abend. O relato do piloto norte-americano alimenta uma discussão que já se estende por alguns anos no Brasil, a adequação da infraestrutura de controle de tráfego para a atual demanda do transporte aéreo do país. Desde o acidente com o voo 1907 da Gol Linhas Aéreas, em 29 de setembro de 2006, quando um Boeing 737-800 e um jato executivo Embraer Legacy 600 se tocaram em pleno voo, o assunto preocupa sobremodo operadores nacionais e internacionais. Nos últimos meses, porém, as queixas de pilotos e controladores de tráfego aéreo parecem ter se intensificado. A seguir, reproduzimos algumas das mais constantes reclamações dos operadores seguidas de soluções utilizadas em países mais desenvolvidos. ESPERAS EM ÓRBITA |
PERGUNTAS AO DECEA COMUNICAÇÃO DIFÍCIL PERGUNTAS AO DECEA BURACOS NEGROS PERGUNTAS AO DECEA |
Problemas nacionais EXAGERADAS SEPARAÇÕES As separações entre voos no Brasil também são extremas. Muitos controladores de voo são novatos e, mesmo sem experiência, já trabalham em áreas vitais de controle de tráfego aéreo, como os Cindactas (Centros Integrados de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo), que são os órgãos ACC responsáveis pela vigilância radar e controle das aeronaves que estão voando em rota. Na prática, afirmam os pilotos, os comandos "reduza a velocidade" e "vetoração para sequenciamento" tornaram-se obrigatórios no dia a dia de controladores brasileiros de tráfego aéreo. "Mas é claro que não se pode atribuir a responsabilidade por essa situação exclusivamente ao serviço de controle de tráfego aéreo. A falta de infraestrutura no solo acaba 'emperrando' as operações. Faltam, por exemplo, pistas de táxi para saída rápida a partir da cabeceira 27L em Guarulhos (SP). Todo avião que pousa só pode livrar a pista pela taxiway Golf, o que acarreta em demora na liberação da área de movimento. Por isso, o espaçamento tem que ser maior. A distância reduzida entre as duas pistas de Guarulhos também impede que um controlador libere uma decolagem se um avião que está pousando na outra pista paralela já passou o fixo de aproximação final. Isso no Brasil, pois nos Estados Unidos e na Europa, o fluxo de tráfego aéreo é tratado de outra forma, até como uma forma de cooperação do serviço de controle para com a economia de combustível e menos emissões de poluentes na atmosfera", pondera outro piloto da aviação regular. PERGUNTAS AO DECEA Em paralelo, há o investimento em novos equipamentos e sistemas, como Sistema Avançado de Gerenciamento de Informações de Tráfego Aéreo e Relatório de Interesse Operacional, o Sistema Sagitário. Capaz de processar dados de diversas fontes de captação como radares e satélites e consolidá-los em uma única apresentação visual para o controlador de voo, o software permite, por exemplo, a sobreposição de imagens meteorológicas sobre a imagem do setor sob controle, para acompanhar, por exemplo, a evolução de mau tempo em determinada região do país. Os planos de voo também podem ser editados graficamente sobre o mapa possibilitando inserção, remoção e reposicionamento de pontos do plano e cancelamento de operações, o que permitirá ao controlador acompanhar melhor a evolução do que estava previamente planejado para o voo. Além disso, etiquetas inteligentes, por meio de cores diferentes de acordo com o nível de atenção para o cenário, indicam informações essenciais para o controle de tráfego aéreo. Já operacional nos quatro CINDACTA, o Sagitário se destaca ainda pelo uso preferencial do mouse, uma linguagem visual de fácil entendimento e uma preocupação até com o contraste entre as cores, o que facilita o trabalho dos controladores e torna a operação mais segura. Os resultados desses investimentos já começaram a ser alcançados. Um exemplo é a ampliação do número de tráfegos simultâneos na área do Serviço Regional de Proteção ao Voo de São Paulo (SRPV-SP). No início de 2010, eram 30 aeronaves controladas ao mesmo tempo. Em 2012, será atingida a capacidade de 60 tráfegos simultâneos. Ressalta-se, ainda, que somente entre 2000 e 2010 foram investidos R$ 3,3 bilhões, sendo R$ 1,5 bilhão somente a partir de 2008. E, apesar de um crescimento anual no tráfego aéreo acima de 10% em 2009, a OACI realizou uma auditoria no sistema de controle do espaço aéreo brasileiro e o classificou dentre os três melhores no mundo. De acordo com o órgão, ligado às Nações Unidas, o Brasil atingiu 95% de conformidade em procedimentos operacionais e de segurança. |
Entre os próximos passos está a implantação do conceito de controle baseado na perfomance das aeronaves (Performance Based Navigation), que permitirá uma menor separação entre as aeronaves, com aumento significativo do número de tráfegos simultâneos em áreas de grande volume de tráfego aéreo. O sistema já entrou em operação na área do Rio de Janeiro, mas sua implantação total depende também das aeronaves e da capacitação dos pilotos civis, que precisam estar aptos a realizarem este tipo de procedimento. Além disso, há estudos no sentido de diminuir a separação longitudinal na aproximação final em áreas terminais, das atuais 5 milhas náuticas, para 3 milhas náuticas, mas é necessário esclarecer que a redução da separação numa final para pouso também dependerá de um adequado treinamento dos pilotos. CONFUSÃO COM NOVAS CARTAS A confusão gerada pela edição de inúmeros procedimentos de saída e chegada, aliada à criação de novos fixos em aerovias, que praticamente têm os mesmos nomes, tem levado muitos controladores de tráfego aéreo a sugerirem aos pilotos que enviem seus relatórios de perigo (Relper) ao Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa). Na aerovia UZ44, entre o Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, existem os fixos PUBTA, PUBTI, e PUBTU, reclamam os pilotos. Como se pode notar, a única diferença está nas vogais. Para os pilotos estrangeiros, a dificuldade de pronuncia é ainda maior. Em outro exemplo, os pilotos queixam-se dos fixos da aerovia UZ36, que passa por Salvador, cujos nomes também são praticamente iguais: PABOM, PABOP e PABOG. A questão aqui é que alguns acidentes na aviação comercial foram causados justamente pela confusão gerada por nomes parecidos de fixos ou auxílios à navegação. A pergunta que os pilotos se fazem é por que não se trabalhar como no exterior. "Lá os nomes das cartas de saída e de chegada são os mesmos há décadas. Veja o caso da STAR FLIPR para Miami. Mesmo com a criação de novas aerovias, os fixos recebem nomes bem diferentes, justamente para não causar qualquer tipo de mau entendimento na instrução dada pelo serviço ATC aos aviadores", lembram os pilotos. PERGUNTAS AO DECEA Soluções internacionais ROTAS DIRETAS |
OPERAÇÕES SIMULTÂNEAS Antes de o Aeroporto Internacional de Frankfurt inaugurar a sua terceira pista paralela - a quarta do complexo -, os controladores de voo alemães também operavam aproximações simultâneas para duas pistas paralelas com menos de 760 metros de separação longitudinal, mas separavam os aviões por altitude. Como isso era feito? Muito simples. Para uma mesma pista, o aeroporto operava dois equipamentos de aproximação para ILS: um deles orientava aproximações para que as aeronaves tocassem a pista no início dela; o outro equipamento trazia os voos um pouco mais altos, para tocarem o solo um pouco mais à frente, numa cabeceira deslocada, que recebia uma numeração diferente (uma cabeceira tem a designação 25L e a outra, 26, por exemplo). Antes de iniciar a aproximação, o piloto era informado em qual das cabeceiras iria pousar e, normalmente, o controlador de voo sempre reservava a pista inteira para o pouso de jatos mais pesados. Talvez a operação de dois equipamentos de ILS numa mesma cabeceira seja uma boa solução para Guarulhos, que hoje não opera pousos simultâneos justamente pela falta de maior distanciamento entre suas duas pistas paralelas (09R/27L e 09L/27R). Contudo, para que uma operação desse tipo possa ser executada de maneira adequada, os controladores de voo têm de ser experientes e possuir boa noção de performance das aeronaves. Além disso, os pilotos precisariam cumprir à risca as orientações do serviço ATC, principalmente quanto à velocidade empregada na aproximação. ENTRADAS E SAÍDAS RÁPIDAS PILOTOS OBEDIENTES SISTEMA NEXTGEN A FAA calcula que, somente em 2010, conseguiu trazer para as companhias aéreas norte-americanas uma economia de combustível da ordem de US$ 229 milhões, o que representa uma redução de apenas 1% no gasto anual. Com a implementação do NextGen, a economia será bem maior. "Na área terminal de Houston, por exemplo, a FAA calcula que os voos voarão 648 mil milhas a menos por ano, com redução de 31 mil toneladas em emissões de CO2 na atmosfera", prevê Babbitt. |